O Tratado de Petrópolis, o acordo diplomático entre o governo brasileiro e boliviano, firmado na cidade de Petrópolis, no Rio de Janeiro, em 17 novembro de 1903 = pouco mais de quatro anos depois da proclamação da República, com o banimento da família imperial – não é uma unanimidade entre os historiadores.
Nesses 113 anos de validade do documento, uma parte de historiadores o defende como o tratado fundamental que pôs fim a tratado anterior, datado de 1750, que dava a Bolívia como dona da área e pôs fim às dúvidas quanto à legitimidade – uma extensão territorial correspondentes a duas Áustrias e maior que o território de Portugal –, mas há também historiadores que o questionam como um acordo que, além de não ter sido cumprido em sua integralidade, atrapalhou a expansão territorial do Acre.
Áreas da Bolívia, como a região de Pando, de muitos igarapés, lagos e rios muitos piscosos e muitos procurados por brasileiros, não fosse o Tratado, teriam sido incorporados ao Acre. Pelo menos é o que pretendia o libertador do Acre, José Plácido de Castro, que esteve no coração da região de Pando e a reivindicava como parte do Acre.
O documento que também pôs fim às escaramuças entre brasileiros e bolivianos, que haviam pego em armas até janeiro daquele ano, com baixas consideráveis de ambos os lados, e que também evitou embates com peruanos que tentavam se apossar do território pela região do Alto Juruá, é composto de 10 artigos. Pelo que ali vai escrito, o documento é, na verdade, uma permuta de alguns territórios entre os países – ou seja, para o Brasil ficou declarado que o Acre inferior (142.000 km²) e o Acre superior (48.000 km²) seria anexado ao território brasileiro, enquanto a Bolívia ficaria com parte da região do estado do Mato Grosso, numa área correspondente a 3.164 km. Além disso, pelo acordo, o Brasil comprometia-se a construir uma ferrovia que permitiria acesso da Bolívia à calha do rio Madeira, a estrada de ferro Madeira-Mamoré.
O último trecho da ferrovia foi entregue em 30 de abril de 1912, mas nunca foi de fato utilizada pelos bolivianos e é considerada como a “Ferrovia da Morte”, em virtude do grande desafio desde o seu início de sua construção, conforme mostra o escritor amazonense Márcio Souza, no romance “Mad Maria”, que trata da etapa final da obra.
Estima-se que inúmeras vidas foram perdidas na obra. Aliás. poucos foram os trabalhadores que sobreviveram à insalubridade, fome, doenças como malária e disenteria, falta de medicamentos, aliadas as condições de trabalho precárias que eram minimizadas e naturalizadas pelos empresários como um preço a ser pago em benefício do progresso. A construção da estrada fazia parte do tratado de Petrópolis selado com a Bolívia após compra de território boliviano pelo Brasil que corresponde ao Acre, em que teve que se comprometer a construir a ferrovia Madeira Mamoré num prazo de quatro anos.
A ideia desse empreendimento havia surgido no ano de 1861 por conta da necessidade de aumentar produção da colheita do látex devido ao alto preço da borracha no mercado mundial e a ocupação do Vale do Guaporé pelos portugueses. O empreendimento Madeira-Mamoré Railway Company foi assinado pelos irmãos americanos Philips e Thomas Collins em 1877. No ano seguinte partiram da Filadélfia com engenheiros, demais trabalhadores e toneladas de máquinas, ferramentas e carvão mineral. No entanto, em janeiro de 1879 foi decretado à falência da empresa Collins.
O engenheiro norte-americano Percival Farquhar (1864-1953), considerado um dos maiores empresários da história do país, foi um dos responsáveis por tocar o empreendimento durante os anos de 1907 a 1912, mantendo o nome usado pelos irmãos Collins. A meta era atravessar os estados do Amazonas e Rondônia passando pela fronteira do Mato Grosso. O trem seguiria um trajeto de cerca de 350 quilômetros passando por perigosas corredeiras e cachoeiras da maior floresta tropical úmida do mundo.
A falência dos seringais foi também a causa do início dos prejuízos da estrada de Ferro Madeira Mamoré Logo, as atividades de Farquhar na Amazônia entraram em falência. Como retrato de uma acordo diplomático que não foi cumprido em sua totalidade na prática, atualmente a Ferrovia está abandonada na floresta, tomada pelo mato.
O não-cumprimento de parte do acordo em relação à Ferrovia é também motivo de mágoa entre os bolivianos. Em 2011, o então presidente boliviano Evo Morales, em discurso na comunidade europeia, assustou ao mudo ao declarar que o Acre, na verdade, fora trocado com uma autoridade corrupta de seu país, por um cavalo. Assim como não citou o nome da autoridade corrupta, Morales também não declinou se o cavalo era ao menos de raça.
Articulado por autoridades como José Maria da Silva Paranhos, o “Barão do Rio Branco”, então ministro das Relações Exteriores, e Joaquim Francisco de Assis Brasil, ex-governador do Rio Grande do Sul, pelo lado brasileiro, e pelo lado boliviano o então presidente da República Fernando E. Guachalla e o senador Claudio Pinilla, o documento é questionado por historiadores nacionalistas que reclamam a perda de considerável parte de território. É que, na definição das fronteiras por imposição do Tratado, o Acre perdeu território como, por exemplo, a região do Chaco boliviano, que caracteriza-se por muitos ecossistemas e climas distintos, que variam dos pampas a florestas e semiárido.
Ali estão rios ainda selvagens e muito piscosos, como Tauamano, por onde o comandante da revolução acreana, coronel José Plácido de Castro, teria navegado e por isso teria ficado magoado com a intervenção do Barão do Rio Branco na definição das fronteiras, que deixou o Acre de fora da região onde hoje se localiza o Departamento de Pando, com a Capital Cobija, e seus rios piscosos muito procurados por pescadores brasileiros, os quais, a cada vez que são questionados por autoridade bolivianas, demonizam a alma do velho diplomata pela interferência que afastou o Acre dos rios e igarapés de muitos peixes.
Plácido de Castro entendia que, coma rendição dos bolivianos, o território onde hoje está o departamento de Pando também poderia ser brasileiro incorporado ao Acre.