Repórter fotográfico lança livro de etnias indígenas em que povos isolados do Acre são referência

Figura fácil e sempre presente no olho do furacão dos grandes acontecimentos nacionais (para citar só alguns exemplos: escândalo da reeleição, em 1997; Caso Hildebrando Pascoal, em 1999; morte do senador Kairala José Kailara no Senado, em dezembro de 1962, Caso Chico Mendes, em 1988, e Caso Edmumdo Pinto, em 1992), o Acre volta à cena no país – mas, desta vez, felizmente, por algo positivo. O Estado será referência e ponto de partida do livro “Povos Originários — Guerreiros do tempo”, de autoria do repórter-fotográfico Ricardo Stuckert, que será lançado em evento virtual ainda sem data e que traz uma série de fotografias realizadas, principalmente, em 2017, informa reportagem do jornal Correio Braziliense. O livro traz textos e fotografias sobre pelo menos dez povos indígenas de etnias diferentes, inclusives os chamados isolados do Acre.

Profissional que herdou a atividade do pai, também Ricardo Stuckert, ex-fotógrafo da presidência da República como o filho também fora na chamada Era Lula, “Rico”, para a família, e “Stukinha”, para os colegas, é casado com uma acreana, a bela Cristina, filha da ex-deputada Regina Lino. Afora esta relação sentimental com a terra em que nasceu sua esposa, o fotógrafo viveu, segundo suas definições, uma das grandes emoções de sua vida no Acre, ao fotografar, de dentro de um helicóptero, um grupo de índios que jamais teve qualquer contato coma chamada civilização e que por certo não conhecem o sal ou o fogo e que devem continuar vivendo de forma isolada.

Sobre o assunto, conta o Correio Braziliense: “Ricardo Stuckert sobrevoava a mata amazônica fechada em uma região do Acre quando avistou um grupo de índios. Chovia muito e o helicóptero no qual embarcara com o indigenista José Meireles tentava retornar à cidade após abortar uma viagem de entrega de mantimentos a uma comunidade de acesso restrito. Stuckert, por sorte, carregava duas lentes potentes, uma de 400mm e outra de 500mm. O sobrevoo foi rápido, mas ele teve tempo de focar o chão e ser surpreendido por um grupo de índios isolados que, segundo Meireles, nunca haviam feito contato”.

“Fiquei emocionado”, lembra o fotógrafo, mais conhecido pelo registro da cena política brasiliense e uma espécie de sombra do ex-presidente Lula, como seu fotógrafo pessoal. Aliás, conta colegas do profissional, o ex-presidente só se refere a ele como “meu filho”. Mesmo com a agenda lotada opor viver ao lado de Lula, o profissional conseguiu tempo para a obra que vai publicar. A foto feita no Acre é, portanto, uma das belas do livro

A publicação traz registros de 10 etnias cujos territórios foram visitados pelo fotógrafo. Para cada uma delas, há um texto de um antropólogo escolhido pelas próprias lideranças indígenas para falar sobre a história de cada povo. “Não é um livro só de fotografias”, avisa Stuckert. “É um livro em que as pessoas vão entender que é a história deles. Isso engrandeceu muito o projeto”, diz o Correio Braziliense – Ricardo Stuckert é avesso á entrevistas.

Na sua rara entrevista ao Correio Braziliense, Ricardo Stuckert revela que outro momento emocionante do livro, além daquela imagem capturada no Acre, foi o reencontro com Penha Góes, uma índia fotografada no Xingu no final dos anos 1990 durante a produção de uma matéria para a revista Veja. Stuckert decidiu reencontrá-la 17 anos depois para realizar outro registro. Levou um ano para localizar Penha, hoje formada em enfermagem e de volta à aldeia para ajudar nos cuidados com a comunidade.

Segundo o jornal, “o processo de realização do livro, com as visitas às aldeias, reforçou no fotógrafo uma percepção antiga: o tempo na floresta não é o tempo da cidade e, muitas vezes, essa diferença na maneira de encarar as urgências interfere no trabalho. Stuckert tinha desistido de fotografar o cacique Raoni porque percebeu que ele não queria, que não estava à vontade. No último dia, o líder indígena o convidou para um banho de rio. Ele deixou o equipamento de lado e se preparou. Mas Raoni quis saber se ele não levaria a máquina. “Pensei: ‘agora é a hora de fotografar, agora ele deixou’. E aprendi que o tempo não é nosso. É deles”, conta.

O tempo é essencial num projeto como esse, mas também é um ativo caro. “Não é fácil fazer um projeto desse no Brasil, não tive nenhum patrocínio, vendi carro, máquina”, explica o fotógrafo. “Sinto muito não poder ter ficado mais tempo nas aldeias. Ia numa quinta ou sexta para voltar na segunda. Nem dormia porque era pouco tempo. E ao longo desse trabalho fui me redescobrindo, entendendo que eu era outra pessoa.” A urgência das políticas de proteção às populações indígenas também acabou reforçada pela experiência.

De acordo com o Correio Braziliense, Stuckert lembra que os índios são os responsáveis por manter uma parte das florestas brasileiras sãs. “A gente sai da realidade da cidade, chega no estado, anda mais cinco horas de barco e entra em outra realidade, com guardiões da floresta que estão preservando tudo aquilo que estamos destruindo. Todo mundo quer as terras deles porque elas são boas, eles preservaram. E eles sabem que aquilo é importante para a sobrevivência deles. Essa coisa da demarcação no Brasil é muito séria”, diz.

Fazer um ensaio sem o compromisso de uma pauta pré-determinada para um veículo ajudou a construir uma linguagem particular. Munido de lentes de última geração, ele pôde explorar um leque enorme de possibilidades. Em uma das imagens, uma índia aparece submersa enquanto, no mesmo plano, está a paisagem ao redor do rio. “É uma lente especial, que possibilita tudo no mesmo plano”, explica. “Como é um projeto autoral, fotografo com drone, com máquina subaquática, com lentes 800mm, 600mm. Porque quando a gente faz um trabalho muito autoral, tem a condição de colocar ali toda nossa técnica, nossa linguagem fotográfica.”

Stuckert decidiu não receber nenhuma remuneração financeira com a venda da publicação. Os direitos autorais serão convertidos em livros a serem doados para escolas indígenas e escolas públicas. No total, serão distribuídos 200 livros. A responsabilidade de focar um microcosmo da população indígena brasileira também é algo que pesou quando Stuckert decidiu investir no trabalho. “Acho importante sair da esfera política de Brasília e ver o que tem em torno. O Brasil tem mais de 10 milhões de habitantes e só 98 mil indígenas, é de parar e pensar o que foi feito ao longo dos anos”, repara. “Já fui a mais de 100 países, a gente acha que conhece o mundo e, quando vai a uma aldeia dessas, vê que não conheceu nada. As pessoas falam que os indígenas são minoria, que negros são minorias. Não. A gente vive num país em que mais da metade da população é negra. Os portugueses, quando chegaram aqui, tinham apenas indígenas.”

Preservar essas populações e as terras habitadas por elas é hoje uma questão de sobrevivência para o fotógrafo. “A pandemia está totalmente interligada com a natureza, o mundo está gritando, chorando. E quem está lá na ponta são os guardiões da floresta, os indígenas. É um Brasil que pouca gente conhece”, lamenta.

Rehina Lino, ex-deputada federal e hoje advogada em Brasília, a sogra do profissional não informou se Ricardo, que está em viagem pelo México e América Central, lançará o livro no Acre. A torcida é para que isso ocorra, já que a obra é iniciada com a imagem dos índios isolados do Acre, além das ligações de Cristina Lino com a terra natal.

Serviço

Título do livro: Povos Originários — Guerreiros do tempo
Autor: Ricardo Stuckert.
Editora: Tordesilhas, 280 páginas.
Valor: R$ 299,00

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