27 de abril de 2024

A orquestra do absurdo no palco jurídico acreano; confira o artigo de Roraima Rocha

Roraima Rocha é advogado e membro da Comissão de Advocacia Criminal da OAB/AC

Em um episódio digno de uma ópera bufa, a mais recente trama política acreana se desenrola sob a batuta de uma justiça que parece dançar ao som de flautas desafinadas. No palco, Gladson Cameli, o maestro inadvertido, conduzido a uma partitura que ele não pode ver, nem ler. É a ironia requintada desta peça jurídica! O MPF, em um movimento teatral, encena uma tragédia grega sem fornecer o script aos atores principais.

Mas eis que surge no cenário uma Ministra, Nancy Andrighi, com um olhar agudo que corta a fumaça dos holofotes. Com um aceno de sua batuta judicial, ela pausa a música, solicitando algo aparentemente esquecido pelos nossos dramaturgos federais: as provas. “48 horas”, ela declama, e o coro do MPF e da PF deve agora entregar as partituras perdidas dessa orquestra.

O que é mais absurdo? O pedido de afastamento de um governador sem que a defesa tenha acesso às provas, ou o fato de que essas provas, como fantasmas, parecem flutuar fora do alcance? Gladson Cameli, retratado como um vilão de ópera, aguarda nos bastidores, confiante na justiça, mas perplexo com o surrealismo de seu ato.

A decisão da Ministra Andrighi é um lembrete mordaz de que, no teatro do absurdo jurídico, até os espectadores devem questionar a realidade apresentada. Em um Estado Democrático de Direito, o contraditório e a ampla defesa são os pilares que sustentam o palco, sem os quais a peça se desmorona em desordem.

Como em um filme de um dos meus cineastas favoritos, o espanhol Almodóvar, onde o absurdo revela verdades ocultas, essa saga nos lembra de olhar além da cortina de fumaça. Afinal, a justiça, essa dama supostamente vendada, parece ter espiado por baixo da venda e percebido o caos à sua volta. E nós, como público, devemos aplaudir a pausa, esperando que a próxima cena traga luz ao palco, claridade às provas e, quem sabe, justiça à narrativa.

Na terra de Ptolomeu, onde o mundo parece girar ao contrário, resta a esperança de que a música da justiça volte a ser harmoniosa, regida por maestros que respeitam a partitura do direito. Até lá, sentamo-nos em nossas poltronas, aguardando o próximo ato, entre sussurros e pitacos, na esperança de que a verdade não seja apenas um enredo secundário nesta grande ópera acreana.

*Advogado e membro da Comissão de Advocacia Criminal da OAB/AC.

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