A dimensão simbólica da tragédia da Covid-19, cujo primeiro diagnóstico no Brasil completa hoje um ano, com 250 mil vidas perdidas, também se revela nos momentos mais íntimos dos que enfrentaram despedidas de pessoas queridas.
Por meio de áudios, vídeos e mensagens de texto compartilhados com O GLOBO, famílias revelaram desejos de esperança, desabafos desesperados no adeus que precedeu a intubação ou a celebração do que caracterizam como renascimentos graças ao avanço da ciência.
Memoriais de despedidas, como definiu Denise Cruz, viúva do cirurgião Ricardo, que morreu no dia 8 de dezembro.
Ela guarda como joias a troca de mensagens dos dois, que inclui momentos doídos e respostas difíceis, mas repletas de carinho, a questões inevitáveis.
A médica Roberta Carvalho, por sua vez, teve pouco tempo para avisar aos mais próximos que, em suas palavras, “iria para o tubo”. A um amigo, foi direta: pediu para ele, em momento tão incerto, dar apoio à mãe e à irmã.
Quando voltou a si e foi checar o celular, a primeira mensagem era um convite para ela trabalhar em uma UTI Covid de um dos principais hospitais do Rio. Justamente aquela em que estava internada.
Nem sempre as despedidas foram anunciadas. Quando o pesquisador Matheus Pereira trocou com o pai, Sergio, uma mensagem amorosa celebrando estar na casa de praia que o patriarca da família sempre sonhou em erguer, ele não sabia que aquela seria a derradeira conversa dos dois. Sergio preferiu não revelar que seria intubado. Horas depois, morreu.
Eliomar Nóbrega chegou a ouvir dos médicos que não sobreviveria, mas ganhou do hospital a possibilidade de se comunicar com a mãe, Jussara: lhe emprestaram um celular. Trocaram mensagens de carinho e pedidos de benção. Ele teve alta no meio de fevereiro, em uma terça-feira de quieto carnaval.
Todos contam que as mensagens de despedida estarão para sempre ligadas a momentos de escuridão e angústia. Mas também se revelaram relíquias digitais, parte central do ritual do luto.