Afeto é um valor inestimável na convivência entre nós seres humanos. O afeto positivo por excelência é o amor. Podemos ser reconhecidos e amados por nossas mães desde o ventre, como também podemos ser reconhecidos e amados por alguém que não nos gerou, mas que optou por criar um laço afetivo com alguém.
A lei não prevê que os pais tenham dever de amar seus filhos, mas o abandono afetivo parental pode implicar em danos morais. Nesse sentido, o dever de cuidado é amparado pelo artigo 227 da Constituição Federal e artigo 4º do estatuto da Criança e do adolescente (Lei 8.069/1990), que preveem o dever geral de cuidado, criação e convivência familiar com os filhos, dentre outros.
Sobre o abandono afetivo, ainda não há uma lei específica, mas há um projeto de lei do Senado Federal nº 700 dede 2007 que tramita desde 2007 e propõe a alteração da lei nº 8.069/1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA) para caracterizar o abandono afetivo em ilícito civil. Atualmente o projeto de lei se encontra na Câmara dos Deputados para apreciação.
O abandono afetivo, nesse caso é considerado um ilícito civil. O artigo 186 do Código Civil, que define como ilícito a prática daquele que, “por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral”.
Recentemente, no mês de agosto deste ano o juiz da 1º Vara Cível da cidade de Barbacena -MG condenou um pai a pagar R$ 50 mil por danos morais em razão do abandono afetivo de sua filha de 19 anos, reconhecida por exame de DNA.
O pai alegou em sua defesa que a mãe da menina sempre dificultou o contato entre eles. Disse ainda que nunca desamparou a filha economicamente e que sempre esteve à disposição para o que fosse necessário.
Segundo o Juiz Leilo Tolentino, “o abandono afetivo se mostra patente, diante da inexistência da presença do pais na vida cotidiana de sua filha, não fazendo ele questão de manter contato, constituindo nova família e negligenciando sua paternidade, sendo certo que as desavenças existentes entre os pais não se prestam a justificar o abandono”.
Outros casos semelhantes ao de Barbacena -MG foram julgados pelos tribunais do país nos últimos anos. O caso emblemático sobre esse tema foi julgado em 2009 pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo – TJSP. O caso era de uma adolescente que apesar de ter sido reconhecida judicialmente como filha, continuou recebendo tratamento discriminatório pelo pai. Nesse caso, o TJSP fixou a indenização contra o pai no valor de R$ 415 mil.
O valor indenizatório julgado pelo TJSP foi reduzido para R$ 200 mil pelo Superior Tribunal de Justiça – STJ em 2012 em Recurso promovido pelo pai (REsp. número 1.159.242/SP). O entendimento do STJ é de que o valor fixado de R$ 415 mil reais pelo TJSP era demasiadamente elevado.
Em 2019, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais – TJMG, manteve a condenação de um pai de dois filhos ao pagamento de R$ 120 mil, por danos morais em razão de abandono afetivo dos filhos. Nesse caso, o desembargador Evandro Lopes destacou que, no vaso, não se procura “tratar o afeto como coisa”, tampouco “reduzir a uma expressão financeira uma relação entre pai e filho”.
Importante destacar que nesses casos, a indenização por abandono afetivo possui caráter compensatório e pedagógico pelos prejuízos causados em decorrência da ausência do amparo afetivo, moral e psíquico parental.
Isso nos leva ao seguinte questionamento: embora o dano moral afetivo parental seja uma realidade na jurisprudência pátria, seria a reparação financeira uma compensação justa e proporcional ao dano sofrido pela vítima?
Ao meu ver, é impossível mensurar o valor monetário de um sentimento. Não há como dizer quanto custa o amor de um pai ou mãe para um filho. Além disso, nem todos os laços afetivos são positivos para entre pais e filhos. Há de se lembrar de afetos negativos que são aqueles que causam sentimentos de angustia, culpa e negatividade à pessoa. Imagine a presença de um pai ou mãe agressivo (a) ou homicida. Nesses casos, a ausência dos pais pode ser melhor à saúde emocional da criança.
Certamente, a justiça precisa chegar em valor indenizatório razoável para cada caso. Para isso, fica a cargo dos julgadores frente aos casos concretos a difícil tarefa não apenas de monetizar o prejuízo sofrido pelos filhos abandonados afetivamente, como também, avaliar se a ausência parental teria sido negativa ou positiva aos filhos.
Fontes:
http://www.stj.jus.br/sites/portalp/Inicio