Chuvas de pedra, gases tóxicos e avalanche: o infernal último dia em Pompeia

Era só mais um dia qualquer em Pompeia. Em 24 de agosto do ano 79, o comércio abriu as portas às 8 horas, como sempre, mas poucas pessoas estavam na rua. É provável que muita gente ainda estivesse dormindo, já que na noite anterior os moradores da cidade, como os de todo o Império Romano, tinham ido às lutas de gladiadores, peças de teatro e tomado muito, muito vinho. Tudo em celebração a Vulcano, deus do fogo.

Situada no pé do monte Vesúvio, às margens do que hoje conhecemos como baía de Nápoles, Pompeia era uma cidade próspera, com cerca de 20 mil moradores. Toda murada, tinha uma área urbana – onde se concentravam residências e casas comerciais como padarias, bares, lavanderias, bancos e banhos públicos – e uma rural, ocupada por grandes fazendas, onde se plantando quase tudo dava, principalmente trigo, azeitona e uva.

O centro da cidade tinha uma parte mais antiga, feita antes de a cidade virar colônia romana, e outra mais nova, com duas ruas principais, que cortavam a cidade nos sentidos norte-sul e leste-oeste.

Barcos chegavam o tempo todo trazendo comerciantes estrangeiros, sobretudo fenícios. Podia-se comprar de tudo no porto de Pompeia, desde macacos africanos e canela da China até escravos e escravas orientais, famosas por suas técnicas sexuais. Circulava muito dinheiro por ali.

A elite era formada por grandes fazendeiros, que tinham marinas particulares e seus próprios barcos, e pelos donos das lojas mais sofisticadas, casas de banho e indústrias de tecido. Os comerciantes eram o que hoje chamamos de classe média e moravam em casas construídas em cima de seus estabelecimentos. Na base da pirâmide social ficavam os trabalhadores rurais.

Ricos e pobres, todos se achavam abençoados por morar em Pompeia. Eles acreditavam que a fertilidade da terra era um presente dos deuses e não desconfiavam que o solo tinha tanta qualidade por causa de antigas erupções do Vesúvio. Aliás, eles nem sabiam o que era um vulcão. Tanto que, na época, sequer havia uma palavra em latim para designar o vulcanismo.

Para eles, o Vesúvio era apenas uma bela montanha: um calado e amistoso vizinho. Por isso, o mar agitado dos dias anteriores àquele 24 de agosto e o leve tremor de terra que fez o vinho balançar dentro dos cálices na festa de Vulcano não foram entendidos como sinais de perigo.

Escuridão total

A quinta-feira era apenas mais um dia de calor. Eram pouco mais de 10 horas quando um forte estrondo foi ouvido, seguido de um abalo. No horizonte, uma densa nuvem de 15 quilômetros de altura se ergueu sobre o Vesúvio. A 30 quilômetros dali, um dos mais brilhantes homens de seu tempo escutou o barulho. Em sua casa de campo em Miceno, estava Plínio, o Velho, uma das maiores autoridades em fenômenos naturais da época e autor dos 37 volumes de História Natural.

Os momentos finais em Pompeia / Crédito: Wikimedia Commons

 

De acordo com o pesquisador Andrew Wallace Hadrill, diretor da Escola Britânica em Roma e especialista em Pompeia, Plínio foi surpreendido pela explosão do Vesúvio. Hoje se sabe que a última erupção do Vesúvio antes daquela manhã tinha acontecido por volta de 1800 a.C.

Em poucos minutos, a ensolarada manhã virou noite. A fumaça do Vesúvio bloqueou completamente o sol. Impressionado com a noite no meio do dia e com o barulho, o povo saiu às ruas, curioso para ver o espetáculo. Acontece que aquela nuvem não era só fumaça.

Junto com as cinzas, o Vesúvio lançou na atmosfera toneladas de rochas a uma altura tão grande – algumas devem ter atingido 10 mil metros – que elas só começaram a cair minutos depois da explosão inicial. “As primeiras vítimas devem ter sido atingidas pela chuva de pedras e, em seguida, com o acúmulo de detritos sobre os telhados, pelos desabamentos”, diz Fabrizio Pesando, co-autor do livro Pompeii (“Pompeia”).

Muita gente ficou em casa, rezando. Outros, mais espertos, resolveram correr. Não adiantou. Em Miceno, Plínio, o Velho, assistia de camarote à densa fumaça que subia do Vesúvio, quando resolveu ver aquele fenômeno mais de perto. Ele mandou preparar um pequeno barco, convocou uma tripulação de nove homens e pouco antes das 5 da tarde se pôs a caminho de Pompeia.

A viagem foi uma péssima ideia. Ao se aproximarem da cidade, as altas temperaturas e um densa neblina fizeram com que o barco se desviasse de seu destino. O jeito foi ancorar na vizinha Estábia.

Em 24 de agosto de 79, Gaius Plinius Caecilius Secunduso, um rapaz de cerca de 20 anos, preferiu não navegar com o tio até o pé do Vesúvio. Plínio, o Velho, era um “cientista”. Na época, isso significava observar a natureza e depois fazer teorias sobre o fenômeno. Por isso, seu tio fez questão de ver tudo mais de perto. Plínio, o Jovem, ficou em casa, em Miceno. Sobreviveu e por isso pôde relatar todos os acontecimentos daquele dia. Suas longas cartas enviadas ao historiador Tácito mais tarde foram publicadas em livros.

Leia um pedaço: “Era o nono dia antes das calendas de setembro, pela sétima hora, quando minha mãe lhe mostrou (a seu tio) que se formava uma nuvem volumosa e de forma incomum. (Ele) Levantou-se e subiu a um lugar do qual podia ver melhor. A nuvem parecia-se muito com um pinheiro porque, depois de elevar-se em forma de um tronco, desabrochava no ar seus ramos. O Vesúvio brilhava com enormes labaredas em muitos pontos e grandes colunas de fogo saíam dele, cuja intensidade fazia mais ostensivas as trevas noturnas. Podia-se ouvir os soluços das mulheres, o lamento das crianças e os gritos dos homens. Muitos clamavam pela ajuda dos deuses, mas muitos outros imaginavam que não havia mais deuses e que o Universo estava imerso numa eterna escuridão” 

“Em Pompeia a chuva de pedra já durava pelo menos 12 horas e praticamente toda a cidade estava soterrada sob cerca de 4 metros de rochas vulcânicas, quando o pior aconteceu”, diz Wallace-Hadrill. À escuridão das sombras das nuvens de cinza, juntou-se o escuridão da noite. Por isso, e porque não restassem muitas testemunhas no local, talvez ninguém tenha visto quando a parte mais letal da erupção se aproximou. “Viajando a uma velocidade superior a 120 quilômetros por hora, uma avalanche de cinzas e rochas superquentes, com temperaturas que ultrapassavam os 500 graus, desceu sobre a cidade.”

Avalanche

Situada na costa oeste do Vesúvio, a cidade de Herculano também viveu um inferno. Provavelmente beneficiada pela direção do vento, não sofreu tanto com a chuva de pedras. Em compensação, a avalanche foi muito mais violenta. Quem escapou e chegou à praia morreu do mesmo jeito, porque não sobreviveram à onda de calor e aos gases venenosos. Mais de 300 esqueletos foram encontrados num abrigo de barcos.

A morte para eles foi instantânea. O choque com a onda de calor fez seus órgãos vitais ficarem paralisados antes mesmo que eles se dessem conta do que estava acontecendo. A cidade, onde moravam 5 mil pessoas, ficou enterrada em 23 metros de pedras e cinzas.

Os rastros do Vesúvio / Crédito – Wikimedia Commons

 

Nuvem de fumaça, chuva de pedras quentes, gases tóxicos e avalanche, tudo num só dia. Chega, né? Não. O Vesúvio ainda não tinha parado. Antes das 7 da manhã do dia seguinte, uma nova nuvem atingiu Pompeia. Quem ainda estava lá acabou sufocado pelos gases. A nuvem seguiu em direção a Estábia. Os moradores tentaram atravessar a baía, mas não havia como.

Os gases vulcânicos fizeram centenas de vítimas. Entre elas Plínio, o Velho. Seu sobrinho, em Miceno, escreveu tudo o que pôde ver e apurar depois. Seus relatos eram tão bizarros que foram considerados lendas até o século 18. Hoje em dia, sabemos que existem erupções vulcânicas como Plínio contou.

Não se sabe exatamente quantas pessoas morreram em Pompeia, Herculano, Estábia e redondezas. A recuperação de corpos indicaria um número entre 2 mil a 4 mil vítimas. De toda forma, Pompeia jamais se recuperou do estrago.

Múmias de gesso

Depois que Pompeia sumiu, os restos da cidade foram muito procurados por saqueadores. Dois séculos depois, as poucas pessoas que se lembravam da cidade a chamavam de Civitá. Em 1595, o local foi descoberto por acaso durante a construção de um aqueduto. As escavações só começaram em 1748, quando especialistas perceberam que aqueles objetos eram da tal Civitá.

Eles encontraram uma placa que dizia que o nome da cidade era Pompeia, e então ela ganhou o nome correto. O que mais impressiona até hoje são os “corpos” das vítimas. Muitos acreditam que aquelas figuras expressivas são os restos dos moradores petrificados.

Na verdade, os corpos não estão mais ali, mas já estiveram, e foi com base nos moldes que eles deixaram que os arqueólogos trabalharam. Foi assim: a avalanche de cinzas e rochas formou uma espécie de cobertura, que endureceu. Com o tempo, as vítimas foram decompostas, e as rochas que as cobriam ficaram com um espaço oco.

Os especialistas rechearam esse espaço com gesso, e assim conseguiram mostrar a posição de homens, mulheres, crianças e até animais mortos durante a erupção.

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