Os astrônomos que revelaram o primeiro buraco negro aos olhos do mundo conseguiram capturar a imagem do campo magnético perto de sua borda, um grande passo para melhor compreender esses misteriosos monstros cósmicos – de acordo com um estudo divulgado nesta quarta-feira (24).
Em 10 de abril de 2019, o gigantesco buraco negro alojado no coração da galáxia Messier 87 (M87), localizada a 55 milhões de anos-luz de distância, apareceu para nós, sob o aspecto de um círculo escuro cercado por um anel flamejante.
Obtida graças à colaboração internacional Event Horizon Telescope (EHT), a imagem histórica foi a evidência mais direta já obtida da existência de buracos negros, objetos tão massivos e compactos que nada lhes escapa, nem mesmo a luz.
Dois anos depois, após análise dos dados recolhidos em 2017, os cientistas do EHT sabem mais sobre a mecânica do objeto supermassivo, que tem vários bilhões de vezes a massa do Sol. Seu trabalho foi publicado no The Astrophysical Journal Letters.
E uma nova imagem do objeto foi divulgada em luz polarizada – como por meio de um filtro que ajuda a isolar uma parte do anel luminoso.
“A polarização da luz contém informações que nos permitem compreender melhor a física por trás da imagem vista em abril de 2019, o que não era possível antes. Este é um grande passo”, ressaltou Ivan Marti-Vidal, coordenador de um dos grupos de trabalho do EHT e pesquisador da Universidade de Valência (Espanha).
“Observamos de verdade o que os modelos teóricos previam, o que é incrivelmente satisfatório!”, comemorou Frédéric Gueth, vice-diretor do Instituto de Radioastronomia Milimetrada (Iram), cujo telescópio faz parte da rede EHT.
A polarização revelou a estrutura do campo magnético localizado na borda do buraco negro e tornou possível produzir uma imagem precisa de sua forma, semelhante a um turbilhão de filamentos.
Este campo magnético extremamente poderoso – muito mais do que o da Terra – opõe uma resistência à força da gravidade do buraco negro: “ocorre uma espécie de equilíbrio entre as duas forças, como um combate, ainda que, no final, o vencedor seja a gravidade”, explica o astrônomo.
“O campo magnético na borda do buraco negro é forte o suficiente para repelir gás quente e ajudá-lo a resistir à força da gravidade”, explica Jason Dexter, da Universidade do Colorado em Boulder, nos Estados Unidos.
Nenhuma matéria sai de um buraco negro uma vez engolida (“agregada”). Mas o ogro cósmico, por mais poderoso que seja, não engole “100% de tudo em seu ambiente: uma parte escapa”, desenvolve o pesquisador do CNRS.
Essa parte da matéria que não é capturada – cerca de 10% – é ejetada, e o campo magnético desempenha um papel fundamental neste mecanismo. “A matéria seguirá uma trajetória ao longo das linhas do campo”, continua Frédéric Gueth.
A força magnética permitiria, portanto, não apenas extrair matéria, mas também ejetar poderosos jatos de luz a velocidades imensas, estendendo-se por pelo menos 5.000 anos-luz além da própria galáxia.
Estes jatos energéticos vindos do núcleo da M87 “são um dos fenômenos mais misteriosos desta galáxia”, segundo o ESO (Observatório Europeu Austral).
Acredita-se que a interação das forças descobertas pelo EHT atue em todos os buracos negros, desde os menores até os supermassivos que espreitam no centro da maioria das galáxias, incluindo a Via Láctea.
Nenhuma informação escapa dos buracos negros, nunca seremos capazes de observá-los diretamente. “O que acontece lá dentro continuará um mistério. O desafio é, portanto, entender o máximo possível o que acontece ao redor, porque está necessariamente interligado”, finaliza o pesquisador.
A sessão anual de observação simultânea da rede EHT, cancelada na última primavera (boreal) devido à pandemia de covid-19, deve ser retomada no final de abril. A adição de novos telescópios, incluindo o observatório NOEMA do Iram, nos Hautes-Alpes, permitirá melhorar ainda mais a precisão das imagens obtidas.