‘Como se estivesse viajando’, diz mulher da 1ª vítima de Covid no AM

No dia 24 de março de 2020 morria a primeira vítima da Covid-19 no Amazonas. Era o comerciante Geraldo Sávio, de 49 anos. Ele era natural de Oriximiná, no Pará, mas morava em Parintins com a mulher, a comerciante Tatyana Vieira. Agora, um ano depois, ela conta como soube da morte do marido e como lida com a ausência dele depois de todo esse tempo.

Em entrevista exclusiva ao G1, Tatyana disse que é como se o marido estivesse saído para fazer uma viagem e ainda não tivesse voltado. É assim que ela vive os dias. No entanto, o sentimento já foi diferente. No início, a não-aceitação da morte e a revolta marcaram o luto dela.

 

Comerciante Tatyana Vieira, mulher da primeira vítima a morrer por Covid-19 no Amazonas — Foto: Reprodução
Comerciante Tatyana Vieira, mulher da primeira vítima a morrer por Covid-19 no Amazonas — Foto: Reprodução

 

“É como se ele estivesse viajando e a qualquer momento fosse entrar pelo portão aqui de casa do jeitão dele, barulhento, dizendo: ‘cheguei’. Um ano depois o sentimento é de saudade. Meses atrás, era de impotência, de não-aceitação, sofrimento. Já hoje é da falta que ele faz para todos nós. Só Deus que vai preenchendo tudo isso e fazendo com que a dor fique mais branda a cada dia que passa”.

Sávio começou a sentir os primeiros sintomas da doença no final da semana em que retornou de uma viagem a Manaus. Segundo a mulher, em três dias o quadro dele se agravou muito. Ele chegou a ser internado no Hospital Jofre Cohen, em Parintins, mas dois dias depois foi transferido para a capital. Com o resultado, a vida do casal virou de ponta-cabeça.

“Estávamos fazendo um trabalho na loja e tinha muita poeira. E com isso, achávamos que podia ser uma gripe. Não imaginávamos que era Covid. Tudo foi muito rápido. Em três dias ele agravou e até ele morrer foi questão de 10, 11 dias. Nesse tempo, nós perdemos total a nossa privacidade. Eu soube do resultado positivo do Sávio através dos jornais, de sites. Era muita gente me ligando, dizendo que ele estava com Covid e eu não estava sabendo de nada. Ele estava na minha frente intubado, inconsciente, mas eu não recebi isso de nenhum médico”, contou.

No dia em que Sávio morreu, Tatyana chegou ao hospital por volta de 14h para receber o boletim médico, que seria dado pela equipe que acompanhava o caso às 15h. No entanto, chegou o horário esperado e nenhum resultado. A mulher conta que via a aflição no rosto das pessoas e uma correria que, até então, ela não sabia do que se tratava. Em seguida, os primeiros sinais de que algo não estava bem.

Geraldo Sávio gostava de praticar pesca esportiva. — Foto: Reprodução/Arquivo pessoal
Geraldo Sávio gostava de praticar pesca esportiva. — Foto: Reprodução/Arquivo pessoal

 

“Quando chegou 15h, eles cancelaram a entrada para pegar o boletim. Aí eu disse que não ia sair de lá, que eu queria receber o boletim sim. Pediram que a gente fosse para casa, mas fiquei. Aí quando deu 17h, deixaram eu entrar. Quando eu entrei, o médico já veio com os olhos cheios de lágrimas, me abraçou e disse que eu precisava ser muito forte, porque o Sávio tinha tido três paradas cardíacas e dali só um milagre de Deus”, relembrou a mulher.

Após saber o quadro do marido, ela foi orientada a voltar para casa. De acordo com o médico, as próximas horas seriam decisivas e alguém ligaria do hospital para comunicá-la sobre qualquer notícia.

 

“Só deu tempo de chegar em casa. Aí recebi o telefonema falando do falecimento dele. Era 19h44. Já estava nos jornais, nos sites… em tudo”.

 

Comerciante Geraldo Sávio, de 49 anos, foi a primeira vítima de Covid-19 no Amazonas — Foto: Reprodução

Comerciante Geraldo Sávio, de 49 anos, foi a primeira vítima de Covid-19 no Amazonas — Foto: Reprodução

 

Hoje, a mulher ainda se questiona o porquê de Sávio ter partido assim, tão repentinamente. A ficha cai ao poucos, mas ainda é difícil lidar com a perda. “Ele era uma pessoa muito ativa, não era de ficar parado. Tinha como hobbie a pesca esportiva. Gostava de estar no rio. Chegava final de semana, ele partia [para o rio] para brincar”.

A mulher também relembra que Sávio morreu quatro dias antes de fazer 50 anos. De acordo com ela, o comerciante já havia preparado toda a festa, contratado uma banda para animar e chamado todos os amigos.

 

“Dia 28 de março de 2020 ele faria 50 anos. Já estava tudo pronto para a festa dele. Ia ser do jeito dele, já tinha programado tudo. Ele queria um aniversário simples, reunir os amigos, fazer um churrasco ao redor da piscina, coisa que ele gostava muito de fazer”.

 

O corpo de Sávio foi cremado. Parte das cinzas foram enviadas para a mãe, que mora no Pará, e a outra parte ficou com a mulher. Nesta quarta-feira (24), um ano após a morte do marido, ela espera poder fazer uma homenagem à ele: jogar as cinzas no local onde ele se sentia em casa, o rio. “Protelei muito essa homenagem, não estava preparada. Mas chegou a hora de fazer o que ele queria, o que ele me pediu”, concluiu.

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