Tudo aconteceu muito rápido. No primeiro encontro de Damina Serbyn e Roman Myronenko, eles foram a um teatro em Kiev, a capital da Ucrânia, e ela sussurrou no ouvido dele: “acho que me apaixonei por você”. Pouco depois, eles se casaram. E, logo em seguida, ele foi enviado de volta à frente de batalha na guerra contra a Rússia. Em um curto espaço de tempo, ela passou da felicidade do encontro com alguém especial para uma vida sozinha, viajando por horas a cada duas semanas para ver o marido, vice-comandante de um batalhão de drones baseado perto da cidade de Kharkiv, no nordeste do país.
Damina não é a única. Recentemente, ela viajou rumo a Kharkiv num trem que transportava outras mulheres que também estavam indo visitar seus entes queridos na linha de frente — uma jornada perigosa para uma cidade constantemente atacada por mísseis e drones. À medida que a guerra se arrasta e as forças russas avançam na Ucrânia, os soldados lutam com pouca esperança de serem desmobilizados em breve e retornarem para suas casas. Nesse cenário, muitas mulheres, determinadas a manter seus relacionamentos e suas famílias unidas, fazem viagens arriscadas para áreas próximas à linha de frente.
Algumas viajam para cidades como Kharkiv, geralmente mais perigosas do que os locais em que vivem. Outras vão até bases na linha de frente, onde estão em risco ainda maior, e por vezes levam até mesmo crianças com elas. É o caso da jornalista Kateryna Kapustina, de 32 anos, que levou seu filho Yaroslav, de 9, para passar as férias num vilarejo próximo ao front — onde seu marido, Ihor Kapustin, de 34 anos, está baseado. Antes da guerra, ele era mecânico. Agora, precisa rebocar veículos quebrados de posições perigosas diante das forças russas, relatou ela.
— Fiquei com medo. Meu filho e Ihor são tudo o que tenho — disse ela, relembrando que, antes de passar a fazer viagens regulares, começou a sentir que a família estava se acostumando a viver separada.
Quando a dubladora Yulia Hrabovska, de 35 anos, visita o marido, Volodymyr Hrabovsky, eles costumam ficar dentro de casa e tentam ter uma vida acolhedora, deitados na cama ou assistindo a filmes juntos. Por vezes ela prepara as panquecas de banana preferidas dele, e ambos tentam imaginar que, nesses dias, não há guerra. Os dois iniciaram o relacionamento nos primeiros meses do conflito, e ela estava grávida de quatro meses quando ele foi para a linha de frente, um período que ela só consegue lembrar como sendo “dias muito difíceis”.
— Era assustador imaginar o bebê crescendo sem um pai — afirmou, ressaltando que, com o tempo, percebeu que outras mulheres estavam passando pelo mesmo. — Outras garotas conseguem lidar com isso de alguma forma, então eu também conseguirei. Somos muitas.
Yulia foi professora dele em uma escola de teatro, mas nunca pensaram em iniciar um relacionamento romântico até a invasão da Ucrânia pela Rússia, em fevereiro de 2022. Junto de outros amigos, eles se abrigaram nos primeiros dias de conflito na casa dos pais dela — e, um mês depois, enquanto tanques russos passavam por uma estrada próxima de sua vila, ela segurou a mão dele e pensou: “por favor, Deus, que a gente consiga sobreviver. Se sobrevivermos, eu vou beijá-lo”. Ele pensava o mesmo, e, depois de sobreviverem e se beijarem, mantiveram uma relação.
‘Falta de amor e carinho’
Kharkiv, perto das linhas de batalha e repleta de soldados, tornou-se um ponto de referência para encontros. Próximo da estação de trem tem duas floriculturas cujos principais clientes são soldados. Não muito longe da loja de flores há um salão de beleza. Karina Semenova, 42, disse que a maior parte dos seus clientes também eram soldados, e que “todos sentem falta de amor e carinho”. Ela própria encontrou um parceiro que foi enviado ao front, um soldado que foi ao salão cortar o cabelo.
Para agradar seus maridos, algumas mulheres chegam trazendo comida. Antes da última viagem que fez para ver o esposo, um soldado baseado nos arredores da cidade de Vovchansk, a nordeste de Kharkiv, Yevheniya Dukhopelnykova, 47, passou um dia inteiro cozinhando. Ela preparou pelo menos seis pratos diferentes, incluindo patê de cogumelos, porco e pato assados e um molho de pimenta que agora é adorado por toda a unidade de seu marido. Ela também preparou carne seca e croissants. No dia seguinte, Yevheniya fez uma viagem de oito horas de carro para ver o marido, o sargento Mykhailo Chernyk, 44.
Hanna Zaporozhchenko, 40, viajou até o front para levar ao marido, sargento Stanislav Zaporozhchenko, um presente surpresa para seu aniversário de 38 anos. Ele correu para encontrá-la na estação de trem com um buquê de flores. A família tem dois filhos, de 11 e 5 anos, e ela afirmou que eles sentem falta do pai — mas que ela não se arriscaria a levá-los junto na viagem. Ao comentar sobre seus encontros, ela reconhece que ele tem “uma vida totalmente diferente agora”, embora também tenha ressaltado que, quando os dois conversam, “muitas vezes ele adormece porque começa a se sentir relaxado”.
— Eu vim porque o amo. Sou sua esposa e seu apoio para a saúde mental.
As mulheres também dizem que estão dispostas a fazer essas viagens arriscadas porque sabem que, se não fizerem isso, podem nunca mais ver seus maridos. É esse o entendimento da psicóloga Alina Otzemko, que contou ter visitado o marido, Vasyl Otzemko, nove vezes em um ano e meio. Ela sempre levava seu filho junto. Em junho, Otzemko foi morto em combate. Mas, por causa das viagens, o filho de 4 anos do casal pelo menos se lembra do pai, disse ela.
— Agora entendo que fiz tudo certo. Foi bom não ter ouvido ninguém que tentou me dissuadir. Foi a única maneira de preservar a memória que meu filho tem do pai — declarou.
Antes de seu marido ser morto, ela publicou um livro infantil para ajudar a explicar “Por que o papai não está em casa”. A psicóloga agora escreveu um novo livro que, segundo ela, a ajudou a lidar com sua perda: “Por que o papai morreu”.