Em uma correspondência de Benjamin Franklin pode se extrair uma famosa frase a respeito do poder conferido ao Estado de cobrar tributos de seus cidadãos. Franklin, de forma direta, afirmou em 1789 – em uma tradução livre – que “na vida, só existem duas coisas certas: os impostos e a morte”. Esta pode ser uma forma direta e divertida, ou irônica, de começar a pensar no fenômeno da tributação, ou seja, são duas coisas inafastáveis na vida de qualquer cidadão: a morte e o pagamento de tributos.
No Brasil, a Constituição Federal, no parágrafo primeiro do art. 145 orienta que “sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados de acordo com a capacidade econômica do contribuinte”. A ideia da previsão constitucional é permitir que aqueles que manifestam mais riqueza, sejam onerados e contribuam de maneira proporcional aos seus ganhos, da mesma forma aqueles que manifestam menos – ou nenhuma.
Contudo, essa não é a realidade em nosso país. Apesar do imposto sobre a renda, que é dividido em faixas com alíquotas crescentes, ser um dos maiores arrecadadores no âmbito federal, é inegável que a tributação que hoje sustenta os cofres públicos é aquela que incide sobre o consumo (ICMS, IPI, IOF, ISS etc).
O grande problema dessa prática é que ela subverte completamente a ideia da capacidade contributiva e da pessoalidade dos impostos. E a maior consequência dela é a alta regressividade da tributação, que acontece sempre que, ao invés de atingir quem mais demonstra riqueza, o tributo acerta justamente os que deveriam ser poupados ou onerados em menor grau.

Emmily Araújo
Advogada
Isso porque, quando a tributação incide sobre o produto e não sobre a pessoa, temos pessoas em condições totalmente diferentes (desiguais), sendo oneradas da mesma forma, pois o valor pago pela mercadoria é o mesmo, independentemente de quem a está adquirindo.
Outro efeito nocivo da tributação sobre o consumo é que os tributos que incidem nesses casos são normalmente indiretos, ficam embutidos nos preços das mercadorias e dos serviços, o que dificulta, sobremaneira, a ciência do contribuinte acerca dos valores que efetivamente está pagando. Essa característica ganha maior destaque se considerada a opção que se faz no Brasil, onde o consumo é responsável por cerca de 70% de tudo o que se arrecada em termos de receitas derivadas.
Dados de 2004 revelam que, enquanto a carga tributária sobre a renda das famílias que recebiam até dois salários mínimos como renda familiar implicava ônus tributário de 48,8%, quando a renda mensal familiar era superior a trinta salários mínimos, o ônus tributário total reduzia-se para 26,3%. Os anos passaram, os dados não mudaram.
A desigualdade não para por aí
Outro aspecto ainda pouco estudado e exposto é que, além da injustiça já conhecida, a situação piora no recorte de gêneros. É a chamada “pink tax” (taxa rosa ou custo rosa): a prática de cobrar mais caro por artigos femininos. Já observou que a lâmina de barbear cor-de-rosa custa três vezes mais em relação a outra, igualzinha, mas azul? E o remédio para cólica – que é o mesmo para qualquer pessoa, pois tem o mesmo princípio ativo – que é muito mais caro se vendido na embalagem rosa. É disso que estamos falando.
Além disso, nos itens efetivamente consumidos somente por mulheres, a tributação costuma ser ainda mais alta, por serem considerados itens supérfluos. De acordo com a ONU Mulheres, 12% da população feminina mundial não consegue acesso a absorventes na quantidade necessária, porque não tem condições para comprar. Pesquisa realizada pela Escola Superior de Propaganda e Marketing revelou que os produtos rosas ou com personagens femininos custam, em média, 12,3% a mais que os outros no Brasil e que as roupas de bebê femininas são 20% mais caras do que as masculinas.
Isso sem levar em consideração os já consolidados estudos que demonstram que as mulheres recebem salários menores quando comparadas a homens que desempenham as mesmas funções, além de serem menos prováveis de ocuparem cargos de prestígio ou de hierarquia superior. Ou seja, são menos remuneradas e, mesmo assim, mais oneradas tributariamente.
No Congresso Nacional, há projetos de lei em tramitação, que buscam combater essa prática. Um deles é o PL de autoria da deputada Paula Bonavides, que a inclui no rol de “práticas abusivas” do Código de Defesa do Consumidor (CDC), com a aplicação de multas e outras sanções para quem fizer uso do “pink tax”.
A matriz tributária brasileira, além de estar baseada numa carga muito alta, é injusta, pois não observa os princípios da isonomia e da capacidade contributiva, caracterizando-se por sua regressividade e iniquidade. E tudo isso é piorado quando mulheres, além de serem menos remuneradas, pagam mais que os homens por um produto semelhante, o que fere frontalmente o princípio da isonomia tributária e mesmo o princípio da igualdade geral, previsto no Artigo 5º da Constituição Federal.
No dia 25 de maio se comemora o Dia Nacional de Respeito ao Contribuinte. Criado pela Lei 12.325, de 15 de setembro de 2010, a data cívica tem como objetivo mobilizar a sociedade e os poderes públicos para a conscientização e a reflexão sobre a importância do respeito ao contribuinte.
Que neste ano, você, leitora, reflita e promova discussões na sua comunidade de forma ainda mais profunda, avançando sobre as desigualdades da nossa matriz tributária, para combater, inclusive e, em especial, aquelas relacionadas ao gênero. Não pode continuar sendo mais caro para elas. Para nós. Mulheres não podem pagar mais caro simplesmente por serem o que são.