Nobel premia 4 mulheres em um ano pela terceira vez na história

Láurea completa seis anos seguidos com premiações femininas, maior sequência observada

Montagem de fotos de quatro mulheres; a primeira, de cabelos brancos e óculos, sorri com a boca aberta; a segunda, loira, fala em frente a um microfone; a terceira, com cabelos escuros, fita seriamente o local de onde parte a fotografia; a última, com cabelos brancos e óculos, olha para o lado

Da esquerda para a direita, Claudia Goldin (Nobel de Economia), Katalin Karikó (Nobel de Medicina), Narges Mohammadi (Nobel da Paz) e Anne L’Huillier (Nobel de Física) – Carlin Stiehl/Getty Images/AFP; Mandel Ngan/AFP; Reuters; Andreas Hillergren/TT News Agency/AFP

Pela terceira vez desde 1901, quatro mulheres ganharam um prêmio Nobel no mesmo ano. As outras duas ocorrências são consideravelmente recentes: 2018 e 2020. Mas, até hoje, 2009 mantém a liderança de ano com maior presença feminina na premiação, com cinco laureadas.

A premiação passa, também, pela maior sequência consecutiva de anos com premiadas. Mulheres vêm recebendo ao menos uma láurea ao ano desde 2018, ou seja, 2023 foi o sexto ano seguido com premiação.

Anteriormente, a maior sequência era de somente três anos seguidos com láureas para mulheres, fato que se repetiu cinco vezes na história do Nobel.

Já de cara, o Nobel de Medicina deste ano ficou com a cientista Katalin Karikó, que dividiu o prêmio com o pesquisador Drew Weissman. No dia seguinte, a láurea de Física foi para Anne L’Huillier, que dividiu o prêmio com dois homens, Ferenc Krausz e Pierre Agostini. Poucos dias depois foi a vez de o Nobel da Paz ir para a ativista iraniana Narges Mohammadi.

Por último, o Nobel de Economia ficou com Claudia Goldin.

Historicamente, há um abismo no Nobel quanto à premiação de mulheres e de homens.

Foram laureadas 64 mulheres —Marie Curie o recebeu duas vezes— e 901 homens (alguns deles também premiados duas vezes).

Só em 1976, pela primeira vez, mais de uma mulher foi premiada no mesmo ano com um Nobel. Naquele ano, Betty Williams e Mairead Corrigan dividiram o Nobel da Paz por seus esforços na busca pela paz na Irlanda do Norte.

Já em 2009, ano recorde de premiações, duas mulheres dividiram, com um homem, a láurea de Medicina, uma recebeu a de Química e outra a de Literatura. Foi também em 2009 que a primeira mulher levou o Nobel de Economia —a americana Elinor Ostrom.

“Essa preocupação [sobre a quantidade de mulheres premiadas] estava dentro da fundação [do Nobel]”, diz Helena Nader, presidente da ABC (Academia Brasileira de Ciências). “É uma realidade, mas não é por acaso. Tudo isso é fruto da sociedade. A sociedade percebeu que não pode continuar assim.”

A própria Nader acaba sendo um exemplo do que está falando. Ela é a primeira mulher presidente da ABC, uma instituição científica brasileira com mais de cem anos de existência.

“Eu fico feliz que estão entrando mais mulheres. Mas eu fico muito triste de ver que continua ainda muito eurocêntrico”, diz Nader, referindo-se ao Nobel. “Vejo com preocupação a falta de olhar para o sul. O sul é negligenciado.”

A presença mais ampla de mulheres no ensino superior evoluiu durante o século 20.

Nos EUA, líder no número de laureados com o Nobel, por exemplo, hoje já é mais provável você encontrar jovens mulheres no ensino superior do que homens, segundo o Pew Research Center.

O instituto também também aponta as mulheres respondem por mais da metade da força de trabalho dos EUA que tem superior completo ou fez pós-graduação.

Dados do National Center for Education Statistics apontam que as diplomações de graduação de mais mulheres do que homens já têm início na década de 1980 nos EUA —o mesmo ocorreu com mestrados. Já para doutorados, a mudança só foi vista a partir da primeira década dos anos 2000.

No Brasil, pelo menos desde 2004, as mulheres já são 50% ou mais da composição tanto no número de mestrandos quanto de doutorandos no país, segundo dados do projeto “Diversidade na Ciência Brasileira”, realizado pelo Gemaa (Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa), da UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro) e apoiado pelo Instituto Serrapilheira.

As proporções são relativamente estáveis durante estas quase duas décadas, com um pequeno crescimento percentual na última década, em relação aos anos próximos a 2004.

Segundo Marcia Rangel Candido, pesquisadora do Gemaa, a partir da década de 1970 é possível observar no Brasil um incremento substantivo da presença de mulheres nas universidades. Atualmente, elas já são maioria na pós-graduação.

Curiosamente, porém, no caso das mulheres há uma redução conforme se avança academicamente para postos mais altos, algo classificado como “efeito tesoura”.

Há uma queda do percentual de mulheres no doutorado em relação às no mestrado. E uma diferença percentual considerável em relação às que se encontram na docência, com valores próximos aos 40% desde o início da década de 2010 —com números pouco menores anteriormente a isso, novamente, segundo os dados analisados pelo Gemaa.

O efeito tesoura não é uma exclusividade brasileira —e nem mesmo do campo científico, com presença em outras áreas profissionais também—, segundo Candido. E, apesar de nosso país e outros da América Latina terem algum destaque comparativo em relação à participação de mulheres na ciência, a situação do Brasil ainda é ruim, diz a especialista.

Uma iniciativa internacional chamada GenderInSITE (Gender in Science, Innovation, Technology and Engineering) aponta que, entre 127 países com dados disponíveis sobre participação de mulheres na ciência, 39 têm percentuais de pesquisadores que excedem 45%, o que pode significar tanto um pouco acima ou abaixo da paridade de gênero.

As explicações possíveis para a “tesoura” são inúmeras, dependendo da área da qual se fala. Preconceito, assédio, falta de sensibilidade na divisão de trabalho podem estar entre elas.

“Se uma mulher engravida, geralmente ela encontra mais cuidado e abertura em áreas que têm mais mulheres convivendo”, afirma Candido.

A especialista aponta como mudanças estruturais demandam tempo e que há, ainda, movimentos sociais que empurram as discussões para frente. Ela cita a Rede Brasileira de Mulheres Cientistas e a Parent in Science.

“Eu acho que a tendência é melhorar”, diz Candido.

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