Advogado no Acre pede que TRE investigue Cartas de Anuência para desfiliação partidária: “Pode se transformar em Carta de Intenções”

Embora o prazo de filiação a um partido político, para concorrer a um cargo nas eleições deste ano de 2022, já tenha se esgotado, o tema da famigerada Carta de Anuência alcança relevo, porque algumas delas foram concedidas para vereador no exercício de mandato eletivo, aqui no Acre como em outros estados, e a Justiça Eleitoral vai ter que se posicionar, acaso provocada por algum legitimado para a ação de perda de cargo eletivo, para a qual só sobra o suplente e o Ministério Público Eleitoral.

Normalmente, o primeiro legitimado para tal tipo de ação é o partido político, mas neste caso foi a própria agremiação quem presenteou o parlamentar mirim com a Carta de Anuência, mencionada na Emenda Constitucional 111, de 28 de setembro de 2021, razão pela qual, obviamente, não tem interesse de agir. Talvez de se esconder.

A anuência de que trata a EC 111/21, evidentemente, não se vincula a uma justa causa da Resolução 22.610/2007 e art. 22-A da Lei Orgânica dos Partidos Políticos, mas não pode ser graciosa e nem fazer dos partidos um balcão de negócios, sob pena de diversas consequências, como desmoralização da fidelidade partidária e enfraquecimento dos partidos, além de se tornar mais uma porta aberta para promiscuidade política.

Se a Carta de Anuência estiver vinculada, na prática, à candidatura do beneficiado por outro partido, isto é ilegítimo e imoral, devendo ser cancelada, por precaução.

É imprescindível que a Justiça Eleitoral esteja com os olhos abertos por questões desta natureza ocorridas antes da campanha eleitoral, senão a lisura lá na frente, do pleito eleitoral, que lhe é tão cara, assim como os valores democráticos, da liberdade e consciência do voto, estarão comprometidos na origem, ou seja, no início do ano eleitoral.

Uma boa parte dos ovos da serpente da corrupção eleitoral são colocados e chocados lá atrás.

Além das justas causas previstas no art. 10 da Resolução TSE 22.610/2007 e art. 22-A da Lei 9.096/95, veio à lume o §6º do art. 17 da EC 111, de 28 de setembro de 2021, consistente na anuência do partido político, a filiados com cargo eletivo que queiram ir embora, mantendo o mandato, mas esta concordância não pode se dar graciosamente, sem o mínimo de motivos, razões e plausibilidade, decorrente de algumas situações conflitantes entre o partido e o parlamentar.

O que causa espécie e demonstra a má-fé e falta de credibilidade em alguns casos é que o pedido e a concordância não ocorreu no mês de setembro de 2021, tampouco nos meses de outubro, novembro e dezembro de 2021, assim como nem nos meses de janeiro e fevereiro de 2022, mas, coincidentemente, durante o mês de março do ano de eleições gerais.

Será por qual razão?

É que durante o mês de março de 2022, no caso concreto, ocorreu a janela partidária para os parlamentares estaduais ou federais com mandato mudarem de partido, antes da data das eleições.

O prazo para se adotar tal providência é de trinta dias, antes de 02 de outubro de 2022, dia do primeiro turno das eleições (Art.22-A da Lei 9.096/95 e Lei 13.165/2015).

Foram muitos os vereadores, aqui no Acre e no país, que, em razão de terem tido uma boa votação para o parlamento municipal, e de achar que fizeram um bom trabalho, pretendiam se lançar candidato logo, a cargo de deputado estadual ou federal.

Neste campo da política ninguém é ingênuo, inocente ou pode alegar desconhecimento da lei, porque são bem informados e os partidos se dotam de boa assessoria jurídica especializada, para a prática de atos.

A maioria, cautelosa – quase a totalidade – desistiu, mesmo sabendo da tal Carta de Anuência que o partido poderia lhe conceder, dependendo dos entendimentos.

Alguns, no entanto, preferiram arriscar.

Como a janela partidária, no mês de março de 2022 – diferente do que alguns vereadores imaginavam – não lhes socorriam, parece que alguns partidos e vereadores, no país, resolveram fazer da tal Carta de Anuência uma “basculante partidária”.

Se não dava na janela partidária, pelo menos por uma abertura menor, mas que desse de pular de um partido para outro mais forte, com mais dinheiro do fundo eleitoral e FEFC, e horário de rádio e TV, talvez cargos, pelo qual terá mais chance de se eleger parlamentar estadual ou federal.

Então, a Carta de Anuência, totalmente solteira, isso é, sem alguma causa justa que não sejam aquelas justas causas previstas na legislação, para estas eleições, se torna uma “basculante partidária”, dando volta na abertura mais ampla com vidros transparentes.

A anuência solteira afronta a jurisprudência eleitoral atual. A mens legislatoris, ao implantar o §6º do art. 17 da EC 111, de 28 de setembro de 2021, era dar guarida ao partido político para, havendo alguma situação de conflito ou impossibilidade de convivência interna corporis partidário, e tal situação não se enquadrasse em nenhum dos tipos de justas causas previstos de forma taxativa na legislação especial, poder anuir com a saída do parlamentar – levando o mandato eletivo junto – sem qualquer consequência ou responsabilidade, mas de forma fundamentada, razoável, coerente e plausível.

Em decisão monocrática, recentemente, no final do ano passado, três meses após a vigência da Emenda Constitucional 111, de 28 setembro de 2021, o Eminente Ministro ROBERTO LUIZ BARROSO proferiu decisão, em caso anômalo e muito particular, no sentido de bastar a Carta de Anuência, para justificar a saída daquele parlamentar federal do partido, com a manutenção do mandato.

A decisão foi proferida, ainda, em regime de tutela de urgência, o que é incomum no direito eleitoral.

Mas quem pensa ou entende que o Ministro, mesmo monocraticamente – divergindo do Colegiado do TSE – considerou a Carta de Anuência por si só suficiente é porque não leu sua decisão e não conhece seu voto em outro processo, contemporâneo a este fato público.

Na ementa publicada pelo Tribunal Superior Eleitoral, nesta ação, saiu assim, de que a Carta de Anuência da EC 111/21 é suficiente para dar direito ao filiado se mandar mantendo o mandato.

Ressalte-se que o Eminente Ministro escorou sua decisão – diferente da que tinha proferido dias antes, em outros autos, ao qual nos reportaremos – em muitos documentos e matérias jornalísticas que demonstravam animosidade e incompatibilidade em políticas de saúde e ambientais, entre o Senhor Jair Bolsonaro e o parlamentar, em caso que envolvia o Presidente da República.

Isto é, a Carta de Anuência não foi solteira. Havia relevantes motivos, alegados de forma robusta pelo partido e reconhecido pelo Ministro, que justificava sua expedição.

O Eminente Ministro prolator da decisão, que considera superada a jurisprudência do TSE, iniciada em 2018, naquele processo muito particular – cuja posição entende que a Carta de Anuência por sí só não é suficiente para autorizar a desfiliação por justa causa – também tem entendimento conforme o Colegiado do TSE, em outro processo, quase na mesma data, já na vigência da EC 111/2021, por mais absurdo que possa parecer.

Ou seja, o festejado Ministro decidiu assim somente neste processo, envolvendo o Presidente da República, mesmo assim fazendo questão de destacar, em sua decisão, os relevantes fatos que davam plausibilidade à emissão da Carta de Anuência, chegando a transcrever o inteiro teor do documento preparatório da Carta de Anuência.

O site jurídico CONJUR, na data recente de 25 de novembro de 2021, mais de dois meses após a vigência da EC 111/21, publicou matéria, referente a julgamento realizado pelo TSE no mesmo dia 25/11/21, com o seguinte título: “CARTA DE ANUÊNCIA, POR SI SÓ, NÃO BASTA PARA JUSTIFICAR DESFILIAÇÃO PARTIDÁRIA, DIZ TSE”.

Esta decisão se deu nos autos do processo que declarou a perda de mandado do deputado federal EVANDRO ROMAN, eleito pelo PSD e que foi para o PATRIOTAS, para ser candidato a prefeito de Cascavel, no Paraná.

A jurisprudência atual do Tribunal Superior Eleitoral, com voto decisivo do Eminente Ministro ROBERTO LUIZ BARROSO, por mais que possa parecer contraditório não é, porque o que lhe deu segurança, na decisão a favor do parlamentar que reclamou do Presidente da República se filiar no seu partido, foi a gama de fatos que deu coerência à expedição de Carta de Anuência, não só por sua discutível objetividade.

Assim proclamou o erudito Ministro: “Admitir a desfiliação apenas com a concordância da direção do partido geraria uma flexibilização indesejada no instituto da fidelidade partidária. Precisamos reduzir o número de partidos e ter maior autenticidade, o que não é possível se cada parlamentar puder fazer o que lhe aprouver independente da filiação partidária. A simples Carta de Anuência pode ensejar a fragilização disso”.

O Ministro até que foi ponderado e muito educado, porque para quem atua na política e opera no direito eleitoral sabe que “a simples carta de anuência”, conforme mencionou o Julgador, pode ter motivações mais funestas, como fazer do partido um balcão de negócios, ou, um acerto entre amigos, para o presente e para o futuro.

É sabido que o mandato pertence ao partido, e que o partido político é uma entidade de direito privado. Contudo, não é uma empresa capitalista que visa lucros.

É uma entidade que se rege por lei específica (Lei 9.096/95) e outras, para ser instrumento forte, coerente e idôneo, autêntico, como diz o Ministro, para a consolidação do regime democrático, não podendo haver margens para negociações de passaportes para outros partidos e manipulação desta Carta de Anuência para formação de grupos que, se antes não se davam, agora se grudam para buscar vitórias nas urnas que lhe pode propiciar favores e poder, divergentes do interesse do eleitor e da população.

O que poderia estar por trás, por exemplo, em qualquer município do Brasil, quando um partido pequeno libera seu único parlamentar mirim e principal liderança para outro partido? Este caso não estaria dentre aqueles que o TSE e o §6º do art. 17 da EC 111, de 28 de setembro de 2021 contempla, protege, e entende plausível, sem dúvidas.

Isso é enfraquecer o partido, é atentar contra a democracia e a lisura e transparência que deve haver em todos os momentos da vida política, não só na campanha eleitoral.

É imprescindível que a Justiça Eleitoral cesse isso, puna, neste tipo de atitude, os dois lados. Em outro campo, da economia, se denominaria de gestão temerária e maliciosa, quiçá, fraudulenta.

Independente de qual for o entendimento “definitivo” sobre a Carta de Anuência, a Justiça Eleitoral em sua Zona Eleitoral e o Tribunal Regional Eleitoral do Acre, precisa analisar cada caso e julgar conforme as provas, relativizando a Carta de Anuência suspeita, sob pena de se colocar em risco tudo, do partido ao pleito eleitoral, que poderá chegar a resultados que não é a vontade livre e consciente do eleitor.

Os Ministros do TSE com votos perdedores, que votaram contra, no processo do parlamentar federal do Paraná que queria ser prefeito por outro partido, alguns apenas parcialmente, fizeram questão de registrar que a Carta de Anuência do §6º do art. 17 da EC 111, de 28 de setembro de 2021, por si só bastaria “…desde que não exista conluio com o objetivo de fraudar a vontade popular”.

No TSE, o entendimento dominante atual, de Colegiado, é o do processo do deputado federal do Paraná, no sentido de que a Carta de Anuência sozinha não é suficiente para o partido autorizar a desfiliação do parlamentar com a manutenção do mandato.

No entanto, esta decisão se deu por apenas um voto de diferença, que foi justamente o voto do Ministro Roberto Barroso, que, poucos dias após, em decisão monocrática, envolvendo um parlamentar que alegou justa causa para pular fora com o mandato, porque o Presidente da República filiou-se ao seu partido, mudou seu entendimento – não se sabe se só para este caso – afirmando que a Carta de Anuência, por si só vale, não precisando de mais nada.

Este caso foi submetido ao Plenário do TSE e não foi julgado ainda, mas será brevemente.

A jurisprudência do TSE é, em alguns casos, como as dunas do deserto, que mudam de acordo com a força e direção do vento, tomando outra forma quando menos se espera.

Então, logo mais, tudo poderá acontecer, para se definir se a concordância do partido, sozinha, já basta, ou se precisa de uma causa justa, um motivo razoável, para autorizar se desfazer de um parlamentar com mandato eletivo.

Esta é a posição no Tribunal Superior eleitoral, atualmente.

No entanto, § 6º do art. 17 da EC 111, de 28 de setembro de 2021 deixa claro que eventual anuência deve ser manifestada pelo partido, não por seu presidente, sem poderes para tal desiderato.

Na maioria dos estatutos partidários, os poderes que possui o Presidente da Executiva é para representar o partido, politicamente, em juízo ou administrativamente, mas nunca para tomar decisão, sozinho, sobre a liberação de um filiado com mandato eletivo.

E, dentre as diversas competências das Comissões Executivas Municipais e Estaduais, conforme o estatuto, que é a Lei do Partido, não se encontra a de liberar parlamentar com mandato eletivo.

Quando a EC 111/21 fala em partido, é na forma do Estatuto do Partido – e não poderia ser diferente – porque a Carta de Anuência, para ser outorgada a parlamentar eleito com os recursos do partido e pela sigla do partido, precisa ser debatida e decidida pelo partido, ou seja, no mínimo por seu diretório municipal ou estadual, com convocação regulamentar e registrado em ata.

Com o interesse de algum vereador, de ser candidato a deputado estadual ou federal, e o prazo para filiação em outro partido (02 de abril de 2022) se esgotando, de forma precipitada, podem ter passado por cima do estatuto, para, no afogadilho, praticar o ato que, agora, pode ser considerado nulo, sem validade jurídica, se houver provocação.

A menos que o parlamentar emigrante com mandato não se candidate, demonstrando, partido e beneficiado, boa-fé na transação que fizeram, qual seja, demonstrar que havia mesmo uma razão séria e fundada para liberação, e não que era uma disfarçada basculante partidária, para as eleições de logo mais.

Senão, para que serve um Estatuto de Partido, previsto na Lei Orgânica dos Partidos Políticos, cuja instituição está disciplinada nos arts. 17 e 14, §3, inciso V da Constituição Federal, mencionado na própria Lei 9.096/95.

É certo que a zelosa Justiça Eleitoral vai avançar nesta questão da famigerada Carta de Anuência.

A Justiça Eleitoral precisa coibir tal manobra neste período, a menos que seja por uma daquelas justas causas do rol taxativo da legislação já comentada, precedida dos registros necessários nos arquivos do partido.

A concessão de Carta de Anuência às vésperas de se encerrar o prazo mínimo de filiação a um partido, para concorrer a um cargo eletivo, abre um portal para outra dimensão partidária, ilegítimo, imoral, senão houver uma causa justa contundente para tal mister.

É prudente que se firme o entendimento, na Justiça Eleitoral, no mínimo, de que a Carta de Anuência generosa possa se dar, então, em outros anos e meses, não em ano eleitoral, cujo período tenebroso é o mês de março, seis meses de filiação obrigatória para ser candidato, caso contrário a Carta de Anuência pode se transformar em Carta de Intenções.

Gilson Pescador, advogado, OAB/AC 1.998

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