Revolta da Vacina no RJ em 1904 provocou a deportação de 461 pessoas ao AC; entenda

Há quem diga que o Brasil está prestes a reviver, mais de um século depois, a Revolta da Vacina. A propagação crescente das chamadas fake news fizeram aumentar, nos últimos anos, a desinformação sobre a imunização, o que fortaleceu o movimento antivacina em plena pandemia de covid-19, que já matou mais de um milhão em todo o mundo.

No entanto, lá em 1094, muito antes dos computadores, celulares e sinais de wifi, uma multidão foi às ruas do Rio de Janeiro, então capital do Brasil, protestar contra a obrigatoriedade da imunização para conter a epidemia de varíola. E o saldo da revolta foi dezenas de mortos e feridos, prisões em massa e deportação de 461 prisioneiros ao Acre.

Um projeto apresentado na época exigia o comprovante da vacinação para a realização de matrículas escolares, contratação em empregos, hospedagens, viagens e até casamentos. Além disso, aglomerações estavam proibidas para conter a propagação da epidemia.

A revolta começou em novembro, após um grupo de estudantes protestarem contra as medidas. A polícia investiu contra os revoltosos e foi recebida a pedradas. Foi então que, nos dias seguintes, o movimento ganhou apelo popular e mais de 4 mil voltaram às ruas.

Trocas de tiro com a polícia e até mesmo uma tentativa de golpe de estado contra o então presidente Rodrigues Alves, que hoje dá nome a uma das cidades acreanas, foram o estopim. A repressão cresceu e quase mil pessoas foram encarceradas.

Algumas foram soltas com o passar dos dias, porém 461 delas, todas com antecedentes criminais antes da revolta, permaneceram presas. Foi então que o governo tomou uma decisão: deportar os indesejados para o extremo leste do país, no longínquo Acre. Entre os desterrados estavam homens, mulheres e até crianças, todos pobres.

Os desterrados chegaram em navios-prisão para trabalhares nos seringais acreanos. Muitos perderam a vida no caminho. Segundo historiadores, algumas sequer haviam participado da revolta e foram vítimas de um possível processo de higienização da cidade.

“À época, o Acre era o oposto do Rio de Janeiro: local distante, ‘vazio’, selvagem, isolado e outros atributos correlatos. Ou seja, torna-se o espaço adequado para os indesejados que a República queria se desfazer”, afirmou o historiador acreano Francisco Bento da Silva, em entrevista ao jornalista Altino Machado em 2013.

Silva é autor de uma tese de doutorado que narra essa história como parte do processo de ocupação do estado que anos antes pertencia à Bolívia. Além disso, a “Sibéria tropical”, como chama o pesquisador, também receberia, em 1910, prisioneiros da Revolta da Chibata, também no Rio de Janeiro.

“Além desses estereótipos negativos, o Acre era um Território Federal, administrado diretamente pela Presidência da República através do Ministério da Justiça. Não havia a necessidade de costura política com autoridades locais para viabilizar o recebimento dos desterrados”, continua Francisco.

A Revolta da Vacina surtiu o efeito esperado pelos manifestantes. O governo abriu mão da obrigatoriedade da imunização. A epidemia de varíola se alastrou pela capital federal e só em 1908 deixou um saldo de mais de 6,4 mil mortos.

PUBLICIDADE