Com menos doses importadas do que pessoas que precisam tomar a vacina na primeira fase de imunização, o Ministério da Saúde iniciou a distribuição das vacinas nesta segunda-feira (18).
Das 8 milhões de doses garantidas pelo governo, 6 milhões já percorrem o Brasil e outras 2 milhões aguardam transporte da Índia.
Para começar a vacinar a população, as doses da CoronaVac saíram de São Paulo, onde estavam armazenadas, e precisam enfrentar até cinco etapas de viagens pelo país: até o centro de distribuição logístico de Guarulhos, depois para os centros estaduais, regionais e municipais para só então serem enviadas aos postos de vacinação.
O procedimento será o mesmo aplicado às doses da vacina de Oxford e da AstraZeneca quando elas chegarem ao Rio de Janeiro.
A logística para entregar as milhões de doses aos mais de 5,5 mil municípios do Brasil é semelhante à já utilizada em outras campanhas de vacinação, por meio da estrutura do Programa Nacional de Imunização (PNI), com o suporte de caminhões-baú refrigerados, para o transporte terrestre aos estados das regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste, e do auxílio de voos para as regiões Norte e Nordeste.
No Brasil, os institutos recebem as doses prontas vindas dos laboratórios internacionais e já se preparam para começar a produzir doses integralmente nacionais a partir do segundo semestre:
Em São Paulo, além das 6 milhões de doses já distribuídas, o Instituto Butantan armazena outras 4,8 milhões de doses a granel, que ainda precisam passar pelo processo de envase.
A finalização dessas doses a granel e o controle de qualidade das que chegaram prontas da China são de responsabilidade do instituto.
Segundo o Butantan, essas 10,8 milhões de doses são parte de um pacote de 46 milhões compradas pelo governo federal, que também virão da China.
Desde novembro, o instituto constrói uma fábrica para passar a produzir integralmente novas doses daqui. De acordo com o instituto, a capacidade de produção é de 100 milhões de doses por ano a partir de agosto.
O mesmo acontece com a vacina da AstraZeneca e de Oxford. No Brasil, quem cuida do recebimento e do controle de qualidade é a Fiocruz, com sede no Rio de Janeiro.
Segundo a fundação, as únicas doses que chegarão prontas são as 2 milhões iniciais. Depois disso, a fundação vai receber o Ingrediente Farmacêutico Ativo (IFA), ainda em janeiro, em quantidade suficiente para produzir 100,4 milhões de doses até julho.
A partir de agosto, a Fiocruz planeja produzir integralmente outras 110 milhões de doses, sem precisar de material importado.
Como é a distribuição
União, estados e municípios compartilham etapas da distribuição da vacina, capitaneados pelo Ministério da Saúde.
Antes da aprovação do uso emergencial das vacinas neste domingo (17), as doses importadas ficaram armazenadas na sede do Butantan.
Depois da liberação, 4,6 milhões delas seguiram para o Centro de Distribuição Logístico do Ministério da Saúde, que fica na cidade de Guarulhos, perto do aeroporto internacional.
Outras 1,3 milhão ficaram já na cidade de São Paulo e serão distribuídas para outros municípios pelo governo estadual.
Ao chegar no centro, as amostras precisam passar por um controle de qualidade e são divididas em lotes estaduais.
Depois de analisadas, elas foram enviadas para os centros estaduais, que ficam em cada uma das 27 capitais. As viagens aos estados são feitas de duas maneiras:
Por avião: as regiões Norte e Nordeste recebem o material por aviões de carga, operados por quatro empresas comerciais;
Por caminhão: as regiões Centro-Oeste, Sul e Sudeste recebem as vacinas por caminhões frigoríficos. Os veículos também são usados para fazer o transporte dentro dos próprios estados.
Uma vez nos centros estaduais, as secretarias de saúde ficam encarregadas de separar as quantidades de doses que cada cidade vai receber e enviá-las para os centros regionais.
A partir dos polos, as vacinas são enviadas para os municípios. Nesta etapa, o controle da distribuição passa para as prefeituras.
Em algumas regiões, a entrega só pode ser feita por barcos. No Amazonas, 33 dos 62 municípios precisam do auxílio de embarcações para a entrega das doses, que ficarão sob responsabilidade da Marinha e do Exército.
As secretarias de saúde do Acre e do Mato Grosso também preveem a utilização de transporte aquático. Outros estados com áreas de difícil acesso, como Mato Grosso e Rondônia, optaram pelo transporte aéreo.
Nestes casos, os barcos têm geradores para garantir a refrigeração das bobinas reutilizáveis ambientadas. Essas bobinas são as responsáveis por manter as temperaturas das caixas térmicas que guardam as doses de imunizante.
O transporte das vacinas até os centros estaduais pode levar de 1 a 5 dias, dependendo de dificuldades de voo ou algum problema no trajeto terrestre.
Mas o que mais leva tempo é o transporte até as salas de vacinação. Segundo Carla Domingues, epidemiologista e ex-coordenadora do Plano Nacional de Imunizações, esse processo pode demorar até 15 dias em localidades de difícil acesso.
Além das 38 mil salas existentes, vários estados preveem expandir os pontos de vacinação e incluir escolas, estádios, igrejas e outros locais improvisados.
Até a modalidade de drive-thru, quando a vacina é aplicada dentro dos carros, foi considerada como alternativa em alguns estados: Bahia, Espírito Santo, Goiás, Minas Gerais, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rondônia, Santa Catarina e São Paulo.
Questionado pelo G1, o Ministério da Saúde não informou para quantos dias está prevista a distribuição da primeira leva de vacinas e nem quantos profissionais de saúde e segurança irá mobilizar nesse trajeto.
Refrigeração
As duas vacinas precisam ser armazenadas em refrigeradores com temperaturas que variam entre 2°C e 8°C. Nessas condições, as vacinas podem durar até seis meses.
A temperatura é a padrão para outros imunizantes já utilizados no Brasil.
Os centros por onde as vacinas passam têm área de refrigeração com essas especificações.
Durante o transporte, a temperatura é mantida por meio de caixas térmicas com bobinas reutilizáveis ou câmaras refrigeradas. E, nos postos de vacinação, são armazenadas em freezers comuns.
Depois de abertos os fracos, que costumam guardar 10 doses cada, o material dura até seis horas.
Nos postos de vacinação improvisados, como estádios de futebol e escolas, a refrigeração é feita por meio de geladeiras comuns, diz o microbiologista Luiz Almeida, coordenador de projetos educacionais do Instituto Questão de Ciência.
Dificuldades da vacinação
Tanto Domingues quanto Almeida explicam que a estrutura de vacinação brasileira dá conta de uma grande campanha ao mesmo tempo em que promove a vacinação de rotina.
Mas, segundo Almeida, a organização vai depender do escalonamento das doses. “Como as doses iniciais disponíveis serão baixas, vai haver uma concentração de oferta conforme os novos lotes chegarem.
Com isso, vai haver uma vacinação simultânea em grupos que receberão a segunda dose e outros que ainda precisarão da primeira. Isso pode encavalar o sistema”, avalia o pesquisador.
Para o médico e ex-ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, a estratégia de focar em apenas duas vacinas vai atrasar ainda mais o abastecimento.
Embora as vacinas sejam de fácil transporte e armazenamento, segundo o biólogo, as cidades precisam de tempo e informações precisas para preparar sua estrutura, desde a equipagem das salas até a quantidade de profissionais necessária para a operação.
“Falta organização e liderança, falta um entendimento entre os governos estaduais e federal”, diz Almeida.
No primeiro dia de distribuição (18), o ministério usou o reforço de quatro aviões da Força Aérea Brasileira (FAB), que não constavam no plano operacional. Ao menos 11 estados relataram atraso na entrega das doses.
Para Mandetta, a “improvisação” põe em risco um sistema que sempre funcionou.
“Já ouvimos pessoas que queriam mandar buscar essas doses de qualquer maneira.
As cargas precisam ser transportadas em meios especializados, não dá para mandar buscar em qualquer avião ou caminhão. Existem perdas operacionais nesse processo”, avalia.
Outro ponto de atenção, segundo os especialistas, é com a segurança. Almeida lembra que, em 2017 e 2018, houve desvio e roubo de cargas com vacina contra a febre amarela.
O governo do Acre já pediu reforço do governo federal com a escolta das vacinas e citou a dimensão da fronteira com outros países como principal fator de preocupação.
O Ministério da Saúde tem o apoio do Ministério da Defesa na distribuição até os estados, mas deixa sob responsabilidade dos governos locais a segurança no trajeto interno.
Nos estados, a tarefa está dividida entre várias forças de segurança: agentes das polícias Militar, Federal e Rodoviária Federal, bombeiros, integrantes das secretarias de Segurança Pública e até militares da Marinha e do Exército.
Seringas e agulhas
Além das doses, para que haja vacinação, são necessários outros insumos, como agulhas e seringas para aplicação.
A Paraíba foi o único estado a declarar que não tem quantidade suficiente de seringas para vacinar o grupo prioritário da primeira fase, estimado em 308,4 mil pessoas pela secretaria estadual de saúde. Já o número de seringas no estado é de 250 mil.
O ministério diz que o abastecimento desses insumos é de responsabilidade dos estados.
Mas, de acordo com Domingues, em situações como a pandemia de Covid-19, a responsabilidade pela aquisição de insumos necessários precisa ser compartilhada entre a pasta e as secretarias.
“Em um momento de pandemia, o governo federal tem que apoiar o estado na compra, ele precisa atuar de forma complementar. As 80 milhões de seringas foram compradas para a vacinação de rotina. No caso dessa campanha, será preciso comprar seringas adicionais. Se não houver reposição, vai faltar”, diz a epidemiologista.
Segundo o ministério, há 80 milhões de seringas e agulhas em estoque nos estados e municípios.
Outras 8 milhões devem chegar entre janeiro e fevereiro, parte do lote de 40 milhões de unidades comprado por intermédio da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS).