Empregada resgatada em condições análogas à escravidão no Rio declarou que ‘não manda na própria vida’

A empregada doméstica resgatada em condições análogas à escravidão no bairro da Abolição, na Zona Norte do Rio, relatou em depoimento à Força-tarefa de Combate ao Trabalho Escravo uma rotina de muitas privações nas quatro décadas que trabalhou sem receber salários e que “não manda na própria vida”.

A mulher, de 63 anos, foi mantida, segundo os agentes, durante 41 anos sem salário e férias. A empregada contou que, após trabalhar cerca de 11 horas por dia, com pouco tempo para as refeições, dormia em um quarto sem energia elétrica nos fundos da casa.

Sem luz e relógio, ela afirma que calculava a passagem de tempo conforme o dia ia escurecendo.

As informações foram registradas em um depoimento, obtido pelo G1, após o resgate, na última segunda-feira (25), na 1ª Procuradoria-geral do Trabalho.

No depoimento, ela também relatou que uma médica da família da empregadora da vítima diagnosticou que ela estava com Covid-19, e receitou remédios. Sua empregadora teria comprado os medicamentos, mas a empregada nunca fez outros exames e disse que nunca tomou os remédios.

Resgate

Quando os auditores fiscais do trabalho viram a vítima pela primeira vez, ela estava suja depois de voltar do ferro velho, onde fora vender as latinhas que catava para conseguir alguma remuneração.

Às 11h, ela ainda não tinha se alimentado e estava, segundo os auditores e promotores do Ministério Público do Trabalho, muito agitada, confusa e com problemas de audição.

Vizinhos questionados pelos auditores do trabalho relataram ainda agressões físicas e verbais contra a vítima por parte dos patrões, inclusive uma tentativa de enforcamento. Questionada, a própria empregada negou.

A mulher, de 63 anos, contou em depoimento que às vezes recebia R$ 6 ou R$ 7 de sua empregadora, e que usava em alguns momentos o dinheiro para comprar sabonete para tomar banho. O vínculo empregatício da vítima nunca foi registrado na sua carteira de trabalho.

Durante os 41 anos, a mulher afirma também que nunca teve contato com sua família de origem, em São Paulo.

Agora, ela é atendida pelo programa de assistência social do Caritas em parceria com o Ministério Público do Trabalho.

Sua empregadora tem uma semana para pagar a sua rescisão salarial, assim como os vencimentos referentes aos anos de trabalho. Os valores são de mais de R$ 100 mil.

Agentes federais afirmam que os patrões até sacaram o Auxílio Emergencial da mulher.

A idosa relatou que entregou seus documentos para que tivesse o benefício sacado. No entanto, ouviu da patroa que não teria direito ao dinheiro porque sua carteira de identidade estaria “velha”.

No entanto, auditores fiscais do Trabalho identificaram que o benefício foi sacado. Em depoimento, a empregadora confirmou que realizou o primeiro saque. As outras parcelas foram recebidas por outras pessoas. Um procedimento foi aberto no banco para averiguar o caso.

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