Uma equipe de arqueólogos peruanos conduzida por um pesquisador da Suíça redescobriu um importante achado histórico em Túcume, no norte do Peru: um mural ilustrado com mais de mil anos, que tinha sido visto pela última vez há mais de um século.
Com cerca de 10 metros ainda preservados e cheios de pinturas, a parede conhecida como Huaca Pintada foi revelada originalmente em 1916. Na época, o grupo de caçadores de relíquias que a encontrou quis vender a obra arquitetônica.
Barrados pelos moradores da região, eles viram a possibilidade de lucrar com o mural ser frustrada e acabaram destruindo boa parte dos 18 metros de parede então remanescentes —segundo os arqueólogos, a construção tinha até 30 metros quando foi erguida, em meados de 900 d.C.
O etnógrafo alemão Hans Heinrich Brüning conseguiu fotografar a parede ainda intacta à época, e depois que os caçadores de relíquias deixaram a região, Huaca Pintada foi praticamente esquecida por mais de cem anos —a obra era vista apenas nas imagens de Brüning.
“As coordenadas da localização do mural eram desconhecidas. Sabíamos que estava na região, mas o lugar estava completamente abandonado”, diz à Folha o arqueólogo suíço Sâm Ghavami, cujo trabalho de doutorado junto à Universidade de Friburgo culminou na redescoberta de Huaca Pintada.
Ele relata que o sítio arqueológico fica no que hoje é uma propriedade privada e que “os proprietários não queriam ninguém escavando a terra”. Depois de visitar a região pela primeira vez em 2014 —ele atua no país sul-americano há mais de uma década—, o especialista levou dois anos para conseguir acesso ao local e enfim iniciar a pesquisa, em 2018, com apoio da Fundação Nacional de Ciência da Suíça.
Desde a obtenção da autorização, foram efetivamente dois anos na busca por Huaca Pintada. “Foi sempre um grande mistério, porque ninguém tinha realmente explorado o terreno”, conta.
A propriedade é cortada ao meio por uma rodovia e, quando as escavações começaram, em 2019, a equipe teve o azar de escolher o lado errado do lote —nada relacionado ao mural foi achado nessa primeira fase. “Foi só no ano passado [2021] que encontramos fragmentos pintados da parede.”
De acordo com o suíço, o ponto de escavação era um pequeno monte em forma de pirâmide, totalmente coberto pela mata. A primeira tarefa, então, foi remover a vegetação.
Pouco a pouco com as escavações, evidências e pistas vieram à tona, indicando que os arqueólogos pisavam sobre as coordenadas corretas. Eles esperavam, porém, encontrar apenas fragmentos da Huaca Pintada. “Não pensamos que haveria 10 metros de parede”, diz Ghavami.
Na superfície do mural, segundo o suíço, está representada uma “cena profunda da mitologia regional”: uma deidade, rodeada por cerca de 20 guerreiros que marcham na direção dela; acima, um rio e alguns peixes. “Parece que ela está, de alguma forma, controlando forças da natureza”, explica.
A iconografia representada no mural remete a um período de transição entre duas etnias. De acordo com o arqueólogo, o mural foi construído entre o declínio da tradição moche (também chamada de mochica), que perdurou entre 100 e 850 d.C., e o efervescer da cultura lambayeque, estabelecida de 900 a 1350.
A partir da descoberta, Ghavami pretende elucidar a fase de transição dessas etnias peruanas e explicar quais foram os mecanismos que as levaram a se reestruturar após um período de crise e convulsão social.