24 de abril de 2024

Transfobia: por que sua opinião não é “só uma opinião”?

“Mas isso não é natural!” e o que é natural? Não questionamos quando uma pessoa faz uma cirurgia plástica no nariz ou quando modifica seu corpo na academia, não é preciso um laudo psicológico e ninguém contesta a estabilidade da decisão, não se ouve “é só uma fase”. É simples, não questionamos enquanto sociedade modificações corporais desde que essas modificações se deem na permanência da pessoa dentro do gênero atribuído ao nascimento.

Evocamos um discurso de “é a natureza”, mas não nos tocamos que essa natureza é modificada a todo tempo. A gente tem uma dificuldade pra assumir nossos preconceitos, um país que mais mata pessoas trans, em sua maioria negras, no MUNDO. Mas, se você perguntar não existe transfóbicos no Brasil e todo mundo “respeita a diversidade”. Respeita até a página dois ou até a nota de rodapé da página um.

Na maioria das vezes o “respeita a diversidade”, vem seguido de um “mas”, que nega a frase anterior e acrescenta “desde que não seja na minha família”, “desde que não seja na minha frente” e tantos outros “desde que…”. Quando sinalizado o preconceito por alguma outra pessoa que participa da conversa, abruptamente surge “é só minha opinião”.

No dicionário a palavra opinião, derivada o latim “opinio,onis”, diz respeito a maneira de julgar algo ou alguém. O julgamento tem como significado “veredito” o que é incongruente com a opinião que é um parecer sem fundamentação, logo, incapaz de produzir provas contra algo ou alguém. O que acontece que lançamos tantos vereditos? Uma das muitas formas de lidar com a angustia é construir verdades sobre elas. Contudo, verdades construídas por opiniões, são como castelos erguidos na areia. Basta um vento.

O “castelo na areia” construído na cultura brasileira é de que as coisas são como são, dadas, acabadas. Haja vista as dezenas de projetos para barrarem a linguagem neutra ou quando escrevo uma homenagem para Marília Mendonça e uso a palavra “todes”, logo minha homenagem vira fundo. O todes incomoda. Existências trans na faculdade incomodam. Mulheres trans e travestis no banheiro da prefeitura incomodam. O incomodo é aquela angústia que há muito se tenta domar, não falar. O que fazer diante disso que escapa? Bote areia – ou resistência, como preferirem – nessa conta.

Nós resistimos um bocado pra entender que o mundo não é essa coisa dada, isso ou aquilo, masculino/feminino, bom/mau, as coisas não são tão fixas quanto parecem e deve ser custoso admitir que aquilo que passamos a vida toda tendo como certo, talvez não seja a única forma. Existem muitas formas que transpõe esses binarismos. Mas a gente se agarra nessas verdades, soltá-las é quase como dizer que tudo que nos ensinaram é passível de interrogação.

O “castelo” é de areia porque foi erguido num país colonizado pela violência e exploração, pelo estupro e a busca pelo extermínio dos povos orginários, povos esses que não faziam distinção de gênero ou sexualidade. Essa distinção veio pelos europeus que nos colonizaram.  Quando a gente diz, como o Deputado Cadmiel (PSL/AC) que a linguagem neutra mancha a língua portuguesa, imagina só se ele soubesse que a língua portuguesa não originária desse país, que ela traz em si manchas de sangue e violência.

Imagina só se a gente abrisse nossas perspectivas do que é ser pessoa, do que é ser homem, mulher, do que é família, comunidade, do que aprendemos. Abrir exige mudar e mudar pode ser doloroso, afinal é preciso olhar para o castelo e perceber que as bases que achávamos sólidas na verdade são de areia.

Vou encerrando esse papo por aqui, mas antes quero cutucar com as palavras esse tantão de vereditos. A nossa opinião não é “só uma opinião” quando se tem um contexto que nos cerca. Se a “nossa opinião” se refere a uma população que morre todos os dias pelo preconceito, nosso discurso estimula a violência e a estigmatização. Como estamos contribuindo para a permanência desse “castelo de areia” e quem se beneficia com a existência dele? Nessa areia tem sangue.

Para contatar a autora e conhecer mais do seu trabalho, acesse:
@psi.kahuana (https://www.instagram.com/psi.kahuana/).

Kahuana Leite é Psicóloga graduada pela Universidade Federal do Acre (2019) e Mestranda em Psicologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Atua em consultório particular no município de Rio Branco/Acre, atendendo adolescentes e adultos.

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