Quando Alexander Lukashenko, o presidente da Bielorrússia, declarou uma vitória esmagadora — e implausível — nas eleições de agosto e tomou posse para um sexto mandato, os Estados Unidos e outras nações ocidentais denunciaram o que, segundo eles, era um desrespeito descarado ao desejo dos eleitores.
— Nós sabemos o que o povo da Bielorrússia deseja. Eles querem algo diferente — disse o chefe da diplomacia do governo de Donald Trump, Mike Pompeo, em outubro, classificando a vitória de Lukashenko como “fraude”.
Apenas um mês depois, o chefe de Pompeo está pegando emprestado o manual de Lukashenko, juntando-se a um clube de líderes, que inclui ditadores e tiranos, que, independentemente da decisão dos eleitores, declaram-se vencedores das eleições.
O paralelo não é exato. Trump participou de uma eleição democrática, livre e justa. A maioria dos autocratas desafia os eleitores antes mesmo de eles votarem e excluem rivais da votação.
Só que quando a disputa é competitiva e o resultado vai contra eles, esses líderes frequentemente ignoram o resultado, denunciando-o como uma obra de traidores, criminosos e sabotadores estrangeiros e, portanto, inválido. Ao não aceitar a derrota, Trump está seguindo uma estratégia semelhante.
Há poucos indícios de que Trump possa superar as leis e instituições que garantem que o veredicto dos eleitores americanos seja válido. O país tem uma imprensa livre, um Judiciário forte e independente, funcionários eleitorais dedicados a uma contagem honesta dos votos e uma forte oposição política — nenhuma delas existe na Bielorrússia ou na Rússia.
Os EUA nunca tiveram que forçar um presidente a aceitar uma derrota justa nas urnas. Mas, apenas ao levantar a possibilidade de que teria de ser forçado a deixar o cargo, Trump quebrou a tradição democrática de uma transição contínua.
O dano já causado pela teimosia de Trump pode ser duradouro. Ivan Krastev, um especialista em Europa Oriental e Central do Instituto de Ciências Humanas de Viena, disse que a recusa do republicano em ceder “criaria um novo modelo” para populistas com ideias semelhantes na Europa e em outros lugares.
— Quando Trump ganhou em 2016, a lição foi que eles podiam confiar na democracia — disse. — Agora, eles não vão confiar na democracia e farão tudo e qualquer coisa para permanecer no poder.
No que chamou de “cenário de Lukashenko”, Krastev afirmou que os líderes ainda desejarão realizar eleições, mas “nunca perderão”. O presidente Vladimir Putin, da Rússia, faz isso há duas décadas.Entre as táticas antidemocráticas que Trump adotou estão algumas que foram também usadas por líderes como Robert Mugabe, do Zimbábue, Nicolás Maduro, da Venezuela, e Slobodan Milosevic, da Sérvia, recusando-se a admitir a derrota e lançando acusações infundadas de fraude eleitoral. As estratégias também incluem enfraquecer a confiança nas instituições democráticas e nos tribunais, atacar a imprensa e difamar os oponentes.
Como Trump, diversos líderes temiam que aceitar a derrota os expusesse a processos judiciais após deixarem o cargo. Michael McFaul, o embaixador dos EUA na Rússia durante o governo de Barack Obama e um crítico do republicano, descreveu a recusa de Trump como “seu presente de despedida para autocratas em todo o mundo”.
Um primeiro rascunho do manual usado por líderes que nunca admitem a derrota foi escrito em 1946 pelo Partido da Unidade Socialista, uma organização comunista nas terras orientais da Alemanha, então controladas pelos soviéticos. Derrotado na primeira eleição alemã após a Segunda Guerra Mundial, o partido, conhecido como SED, saudou sua derrota com a seguinte manchete em seu jornal: “Grande Vitória para o SED!”.
A sigla assumiu o governo da Alemanha Oriental pelos próximos 45 anos e nunca mais se arriscou em uma eleição competitiva.
— O comportamento de Trump não tem precedentes entre os líderes das democracias ocidentais — disse Serhii Plokhy, historiador de Harvard que estudou ex-Estados comunistas, como a Ucrânia.
Mesmo ditadores veteranos, no entanto, às vezes admitem a derrota, principalmente se puderem arquitetar uma sucessão que prometa garantir sua segurança pessoal e financeira.
O general Augusto Pinochet, que assumiu o poder em 1973 em um golpe militar no Chile, aceitou a derrota em um referendo constitucional de 1988 que lhe permitiria permanecer no cargo e abandonou a Presidência em 1990 após um oponente ganhar uma votação presidencial.
No entanto, ele permaneceu como comandante-chefe e foi nomeado senador vitalício, ficando imune a processos judiciais — em 1998 ele foi preso no Reino Unido após um pedido de extradição de um juiz espanhol que investigava seus crimes enquanto era presidente.
Um estudo de 2018 do One Earth Future, baseado em eleições ao redor do mundo desde 1950, descobriu que apenas 12% dos ditadores que se submetem às eleições e perdem nas urnas deixam o cargo pacificamente. Ditadores militares, no entanto, segundo o estudo, têm mais chances de aceitar a derrota porque podem retornar ao quartel, evitando a prisão.
Na América Latina, Trump usou quase todos os recursos de seu arsenal da política externa contra o presidente da Venezuela, Maduro, que fabricou de maneira fraudulenta uma vitória nas eleições de maio de 2018, apesar de uma profunda impopularidade e de uma catastrófica crise econômica.
O pleito foi denunciado por diversas nações por não ter sido livre nem justo e gerou sanções econômicas por parte dos EUA. Em janeiro de 2019, Trump reconheceu o principal líder da oposição, Juan Guaidó, como o líder legítimo do país — atitude seguida por dezenas de aliados europeus e latino-americanos.
Trump disse que todas as opções, incluindo a intervenção militar, estavam sobre a mesa para destituir Maduro do cargo e colocar Guaidó na Presidência. Agora, o republicano se recusa a aceitar os resultados da eleição que disputou.
— Como o governo dos EUA espera convocar eleições livres e justas na Venezuela quando nosso próprio presidente não reconhece os resultados de um processo eleitoral limpo em nosso próprio país? — questiona Geoff Ramsey, diretor do Escritório de Washington na América Latina. — É uma propaganda de presente para Maduro e todos os outros autocratas ao redor do mundo, e eu garanto que eles estão adorando cada minuto disso. [Capa: Doug Mills/The New York Times]