Ao acessar os canais de notícias hoje, fomos bombardeadas com uma série de recortes violentos da audiência que aconteceu nesta terça-feira (27) na Comissão de Infraestrutura do Senado, onde a Ministra Marina Silva foi convidada para falar sobre a criação de áreas de conservação na região Norte. Além de consecutivas interrupções, falas misóginas foram direcionadas a ela.
O Senador Plínio Valério (PSDB-AM), alegou não ver uma mulher quando falava com Marina Silva, disse ele: “ao olhar para a senhora, eu estou vendo uma ministra. Não estou falando com uma mulher.”. A intelectual brasileira, filósofa e antropóloga, Lélia Gonzalez em seu texto célebre “Racismo e sexismo na cultura brasileira” (1984) aborda o processo de desumanização que mulheres negras são submetidas em nossa sociedade. O racismo é um fenômeno estrutural presente desde a colonização europeia em nosso país, é enraizado e age como um pano de fundo que sustenta ações, falas e comportamentos. Parece extremamente incomodo para a hegemonia de homens cisgêneros e brancos que Marina Silva possa falar, afinal, como alguém que não é vista como pessoa e como mulher, pode ocupar aquele espaço na audiência?
Ao mesmo tempo, curiosamente, vimos há poucos dias (13/5) a digital influencer Vírgina Fonseca, que faz uso de suas redes para propagar jogos de azar, ser tratada com gentileza em audiência no senado. A psicóloga e pesquisadora Jeane Tavares (@saudementalpopnegra), refletiu sobre a diferença no tratamento dado a Ministra Marina Silva e a influencer Vírgina, segundo Tavares: “a misoginia é explícita em todas as circunstâncias, mas a raça define quem será infantilizada e quem receberá ataques violentos”.
Dentre as falas violenta contra a Ministra Marina, destaco a do Senador Marcos Rogério (PL-RO), que além de impedir diversas vezes que Marina falasse, disse para ela “se pôr em seu lugar”. Pergunto: qual o lugar de Marina Silva numa sociedade misógina e racista como a nossa? Lélia Gonzalez, descreve que o imaginário social racista e sexista brasileiro só consegue imaginar mulheres negras em lugares de prestação de serviços subalternizados.
Acho importante dizer qual o lugar da Ministra Marina Silva, não só em nosso país, mas no cenário mundial:
Maria Osmarina da Silva ou Marina Silva, é acreana, nascida em 1958. Historiadora, professora, psicopedagoga ambientalista e política, atual Ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima do Brasil. Foi senadora pelo Acre entre 1995 e 2011, candidata à presidência da República nos anos de 2010, 2014 e 2018. Reconhecida internacionalmente por sua atuação em defesa do meio ambiente, premiada pela Organização das Nações Unidas com o Champions of the Heart pela luta para proteger a floresta Amazônica. Premiada também com o The Duke of Edinburgh’s Award pela criação do Programa de Áreas Protegidas da Amazônia Regional. Eleita uma das 100 personalidades mais influentes do Brasil pela Revista Época em 2013, chamada pelo jornal The New York Times de “ícone do movimento ambientalista”.
Premiada, aplaudida, reconhecida mundialmente, como nenhum dos senadores que ali estavam sequer se aproximaram ou irão se aproximar em suas trajetórias. Marina disse em resposta ao senador Marcos Rogério (PL-RO) que não é “mulher submissa” e foi justamente a insubmissão que a permitiu sair de um destino de miséria e analfabetismo, foi a insubmissão que a fez aprender a ler, escrever, discursar. Ela é dessas gentes que como canta Milton Nascimento na música “Maria, Maria”: mistura dor e alegria, e possui a estranha mania de ter fé na vida.
O lugar da Ministra Marina Silva é definido por ela, nas trincheiras que precisou abrir para poder viver e não apenas sobreviver. A política do ódio às mulheres negras, nos demonstra a sintomática de um país que se estrutura de forma desigual e que tenta fazer calar a todo custo grupos minorizados. Como a Ministra Marina Silva fez questão de frisar: “O que não pode é alguém achar que, porque você é mulher, porque você é preta, porque você vem de uma trajetória de vida humilde, que você vai dizer quem eu sou e que eu devo ficar no meu lugar. O meu lugar é onde todas as mulheres devem estar.”
É urgente que enquanto sociedade, exijamos: Marina Silva merece respeito!
Kahuana Leite é psicóloga e pesquisadora. Graduada em Psicologia pela Universidade Federal do Acre. Mestre e Doutoranda em Psicologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) na linha de Pesquisa “Processos Psicossociais, Históricos e Coletivos”. (@kahuana.leite).