Wando: Há dez anos, morria um símbolo sexual da MPB

Ele foi muito mais do que luz, raio, estrela e luar. Uma das estrelas do estilo “romântico-brega” com músicas que falavam de conquista, traição, sexo e, sobretudo, amor, seus discos batizados com nomes como “Obsceno” e “Tenda dos prazeres” venderam milhões de cópias e arrastaram multidões aos shows. A edição do GLOBO de 25 de abril de 1991 já o definia como o cantor mais erótico do Brasil. Wando, a voz que deu asas às fantasias de homens e mulheres, calou-se em 8 de fevereiro de 2012.

De Cajuri, interior de Minas Gerais, Wanderley Alves dos Reis nasceu em 2 de outubro de 1945. Seu apelido surgiu na infância, dado pela avó. Foi nessa época que começaram os primeiros contatos com a música graças ao pai, que tocava violão clássico. Ainda criança, mudou-se para Juiz de Fora (MG), onde concluiu os estudos primários e, já na adolescência, foi para Volta Redonda. No interior fluminense, trabalhou como entregador de leite, vendedor de jornais, feirante e caminhoneiro, ao mesmo tempo em que se dedicava à música: com amigos, formou uma banda que tocava em bailes, além de estudar violão erudito. A carreira erudita, no entanto, não durou muito: Wando descobriu que o estilo, base para tocar o instrumento com perfeição, não fazia sucesso com as mulheres. Para um romântico inveterado, que usava seu talento musical como arma de conquista, era necessário investir em um ritmo mais próximo das moças.

Na tentativa de fazer carreira na música, Wando mudou-se para São Paulo no fim dos anos 1960. Com parcos recursos financeiros, morava em hotéis baratos e frequentava restaurantes populares no centro da capital paulista. Nessa época, iniciou sua trajetória de cantor em bares pela cidade e, nas horas vagas, compunha. As primeiras composições de Wando eram sambas com swing, no estilo samba-rock. Sua primeira música gravada foi o samba “Catimba crioulo”, cantada pelo grupo Originais do Samba, em 1972.

Ainda em 1972, Wando muda-se para o Rio de Janeiro, onde conhece Oswaldo Sargentelli, que incentivou sua carreira, e o produtor musical Antônio Almeida. Este, por sua vez, o apresenta ao cantor Jair Rodrigues, que grava duas de suas composições: os sambas “Se Deus quiser” e “O importante é ser fevereiro”. Além de Jair, outros cantores gravaram músicas de Wando, como Ângela Maria (“Vá, mas não volte”), e Roberto Carlos (“A menina e o poeta”).

A estreia de Wando no mercado fonográfico, como cantor, foi em 1973, ano em que gravou um compacto com a música “Maria Mariá” e seu primeiro disco, “Glória a Deus no céu e samba na terra”, que continha sambas compostos por ele mesmo e por outros compositores desconhecidos do grande público. Foi em 1975, no entanto, que Wando obteve o reconhecimento nacional, já na linha da música romântica, com a música “Moça”. A canção, que narrava o amor de um homem por uma mulher que não era mais virgem – o que, na época, era um tabu -, foi gravada em um compacto simples e vendeu mais de um milhão de cópias. Além disso, a música fez parte da trilha sonora da novela “Pecado capital”, de Janete Clair, exibida na TV Globo.

A partir daí, o rótulo de cantor romântico foi associado, de forma mais intensa, a Wando. Ele lançou mais 26 discos repletos de sucessos cujas letras eram cheias de conteúdo sensual e erótico. O maior desses sucessos, pelo qual até hoje o cantor é conhecido em todo o país, veio com o disco “O mundo romântico de Wando”, de 1988: “Fogo e paixão”, música que o cantor fez para Rose, sua mulher na época. Além de romântico, Wando construiu a imagem de obsceno, reforçada não apenas pelas letras que cantava,como também por nomes de seus álbuns, entre eles “Ui-Wando paixão” (1986), “Depois da cama” (1992) e “O ponto G da história” (1996).

A turnê do disco “Obsceno”, de 1988, trazia como cenário um quarto de motel e o cantor costumava distribuir frutas, goles de vinho e até alguns “vale-motel”. Em entrevista ao GLOBO em 31 de janeiro de 1990, o cantor falou sobre o propósito do espetáculo:“É um show para liberar as fantasias. Fantasias normais, do tipo ‘sexta-feira vou levar ela no motel’. Aí o cara vai ao show e acaba estimulado a realizar a fantasia”.

Outra marca registrada de Wando era sua associação com as calcinhas, o que teve início com o disco “Tenda dos prazeres”, de 1990, o qual trazia uma calcinha estampada na capa. A partir daí, o cantor começou a distribuir – e arrecadar – calcinhas durante suas apresentações, hábito que durou até o fim de sua carreira. Com isso, Wando montou uma grande coleção da peça íntima feminina, estimada em 17 mil peças, de todas as formas e tamanhos.

Embora as músicas e discos de Wando fossem um grande sucesso de público, sua obra era alvo de muitas críticas – negativas, muitas vezes – por parte da crítica especializada. Muitos de seus discos eram definidos como mercadológicos e falsos; suas letras, longe de serem eróticas, eram tidas como pobres e beirando a pornografia, e as melodias eram repetitivas e artificiais. Assim, a obra de Wando seria ilegítima, forjada para que ele parecesse um cantor romântico sem, no entanto, o ser. A tônica das críticas incomodava o cantor, que falou sobre o assunto ao GLOBO, em 18 de julho de 1989:

– Aqui no Brasil existe muito preconceito com certos tipos de arte, como a música romântica que a mídia convencionou chamar pejorativamente de brega. O problema é que um mesmo crítico avalia desde rock a samba e tende a elogiar o tipo de música que mais gosta. Muitos vão aos shows só com interesse em descobrir os pontos negativos.

Wando morreu, aos 66 anos, no dia 8 de fevereiro de 2012, depois de passar 12 dias internado em um hospital de Nova Lima, Minas Gerais, por problemas cardíacos. O cantor, que estava no quarto casamento, deixou quatro filhos e dois netos.

Sensual. O cantor e compositor Wando, rei da música romântica: shows marcados por calcinhas

Sensual. O cantor e compositor Wando, rei da música romântica: shows marcados por calcinhas 1994 / Agência O Globo

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