Nós acreanos comemoramos nesta quinta-feira, 6 de agosto, uma das datas mais significativas da nossa história: a Revolução Acreana.
São 118 anos do início da luta que resultou na incorporação do estado ao Brasil, após intensos embates e tratados, como tão bem expressa o nosso hino: “Triunfantes da luta voltando, temos n’alma os encantos do céu, e na fronte serena, radiante, o imortal e sagrado troféu”.
Para explicar um pouco dessa história que envolve também a Bolívia e o Peru, o entrevistado do ContilNet é o professor e historiador Marcos Vinicius Neves.
“6 de agosto marca uma das nossas vitórias históricas, a de sermos capazes de formar uma sociedade digna, com todas as suas características únicas, aqui nos confins da Amazônia Ocidental. Temos que comemorar, sim”, destacou o profissional.
Confira a entrevista na íntegra.
O que marca a comemoração do dia 6 de Agosto no Acre?
A data de 6 de agosto de 1902 foi quando aconteceu a tomada de Xapuri pelo coronel Plácido de Castro e alguns homens do Exército Revolucionário Acreano, e marcou o início da última etapa, mais sangrenta da Revolução Acreana, com vários combates. Foi também a fase definitiva, já que foi a partir disso que o governo brasileiro mudou de posição e passou a negociar o Acre com a Bolívia e com o Peru, que acabaria resultando no Tratado de Petrópolis e na anexação do Acre ao Brasil. Por isso se diz que essa data dá início à Revolução Acreana, mas, na verdade, dá início à etapa comandada por Plácido de Castro.
Quais foram as causas da Revolução Acreana?
De forma sintética, as causas são de caráter econômico, no primeiro plano, e de caráter político, no segundo plano. De caráter econômica porque a borracha extraída no Acre, era escoada através de Manaus e Belém, e como ele era um território ainda em disputa, de área fronteiriça, acabava arrecadando impostos em Belém e Manaus – o que causava grande interesse na produção de borracha dessa região. Quando a Bolívia decidiu ocupar o território que lhe pertencia legalmente pelos tratados de limites, houve uma reação brasileira que deu origem, então, a uma disputa efetiva entre brasileiros e bolivianos pelo domínio do território. O aspecto político é que a ocupação boliviana no Acre, que era em sua maioria ocupada por brasileiros, causou grandes temores nessa população, especialmente porque o ministro nomeado para administrar o Acre, em 1898, implementou uma política muito dura, adotando o espanhol como língua, a moeda e os impostos bolivianos – o que seria natural, já que a terra pertencia a Bolívia. Mas, fez muita pressão a seringalistas, também, exigindo demarcação imediata de terras, sob pena de perderem essas terras, além dos temores que a legislação boliviana – estranha aos brasileiros, com vários costumes distintos – fomentou, também, numa espécie de sentimento nacionalista de defesa da região, como se brasileira fosse. Era brasileira, de fato, porque era ocupada por brasileiros, mas era boliviana e peruana de direito, pelos tratados internacionais. Essas questões, principalmente, originaram esse movimento hoje chamado de Revolução Acreana. Tem outras questões, também.
A independência que conquistamos e o novo pertencimento ao Brasil são resultados de uma luta intensa? Como foi essa transição?
Podemos dizer que sim. Foi resultado de uma luta intensa que durou quase 4 anos. A contestação brasileira à ocupação boliviana do Acre começou poucos meses depois de iniciada essa ocupação formal de autoridades bolivianas. Dom José Paravicini, Ministro plenipotenciário da Bolivia no Acre, se estabelece ali na região de Porto Acre, que ele chamou de Puerto Acre, em 2 de janeiro de 1899. Já em 1 de maio do mesmo ano, um grupo de seringalistas e seringueiros brasileiros, reunidos, intimaram as autoridades bolivianas a se retirarem da região, pois eles entendiam que essa região era brasileira, apesar do que defendiam os tratados. Essa expulsão, em maio, marcou o início desse processo de contestação, litígio, guerra, entre brasileiros e bolivianos, ficando conhecida com a primeira insurreição acreana. Dois meses depois, em 14 de julho, tivemos uma nova etapa desse movimento, com a proclamação do estado independente do Acre, tendo o espanhol Luiz Galvez como o presidente da República do Acre, numa experiência política bem interessante que durou 8 meses, até março de 1900, e deixou marcas bem significativas. Com a prisão de Galvez e a devolução do Acre para a Bolivia, permaneceu aberta, então, a questão que deu origem a um terceiro movimento, que foi conhecido como a expedição dos poetas, em que intelectuais vieram de Manaus, armados, para combater as autoridades bolivianas no Acre, mas foram derrotados, voltando sem resultados práticos para o Amazonas, deixando claro ainda que a luta estava em aberto. Em 1901, o governo boliviano aprova o arrendamento do Acre para uma companhia comercial de capital norte-americana, que deveria explorar o Acre e pagar à Bolívia uma taxa sobre as vendas, o que acelerou, então, a eclosão de um 4º movimento, chamado Revolução Acreana, comandado pelo coronel Plácido de Castro, que tinha experiência militar. Em janeiro de 1903, o exército boliviano foi definitivamente vencido e expulso do Acre – o que motivou o governo brasileiro a iniciar as negociações que resultariam no Tratado de Petrópolis. Vários conflitos ainda ocorreram durante essa assinatura. Foram 4 anos de luta na região do Vale do Rio Acre e mais 4 ou 5 anos de luta na Região do Purus e Juruá contra peruanos.
Como o senhor avalia esse termo “revolução”? Foi, de fato, uma revolução?
Houve uma época em que aconteceu uma contestação muito forte do emprego desse termo “Revolução Acreana”. Isso se deu, especialmente, após a publicação do livro do professor Valdir Calixto, da Ufac, que questionou esse termo tendo em vista que na história ocidental se costuma empregar o termo “Revolução” quando há uma mudança profunda nas bases sociais e econômicas de uma determinada sociedade. Então, a gente, tem a Revolução Industrial que mudou o modo de produção; a Revolução Francesa que promoveu uma mudança política significativa; e a Revolução Socialista Soviética, que também teve mudança política significativa e profunda, mesmo não tendo alterado modos de produção. De acordo com o professor, não teríamos outras revoluções na história além dessas. Entretanto, o Brasil tem uma tradição histórica de revoluções políticas, que a história acaba consagrando, que muitas vezes são movimentos bastante pontuais, como a Revolução Federalista, Revolução de 30 e tantas outras. Tendo isso tudo como parâmetro, fica claro que não há impedimento nenhum na historiografia brasileira de usarmos o termo revolução como regional, que foi consagrado pela própria sociedade que o fez. Os que participaram, denominaram assim. Podemos usar esse termo para esse movimento local, mas olhando para os limites que apontam que não houve mudança na produção, nas raízes sociais ou no sistema político que continua, ainda, no “mandando quem já mandava e obedecendo quem já obedecia”.
O que temos para comemorar nesta data?
Hoje é feriado. Por aqui nós sempre temos atos cívicos, comemorações, festejos, solenidades, importantes como difusão da história local. Se não fossem esses eventos, muitas pessoas desconheceriam a história do Acre. O que temos pra comemorar é esse sentido histórico de longa duração, de marcas que foram impressas na trajetória da sociedade acreana, há mais de cem anos, como também temos marcas de povos indígenas, negros e nordestinos, que também são parte da nossa lembrança e herança. A gente não deve nunca esquecer que o Acre é um lugar distante dos grandes centros, que era necessário muito esforço pra poder chegar e viver aqui. 6 de agosto marca uma das nossas vitórias históricas, a de sermos capazes de formar uma sociedade digna, com todas as suas características únicas, aqui nos confins da Amazônia Ocidental. Temos que comemorar, sim.
A história do bairro 6 de Agosto se confunde com o surgimento da própria capital Rio Branco, por ter sido palco de batalha da Revolução Acreana, em 1902. O bairro faz parte da história desse último marco cívico?
Rio Branco realmente participa diretamente desse processo da Revolução Acreana, porque aqui era um dos pontos comerciais mais importantes do Rio Acre, e foi o cenário principal da Revolução, até porque Newton Maia, que era o maior proprietário aqui destas terras, naquela época, era a favor dos bolivianos, tinha comércio de gados com eles, negócios. Outros seringalistas ficaram a favor dos bolivianos, também. Não havia unanimidade nessa luta de brasileiros contra bolivianos. O Bairro 6 de agosto não existia ainda e Rio Branco também não tinha esse nome. Na verdade, não existiu combate naquela região. Os dois combates efetivos que aconteceram na Volta da Empresa, se deram próximo à volta da Gameleira – um em setembro e outro em outubro de 1902. Ali onde hoje é o Bairro 6 de Agosto ficava um varadouro, que levava para os seringais Catuaba e Liberdade, que serviram como ponto de apoio para o exército revolucionário acreano nesses dois combates. No primeiro combate que os brasileiros perderam, eles fugiram por esse varadouro. Muitos escaparam de serem mortos pelos bolivianos. No combate de 5 de outubro [segundo combate da Volta da Empresa], foi por esse varadouro que boa parte das tropas do exército revolucionário acreano veio fazer o cerco ao exército boliviano. Posteriormente a isso, depois que o Acre virou parte do Brasil e depois que o povoado Volta da Empresa passou a se chamar Rio Branco, a partir de 1904, se consolida na região o que as pessoas chamavam de Bairro África, porque morava a maioria dos negros da cidade. Começou aí o costume de colocar o nome das novas ruas de datas da Revolução Acreana. Com as ruas batizadas, o bairro foi começando a ser chamado de “6 de Agosto” e a comemoração passou a ser anual. É história e tradição.