Território Indígena do Alto Turiaçú, Brasil – Nas profundezas da floresta amazônica, um esquadrão de nerds está à solta.
Um de seus membros passou mais de uma década como ativista ambiental em uma ONG de abraçadores de árvores. Outro estudava oceanografia do Ártico na Alemanha. O comandante era professor de ciências do ensino médio.
Contudo, juntos formam uma das mais temidas unidades de combate da América Latina, nas fronteiras da luta contra o desmatamento da Floresta Amazônica no Brasil.
O comandante da equipe, Roberto Cabral, riu quando perguntei como ele juntou esse Esquadrão de Elite de nerds.
“No universo das atividades ilegais da Amazônia existe desmatamento, mineração de ouro, caça, madeireiras e tráfico de animais”, afirmou Cabral, de 48 anos, que tomou um tiro no ombro em 2015, enquanto perseguia atiradores que estavam abrindo clareiras na floresta. “Queremos combater esse comércio usando a cabeça e nossa presença aqui.”
Eu participei de uma patrulha incrivelmente cansativa em março com a equipe de nove pessoas, conhecida por um nome nada interessante: Grupo Especializado de Fiscalização.
O esquadrão, mais conhecido como GEF, opera em algumas das regiões mais sem lei da bacia do Rio Amazonas – locais tão remotos que demora dias para chegar até lá de barco ou caminhão.
Em vista de tantos obstáculos logístico, o GEF, que é parte do Ibama, a agência de proteção ambiental do Brasil, geralmente faz as patrulhas de helicóptero, usando imagens de satélite e informações de inteligência recolhidos pelos escritórios regionais da agência, para detectar o desmatamento e sinais de mineração ilegal.
A unidade, criada pelo Ibama em 2014, precisa de muita ajuda. O desmatamento está aumentando novamente na Amazônia brasileira, com um crescimento de 29 por cento entre agosto de 2015 e julho de 2016. Cerca de 800 mil hectares de floresta foram destruídos durante esse período, de acordo com estimativas do Instituto Nacional de Pesquisa Espacial no Brasil.
Entretanto, mesmo que o GEF dependa de tecnologias de ponta, as missões do grupo muitas vezes se parecem mais com um briga frustrante de gato e rato.
No primeiro dia em que acompanhei uma operação no estado do Maranhão, nos limites da Amazônia, os integrantes do grupo se levantaram às 3 da manhã.
Vestidos com roupa de combate, colete e capacete à prova de balas, com seus rifles de assalto Taurus cruzados sobre o ombro, atravessando por horas em caminhonetes quatro por quatro nas estradas esburacadas de São Luís, a capital do estado, a Santa Inês, no interior.
Lá eles esperaram o clima melhorar.
A chuva pesada impedia os dois helicópteros Bell da unidade de levantar voo para patrulhar o Maranhão e o Pará. Depois de horas de espera, a aeronave finalmente levantou voo por volta do meio dia, cruzando longas áreas desmatadas para a criação de gado.
“É preciso ver a Amazônia do alto para ter ideia do tamanho da devastação”, afirmou Maurício Brichta, de 44 anos, oceanógrafo especializado no estudo das algas do Ártico pelo Instituto Alfred Wegener de Pesquisa Polar e Marinha, da Alemanha, onde trabalhou até se juntar ao Ibama.
“Como você pode imaginar”, acrescentou com um sorriso, “não havia muita demanda no Brasil para especialistas em Ártico”.
Assim como quase todos os membros da unidade – que inclui engenheiros florestais, um biólogo, um especialista em pesca e até mesmo uma pessoa que costumava trabalhar com publicidade – Brichta conta que nunca imaginou que iria pegar em armas para proteger a Amazônia.
Antes dessa fase em sua vida, ele cuidava dos filhos em Jacarta e Nova York, cidades onde sua ex-mulher trabalhava como diplomata do Ministério das Relações Exteriores.
Depois de voltar ao Brasil, Brichta afirmou que foi atraído pelo idealismo do Ibama e por seu sucesso em controlar o desmatamento, que atingiu níveis alarmantes no início da década passada.
Quando o GEF foi criado, ele foi aprovado depois de resistir a um trajeto de sobrevivência na floresta, durante o qual tiveram de saltar de helicópteros, enfrentar trilhas na mata fechada, encontrar comida, tratar picadas de cobra, passar longos períodos sem comer nem dormir, além de treinar com armas de fogo e facas.
“Obviamente, esse tipo de trabalho não é para qualquer pessoa”, afirmou Eduardo Rafael de Souza, de 39 anos, veterano militar barbado, fumante compulsivo, que muitas vezes pilota os helicópteros usados nas missões do GEF.
Os membros da unidade voltaram mal humorados de Santa Inês, depois do primeiro dia de patrulha, sem conseguir mostrar seu trabalho depois de horas voando sobre estradas abertas ilegalmente por madeireiras em busca de equipes de desmatamento. Alguns se perguntavam se havia algum alcaguete no Ibama, que teria avisado os desmatadores.
Assim como em outras partes do governo federal brasileiro, o Ibama também está sofrendo com escândalos de corrupção, muitas vezes envolvendo inspetores que atuavam como agentes duplos para proteger os interesses de fazendeiros e madeireiras.
Entretanto, os ativistas ambientais argumentam que uma das principais razões para o aumento no desmatamento no Brasil envolve esforços para reduzir a crise no Ibama, traçando paralelos com os planos do governo Trump para reestruturar a Agência de Proteção Ambiental dos EUA. Desde 2013, o orçamento do Ibama foi cortado em 46 por cento.
De toda forma, a sorte do GEF mudou a partir do segundo dia.
Entrando em territórios indígenas, onde as madeireiras saem em busca de madeira de lei, o esquadrão viu do alto uma serra improvisada perto da fronteira com o Território Indígena do Alto Turiaçú, onde vive o povo Ka’apor.
“Eu vi o helicóptero descendo em uma clareira, como uma cena de filme de Hollywood”, afirmou Francinaldo Martins Araújo, de 43 anos, que estava chegando de caminhão para comprar pedaços de madeira descartada enquanto o esquadrão descia dos céus.
Os membros da equipe, alguns escondendo o rosto com capuzes, temendo retaliações caso sejam identificados, entraram rapidamente em ação. Eles atearam fogo na serra e destruíram duas fornalhas usadas para fazer carvão, antes de subirem novamente nos helicópteros para saírem em busca de um novo alvo.
Alguns minutos depois, pousaram novamente depois que um dos pilotos observou um caminhão em uma rota usada pelas madeireiras. A unidade desceu dos helicópteros em uma clareira próxima, enquanto um dos membros furou o tanque de combustível do caminhão e ateou fogo.
Então, eles ouviram gritos vindos da floresta. Enquanto procuravam pelos desmatadores, dois integrantes do GEF encontraram um trator usado para puxar troncos. A serra elétrica ainda estava quente e foi deixada presa a uma árvore, evidência da fuga apressada.
A unidade ateou fogo ao trator e à serra elétrica antes de sair em busca dos lenhadores. Todos estavam nervosos. Foi numa dessas operações na selva que Cabral, o comandante do GEF, foi pego de surpresa por um lenhador e acabou ferido.
Desta vez não se ouviram tiros, mas os desmatadores conseguiram fugir do esquadrão e entrar na floresta. Um dos pilotos passou pelo rádio as coordenadas do ponto de encontro e a unidade deu início à longa caminhada de volta aos helicópteros, com o ar tão densamente úmido que parecíamos cortá-lo com faca.
Pingando suor ao subirem no helicóptero, os membros do esquadrão conseguiam ver a fumaça saindo dos veículos destruídos: uma pequena vitória na luta contra o desmatamento.
“Eu nunca sonhei que iria segurar um rifle para defender a Amazônia”, afirmou um membro do GEF, de 44 anos, ex-ativista ambiental que não quis revelar o nome, com medo de sofrer retaliações. “Mas isso aqui é uma guerra, e a guerra ajuda a abrir nossa mente para o que precisa ser feito.”
Por Simon Romero