Gusttavo Lima, de cortador de cana a embaixador do agronegócio: quem é o astro sertanejo?

Em meados de 2002, Nivaldo Batista Lima recebeu R$ 35 para interpretar canções da MPB, ao longo de oito horas, num bar em Patos de Minas, cidade mineira considerada a capital nacional do milho. Foi seu primeiro cachê na vida. Vinte anos depois, rebatizado de Gusttavo (com T duplo desde 2006 para se diferenciar do argentino Gustavo Lima), ele cobra entre R$ 700 mil e R$ 1 milhão para shows com duração mínima de uma hora.

Artista mais tocado nas rádios do Brasil, segundo levantamentos semanais da plataforma Audiency, Gusttavo Lima é dono de um dos maiores cachês no país. O sertanejo de 32 anos corre a nação de Norte a Sul, normalmente a bordo de um jatinho recém-adquirido por R$ 250 milhões. Na última semana, aterrissou numa polêmica depois que os Ministérios Públicos de Roraima, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Bahia iniciaram investigações sobre possíveis irregularidades em contratações milionárias para shows bancadas por prefeituras de cidades pequenas desses estados.

Da lavoura ao Remelexo

Nivaldo Batista Lima nasceu em Presidente Olegário, município de 20 mil habitantes no interior de Minas. Na juventude, trabalhou na lavoura como apanhador de tomate e café e cortador de cana. Sonhava mudar de vida cantando e tocando viola. Por cinco anos, formou com os irmãos William e Marcelo o trio Remelexo, apresentando-se em bares e showmícios, quando estes comícios políticos embalados por performances artísticas eram permitidos por lei.

— Nessa época, ele era muito na dele. Quase não bebia, não aguentava ficar virado sem dormir… A gente tinha que quebrar a porta para acordá-lo — diz o cantor Jhonny, dupla com Rahonny, que acolheu Gusttavo no Distrito Federal quando o amigo estava sem emprego e com dívidas.

Gusttavo Lima em 2010, pouco depois de lançar o álbum 'Inventor dos amores' — Foto: Reprodução/Instagram

Gusttavo Lima em 2010, pouco depois de lançar o álbum ‘Inventor dos amores’ — Foto: Reprodução/Instagram

A realidade começou a mudar em 2009, quando Gusttavo partiu para Goiânia e conheceu Marcos Araújo, todo-poderoso da Audiomix, maior escritório dedicado à música sertaneja no país. Produtor com experiência em emplacar duplas de sucesso, Marcos resolveu apostar no talento do rapaz franzino que cantava alto demais, quase gritando. Por 60 dias, colocou-o num “laboratório”, como lembra o maestro Pinocchio, para criar um estilo visual e musical.

— Nosso trabalho foi tirá-lo do lugar de imitador para ser o cara a ser imitado no futuro — diz Pinocchio, profissional de destaque no meio sertanejo, por trás dos primeiros trabalhos de nomes como Rionegro & Solimões e César Menotti & Fabiano.

As transformações foram drásticas. Gusttavo passou dias no salão de beleza de Maiky Correa, cabeleireiro de sertanejos como Matheus & Kauan e Rodolffo. Diante do espelho, reclamou que tinha rosto de “menino novo” e decidiu cultivar a barba. Clareou e corrigiu radicalmente os dentes — a ponto de alegar dificuldades para cantar, pois precisava se acostumar com a “boca diferente” —, recebeu orientações de uma personal stylist sobre o vestuário e dedicou-se a treinos diários de musculação.

— O cara, de repente, virou outra pessoa — brinca Pinocchio, produtor de “Inventor dos amores”, primeiro álbum de Gusttavo. — Você olhava ele no show e via as fotos de divulgação nos cartazes, e um já não tinha nada a ver com o outro. Foi aí que a coisa pegou mesmo, e ele veio com tudo.

O refrão da música “Balada” (aquele do “tchê, tchererê, tchê-tchê”) caiu na boca do povo em 2011: foi a canção mais ouvida naquele ano. Especialistas creem que ele tenha criado uma tendência ao unir forró e eletrônico. Produtores o enaltecem como uma “enciclopédia” do sertanejo, já que Gusttavo canta tudo, de modões antigos a hits da pisadinha. Com essa marca, tornou-se um astro do universo “agro”, batizado de “embaixador” a partir da Festa do Peão de Barretos, maior evento do gênero no país.

Gusttavo é uma celebridade também nas redes. Não à toa escolheu fazer uma live, chorosa em alguns momentos, em seu perfil no Instagram, para explicar as últimas polêmicas. Ali também costuma postar fotos do corpo malhado e de seu estilo de vida. Não raro, mostra imagens de casa, iate, avião, carrão. Há cerca de três anos, mudou-se para uma mansão — com projeto idealizado por ele — numa chácara próxima a Goiânia, e “praticamente construiu um condomínio só para a família”, como conta um amigo. É ali que ele cria os filhos Samuel, de 3 anos, e Gabriel, de 4, ao lado da mulher, a modelo Andressa Suita. Na última semana, o cantor subiu ao palco com o mais novo para dizer que ele é um “embaixadorzinho”.

— Já dei muito conselho sobre questões de casamento e família. Não gosto de invadir o espaço, mas ele se abre comigo — afirma o cabeleireiro Maiky, que o atende há 13 anos e semanalmente apara os fios do cliente no salão que Gusttavo construiu na mansão.

Inspirada na Casa Branca, a residência em estilo neoclássico com colunas que se tornaram sua logomarca (“ele adora essas pilastras”, diz um funcionário) tem estrutura de clube: na propriedade com 15 mil m², há um grande lago para pesca, quadras de esporte, academia de ginástica, piscina, spa, estúdio fotográfico, carrinhos de golfe para deslocamentos. A garagem abriga a uma coleção de carrões que inclui Lamborghini, Ferrari, Porsche, Mercedes Benz, Cadillac e Lincoln.

Iate de rei e Picanha Mito

Longe dali, em Angra dos Reis, no litoral do Rio, está ancorado o iate Embaixador. Gusttavo viu a embarcação pela primeira vez, em 2020, durante um passeio no Espírito Santo. Animou-se quando soube que se tratava de Lady Laura IV, do cantor Roberto Carlos. Os dois se telefonaram e fecharam a venda por R$ 25 milhões.

O patrimônio constantemente exposto pelo mineiro é resultado também de investimentos em empresas do ramo alimentício e de telemedicina. Hoje dono de fazendas em Minas Gerais e Goiás, Gusttavo recebeu em 2020 uma placa de alguns dos maiores produtores de grãos do país, com o título “embaixador do agronegócio”. Em 2021, tornou-se sócio do Frigorífico Goiás. A marca, que tem uma linha de carnes chamada Picanha Mito, chamou a atenção em maio ao prestar homenagem a Jair Bolsonaro, com o voo de um helicóptero pintado com o rosto do presidente.

Polêmica do cachê nasceu no palco

Com uma trajetória que o levou “do fel ao mel”, como o próprio disse em live recente, Gusttavo Lima tem falado, em tom de lamento para pessoas próximas, que “ser bem-sucedido no Brasil traz inveja e coisa ruim”. Ele costuma frisar que é fruto de um “milagre” ao relembrar a infância marcada pela pobreza, ao lado de sete irmãos, na zona rural de Presidente Olegário. Na internet, além de chorar e falar de si mesmo em terceira pessoa, afirmou ser alvo de perseguição e disse que está a ponto de “jogar a toalha”. Nos comentários associados ao desabafo, recebeu apoio de nomes como o senador Flávio Bolsonaro e outros sertanejos.

Nesse discurso pós-polêmica na web, Gusttavo garantiu que não quer mais falar de política, assunto em que volta e meia esbarrava — na direção do bolsonarismo. Em show recente em Brasília, o locutor que o apresentou defendeu a pátria, o “Brasil de gente abençoada” e bradou: “Aqui nunca vai ser comunismo”.

Os casos na Justiça e cancelamentos de shows se avolumam. Em Conceição do Mato Dentro (MG), a apresentação de Gusttavo, que custaria R$ 1,2 milhão à prefeitura, foi suspensa. A quantia fazia parte de uma verba destinada a áreas como educação e saúde. Em Teolândia, município no Sul da Bahia castigado por temporais no fim de 2021, serão gastos R$ 2,3 milhões (sendo R$ 704 mil para o cachê de Gusttavo) para realizar a Festa da Banana. Em Magé, na Baixada Fluminense, a administração desembolsou para o cantor R$ 1 milhão, valor dez vezes superior ao que deveria ser investido em atividades culturais em todo o ano. As prefeituras dizem que já entregaram os documentos solicitados pelos órgãos públicos sobre os eventos.

Os casos vieram à tona depois de circular na internet um vídeo em que o sertanejo Zé Neto, da dupla com Cristiano, zombava de uma tatuagem íntima de Anitta e criticava a Lei Rouanet. “O nosso cachê quem paga é o povo. A gente simplesmente vem aqui e canta”, disse, durante um show que custou R$ 400 mil à prefeitura de Sorriso, no Mato Grosso. Usuários de redes sociais reagiram pedindo uma “CPI do sertanejo”. Procurado, o artista não quis se pronunciar. Gusttavo Lima, que anteontem lançou nova música (o clipe já figura entre os quatro vídeos mais em alta no YouTube, no Brasil) também não atendeu o pedido de entrevista da reportagem.

— Todo mundo me procura querendo ser o Gusttavo Lima, e sempre de olho no avião dele. É fogo… A galera precisa entender que Gusttavo se fodeu, com o perdão da palavra, para alcançar esse avião de milhões.

Leia mais em O Globo.

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