Vinte anos depois, Guga lembra busca por nº 1: ‘Virou obsessão e me atrapalhou’

Troféu na mão, vitórias sobre as lendas Pete Sampras e Andre Agassi e o status de número 1 do mundo. São muitos os motivos para Gustavo Kuerten lembrar com carinho da Masters Cup de 2000, disputada em Lisboa.

Nesta quinta-feira, dia 3, o ex-tenista celebra os 20 anos de uma de suas maiores conquistas da carreira – tão grande que a data se tornou oficialmente o Dia Nacional do Tênis, em homenagem ao catarinense. Mas o feito também contou com momentos negativos, revelados só agora pelo ex-atleta.

De acordo com Guga, as semanas que precederam a disputa da Masters, antigo nome do ATP Finals, foram marcadas por dúvidas, medos e pela busca incessante pelo topo do ranking.

“Fui campeão em Indianápolis, em agosto daquele ano. A partir dali, a cada semana eu podia virar o número 1 do mundo. E ali eu me atrapalhei, neste cenário de ver aquele negócio grandioso, fantástico… ali eu me dei conta do tamanho do negócio. E a vontade passou do ponto, virou uma obsessão, uma loucura”, revela o ex-tenista, em entrevista coletiva.

A “obsessão” trouxe prejuízos dentro de quadra. “Queria de qualquer jeito, precisava ser o número 1.

Fiquei uns três meses ganhando uma ou duas partidas por semana, derrapando nos próprios pés, esquecendo todo o aprendizado e toda a sutileza que nos levou até lá.

Decidi que queria ser número 1 do mundo e ponto final. Tinha que ser e isso virou um pandemônio. Eu não tinha capacidade de suportar.”

Focando somente na busca pelo número 1, o especialista no saibro acabou tendo dificuldades nas quadras mais rápidas, principalmente o carpete.

A recuperação do seu melhor nível técnico aconteceu somente no Masters 1000 de Paris, último torneio antes de competir em Lisboa.

“Só em Paris eu pude entender como o meu jogo funcionava para aquela situação, naquela superfície, de carpete. Teve um dia em que ficamos duas horas, entre 21h e 23h, eu e o Larri (Passos, seu técnico) fazendo um treinamento específico. Até que, de repente, percebi o que estava faltando. E ficamos repetindo isso por mais meia hora”, relembra.

O esforço se justificava. A Masters Cup, assim como acontece hoje, reúne os oito melhores tenistas da temporada, incluindo lendas como os americanos Sampras e Agassi.

“Eu aprendi a jogar contra o Sampras a 10, 12 dias do início da Masters. Tinha que aprender ali, de qualquer jeito. Eram os caras que íamos enfrentar. Não tinha mais ninguém para nos ajudar, não tinha vídeo de internet.”

Guga entrou na competição como número 2 do mundo. Dependia apenas de si para virar o número 1. E, assim, não apenas assumiria a posição como também terminaria o ano no topo, feito raro no circuito.

Mas a instabilidade mental pesava e o brasileiro levou uma virada de Agassi logo na estreia.

“Fomos para a Masters com a embalagem pronta, mas com a cabeça totalmente alterada. ‘Eu sou bom, eu sou péssimo. Eu tô feliz, eu tô completamente frustrado’, eu pensava. No jogo de estreia, eu tive as duas respostas. Fiz um primeiro set estupendo contra o Agassi, jogando em um nível tênis que eu nunca tinha feito. E a partir dali, fui me deparando com algumas encruzilhadas e me afundando sozinho.”

Guga revelou que chegou a pensar em desistir do torneio. “Eu parecia um zumbi e isso contagiou toda a nossa equipe. Todo mundo foi murchando, até o Larri”, recorda o ex-tenista, que contou com a ajuda de sua mãe para se recuperar. “Ela foi a peça extraordinária nesse momento. Ela ficou comigo no quarto até 5h ou 6h da manhã, quando eu consegui dormir. Eu estava com tantas coisas todas na cabeça, e ela lá me dando carinho, amor e afeto. É a melhor solução que tem na vida. Foi aquilo que me trouxe de volta.”

“É a esperança que sempre me moveu. Foi mais do que o tênis, ou a possibilidade de título, ou de me transformar no número 1. Eu continuei no torneio pela a esperança de vencer mais um jogo. Foi assim que eu entrei em quadra contra o Norman. Uma hora antes da partida, eu não sabia se ia jogar.”

VITÓRIAS SOBRE LENDAS

Após perder de Agassi e vencer o sueco Magnus Norman, Guga bateu o russo Yevgeny Kafelnikov. Na semifinal, ele derrotou, de virada, Sampras, que era a maior lenda de sua geração.

Foi a primeira e única vitória do brasileiro sobre o americano, então recordista de títulos de Grand Slam.

O catarinense revelou que assistiu a diversos jogos entre Agassi e Sampras para aprender a vencê-los. “Cada jogo que via do Agassi contra o Sampras, eu olhava o que um fazia para jogar contra o outro.

Lembro que eles fizeram um jogaço no US Open e que o Sampras venceu. Mas eu comecei a perceber uma jogada que ele fazia com o Agassi, que me chamou atenção.

Era subir à rede na esquerda do Agassi com boas profundas, ao invés de uma bola mais rápida. E se vocês olharem no 5/4 do terceiro set (na final), 30 iguais, é a bola que eu uso direitinho para chegar ao match point.”

Guga não escondeu a alegria ao recordar a decisão, em que bateu Agassi por 3 sets a 0, com triplo 6/4. “A final foi a partida mais perfeita da minha vida. Estava sereno do começo ao fim. Acertando pancada para tudo que é lado”, afirmou.

Vinte anos depois, o ex-atleta avalia que aquela vitória ajudou a mudar o cenário do tênis no Brasil.

“Foi um divisor de águas por completo. As pessoas começaram a jogar tênis em todas as classes sociais e regiões do Brasil. Em cima dessa empolgação, o dever de casa é que ficou faltando”, ponderou.

Guga acredita que o País tem melhor estrutura agora para gerar novos talentos na modalidade.

“Agora nós torcemos com toda a força e esperamos para que aconteça metade disso ou 20%, de tão impactante que foi aquele momento. Do tênis estar na casa das pessoas e fazer parte do Brasil inteiro. A estrutura está mais bem montada para ter um resultado desse.”

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