A escalada da covid-19 no exterior, que levou países como Alemanha e França a anunciarem novos confinamentos, e os problemas internos sobre agenda fiscal e atritos políticos contribuíram para uma tempestade perfeita sobre o mercado nesta quarta. O dólar comercial, que chegou a máxima de R$ 5,79, terminou a sessão com alta de 1,31%, valendo R$ 5,759, maior patamar desde 15 de maio.
O ímpeto de ganhos da moeda americana contra o real foi reduzido depois que o Banco Central (BC) realizou leilão extraordinário no mercado à vista, injetando US$ 1,042 bilhão no mercado.
Na Bolsa, o cenário foi de fortes perdas. O Ibovespa (índice de referência da B3) caiu 4,25%, aos 95.369 pontos, maior queda para fechamento desde 24 de abril, quando encerrou o pregão com recuo de 5,45% após a saída do ex-juiz Sergio Moro do Ministério da Justiça.
Em Nova York, Dow Jones e S&P terminaram o dia com recuo de, respectivamente, 3,43% e 3,53%. A Bolsa eletrônica Nasdaq perdeu 3,73%.
No Brasil, pesou ainda o crescente endividamento do governo e a falta de atritos entre os poderes em torno de pautas importantes, como o Orçamento de 2021.
— Não há data definida para a votação do Orçamento de 2021, e quando Brasília não se entende em torno de agendas que são críticas, o cenário reflete no mercado. Nos três primeiros meses de 2021, haverá um forte vencimento de títulos públicos, gerando mais pressão sobre um país sem Orçamento aprovado, possivelmente, Isso gera um mal-estar tremendo — destaca Maurício Pedrosa, gestor da Áfira.
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), criticou a obstrução na votação de pautas importantes na Casa pela base do governo. Ele acrescentou que a votação do Orçamento de 2021 pode ficar só para depois de março.
José Tovar, diretor-executivo da gestora Truxt, acrescenta que o cenário internacional ruim, somado à cena interna frágil, penaliza de forma mais intensa o Brasil:
— No fim do dia, o grande problema no campo econômico do Brasil é a situação fiscal. Quando soma-se um exterior mais conturbado com a fragilidade fiscal interna, o país é muito penalizado — acrescenta Tovar.
Novos confinamentos
Nesta quarta, os governos da Alemanha e da França anunciaram novas medidas mais restritivas de confinamento (lockdown). O governo de Angela Merkel informou que restaurantes, academias e teatros vão ficar fechados. Já Emmanuel Macron anunciou um novo confinamento no país a partir de sexta-feira e que deve vigorar até 1º de dezembro.
Em Londres (FTSE) e Paris (CAC), os índices fecharam com quedas de, respectivamente, 2,55% e 3,37%. Em Frankfurt, o DAX despencou 4,17%.
Pedrosa sublinha que o temor do mercado é o impacto das medidas de lockdown em economias que ainda seguem combalidas pela primeira onda da covid-19:
— Os países estavam em um processo muito inicial de retomada. Quando estava começando a ser traçado o primeiro respiro neste quadro, novas disparadas nos casos de Covid são reportadas. Os Tesouros já gastaram fortunas no primeiro semestre, governos estão endividados, então têm pouco espaço econômico para combater nova onda da doença. Uma segunda onda de confinamentos gera muitas dúvidas sobre o que pode acontecer com as economias.
Tovar, da Truxt, destaca que o cenário de incertezas no exterior também é potencializado pela corrida eleitoral americana:
— O susto sobre uma segunda onda voltou. Ninguém sabe a magnitude deste evento, mas com a chegada do inverno no hemisfério Norte, os riscos de contágio tendem a aumentar. Ainda no exterior, a eleição americana ainda é outro fator que gera incerteza. O quadro preliminar aponta para vitória de Biden, mas depois de 2016, é difícil projetar uma tendência mais contínua.
Petróleo em queda
Nesta quarta, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central decide o novo patamar da taxa básica de juros (Selic). A projeção do mercado é que ela seja mantida nos atuais 2%, mas os investidores aguardam a ata da reunião para saber os próximos passos da autoridade monetária.
A incerteza global também penalizou o petróleo. A cotação do barril do tipo Brent (referência internacional) fechou com queda de 5,04%, valendo US$ 39,12. Diante do aumento de casos de Covid-19, teme-se que a demanda por matéria-prima seja reduzida.
Diante do desempenho em queda do petróleo, as ações da Petrobras caíram acentuadamente. Os papéis ordinários (ON, com direito a voto) e preferenciais (PN, sem direito a voto) terminaram a sessão com recuo de, respectivamente, 6,14% e 6,09%.
Exportadora de commodity (minério de ferro), a Vale caiu 3,63%, diante dos receios de redução dos fluxos globais de comércio.
O setor aéreo também foi afetado. Os papéis das companhias Azul e Gol despencaram, em ordem, 9,58% e 9,03% nesta sessão. A operadora de turismo CVC afundou 9,88%. [Capa: Andrew Kelly/Reuters]