Absurdo: Menino assassinado era obrigado a escrever ‘sou um filho horrível’

Cadernos com frases como “não mereço a mamãe que eu tenho”, “eu sou um filho horrível”, “eu não presto” e “eu sou cruel” foram encontrados durante uma perícia realizada na noite de terça-feira (3), em um dos locais onde o menino Miguel, 7, viveu com a mãe e a companheira dela, em Imbé, no litoral norte do Rio Grande do Sul.

Em uma página, a escrita parece feita com caneta preta, enquanto em outra, as frases se repetem escritas a lápis, como mostra uma foto dos cadernos divulgada pela Polícia Civil gaúcha. Segundo a investigação, os registros apontam que a criança era obrigada a escrever frases ofensivas.

A caligrafia escrita a lápis seria de Miguel, a outra, a investigação ainda apura se seria da mãe da criança ou da companheira dela, afirma o delegado do caso, Antônio Carlos Ractz Júnior.

A mãe, Yasmin Vaz dos Santos Rodrigues, tentou registrar o desaparecimento do menino em uma delegacia na última quinta-feira (29), mas acabou confessando à polícia que dopou o filho e o jogou no rio Tramandaí, também em Imbé, na madrugada de quarta-feira (28). As buscas pelo corpo da criança seguem na região.

A companheira dela, Bruna Nathieli Porto da Rosa, foi presa no fim de semana e disse à polícia que o menino foi agredido pela mãe e teve os ossos quebrados para caber na mala com rodinhas que ela alega ter sido usada para transportar o corpo até o rio. O objeto foi apreendido e será periciado.

As duas foram transferidas para a Penitenciária Estadual Feminina de Guaíba, na região metropolitana de Porto Alegre, nesta terça-feira.

O advogado Jean Severo assumiu a defesa de Yasmin nesta semana, depois que Bruno Vasconcelos deixou o caso. Ele diz que só teve acesso ao inquérito agora e que fará uma análise do que foi colhido antes de se manifestar sobre o caso. A reportagem não localizou a defesa de Bruna.

A perícia foi realizada em dois endereços onde o casal e a criança viveram em Imbé, para onde se mudaram este ano.

Os peritos usaram um reagente em busca de vestígios não visíveis de sangue nos locais. Em um deles, onde moravam até a semana passada, as mulheres e a criança ficaram apenas 15 dias.

Além dos cadernos, foi apreendida uma corrente que, de acordo com a polícia, era usada para manter a criança presa.

Mensagens em um aplicativo no telefone da companheira da mãe, também divulgadas pela Polícia Civil esta semana, mostram as duas conversando sobre a compra de uma corrente, que tinha custo de cerca de R$ 25.

Em outras mensagens, com data do final de julho, a companheira conversa supostamente com a própria irmã, que também se chama Yasmin, e diz que a criança “conseguiu estragar o namoro”.

Ele não tem limite e ela não sabe mais controlar, porque não tem mais como“, escreve. “Ele só parou porque ela deu remédio para dormir e isso dele ser assim é culpa dele sim mas dela e da mãe dela.”

A Polícia também divulgou dois vídeos em que a companheira da mãe questiona Miguel sobre sua forma de agir -os registros estavam salvos no celular dela. À Polícia Civil, ela disse que os vídeos era gravados a pedido de Yasmin, que queria enviar as imagens à própria mãe, avó do menino.

Em um deles, o menino aparece em pé, descalço, dentro de um guarda-roupa, e é questionado pela mulher “por que quando a mãe está ele se joga“. A criança responde que faz isso porque assim a mãe o ajuda.

A mulher diz que “não sabe se ele reparou, mas nada está funcionando“. “Tua mãe até já se ligou que tu se caga para se aparecer, e mesmo assim tu vai continuar?“, questiona ela.

Eu acho que uma hora ela vai cansar e vai fazer tudo para mim de novo“, responde a criança em voz baixa.

A mulher diz ainda que se ele fizer xixi quando a mãe chegar, “desmonta ele a pau”. “Eu te desmonto, eu te desmonto, eu te desmonto, e tu vai sair todo quebrado. Se tu se mijar, eu pego o teu mijo e esfrego na tua cara, tá entendendo? E vai ser bem tranquilo para mim.”

A avó materna de Miguel tentou iniciar um processo para conseguir a guarda consensual da criança. Ela procurou a Defensoria Pública no município de Casca para saber como deveria proceder, no início de junho.

Um mês depois, Yasmin enviou parte da documentação necessária à Defensoria Pública em Tramandaí, no litoral, para dar seguimento ao processo. Como os documentos estavam incompletos, a ação só foi ajuizada em 29 de julho, mesma data em que a ela procurou a delegacia tentando registrar o suposto desaparecimento do filho.

A Defensoria Pública do Rio Grande do Sul diz que, como não havia relatos ou informações indicando que a criança corresse risco ou sofresse maus tratos, o caso não foi tratado como urgência.

Nesta quarta-feira, as buscas pelo corpo da criança entraram no sétimo dia, com operação por terra e na água, no rio Tramandaí e no mar, conduzidas pelo Corpo de Bombeiros Militar do Rio Grande do Sul.

A estratégia de buscas foi traçada com base no trajeto que a mãe supostamente fez com a criança, entre o local onde viviam e o rio, onde ela diz que o jogou, depois de ter transportado o menino na mala com rodinhas. Nenhuma hipótese sobre o paradeiro é descartada, segundo as autoridades.

De acordo com o tenente Elísio Oliveira Lucrécio, comandante do Pelotão de Bombeiros Militar em Tramandaí, município próximo a Imbé, enquanto algumas equipes trabalham pela orla, outras fizeram buscas por terra -a área tem vários terrenos vazios, casas abandonadas e outros pontos onde o corpo poderia ter sido deixado.

As buscas têm sido realizadas enquanto há luz do sol, começando por volta das 7h e se encerrando perto das 18h. Sem avanços até o momento, elas seguem nesta quinta (5).

Além dos Bombeiros, peritos criminais e técnicos em perícias do IGP (Instituto Geral de Perícias do Rio Grande do Sul) percorreram o mesmo trajeto em busca de vestígios nesta quarta-feira.

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