O Acre deve ser o Estado brasileiro mais prejudicado com a nova política indígena do governo federal em relação a povos isolados, já que detém o mais número de povos não contatados do país. A nova política indigenista do presidente Jair Bolsonaro deverá ser executada por Ricardo Lopes Dias, missionário membro da Missão Novas Tribos do Brasil (MNTB), entidade que promove a evangelização de índios brasileiros desde os anos 1950 e é repudiada por entidades das organizações indígenas do país. O missionário já está nomeado segundo o publicado nesta quarta-feira (05), pelo Diário Oficial da União (DOU) e deverá coordenar os programas relacionados aos índios isolados do país.
As organizações indígenas estimam que existam no Brasil pelo menos 115 registros de grupos isolados, 28 deles confirmados, a maioria no Acre. São pessoas sem nenhum contato com o homem branco ou com ferramentas da sociedade, como facões ou machados.
A indicação do missionário para o cargo sinaliza a mudança da política da Funai (Fundação Nacional do Índio) frente aos povos isolados que vigora desde a década de 1980 e que tem como princípio o respeito ao isolamento voluntário desses povos, cabendo ao Estado proteger e demarcar suas terras. O risco é a volta à política de contato deliberado com esses povos que já se mostrou desastrosa.
O cacique Ubiraci Brasil, do povo Yanawa, da Terra Indígena do Alto Rio Gregório, no Vale do Juruá, interior do Acre, aponta que os missionários evangélicos, ao tempo em que atuaram junto a seu povo, praticamente destruíram a cultura da etnia. “Nosso povo estava esquecendo até a língua, os costumes e a cultura. Levamos muitos anos para recuperar isso”, disse Brasil.
Assim como o cacique, organizações como a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB) e a União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (UNIVAJA), todas com representação no Acre, criticaram publicamente a indicação do missionário para o cargo. “Isso é mais uma loucura deste governo”, disse Francisco Pianko, líder do povo indígena Ashaninka do rio Amonea, de Marechal Taumaturgo, no Alto Juruá.
Em nota, a APIB afirmou que repudia veemente a indicação de um pastor evangélico ligado à Missão Novas Tribos do Brasil (MNTB), organização missionária de origem norte-americana, para a assumir a Coordenação Geral de Índios Isolados e de Recente Contato da Funai. A organização alerta que “são conhecidas as nefastas consequências das atividades proselitistas sobre os povos indígenas isolados em território brasileiro ao longo da história. Há inúmeras situações onde o contato forçado provocado por grupos missionários, inclusive ligados à MNTB, teve como rápida consequência elevado número de mortes por doenças, desestruturação sociocultural e desterritorialização”.
Já a COIAB denuncia, também em nota, que a nomeação de missionário para atuar junto aos povos isolados “significa mais um ataque deste governo racista e preconceituoso contra nossos povos, nossas famílias”. E a UNIVAJA alerta que conquistas consolidadas por décadas na proteção aos índios isolados passam a estar ameaçadas, uma vez que a “atuação missionaria nas aldeias tem sido nociva tanto quanto às doenças, pois causa a desorganização étnica, social e cultural dos povos indígenas”.