É verdade que a carne bovina no Acre é um dos itens mais caros e que o produto, por causa do preço, aos poucos, vai se tornando cada vez mais escasso na mesa do consumidor médio local. Mas, se hoje é o preço alto que afasta o consumidor mais pobre do produto, nunca é demais lembrar que a situação já foi bem pior, inclusive para pessoas de elevado poder aquisitivo. Pobres e ricos, ricos e pobres, no Acre daqueles tempos, estavam no mesmo barco de dificuldades.
Aliás, quem vivia no Acre até o início dos anos 80 sabe e lembra muito bem que comprar um quilo de carne bovina, ainda que com osso ou de segunda, como são chamados os pedaços menos nobres, era uma autêntica aventura. A razão era simples: não havia gado suficiente para abastecer uma sociedade em formação e carente de proteína animal.
A dieta baseada em peixes pescados dos rios e igarapés da região ou de animais de terreiro, como são chamados patos, perus e galinhas, além de porcos, também já não eram suficientes para o abastecimento da população acreana, principalmente na Capital Rio Branco. Nos mercados e feiras livres da cidade, as pessoas faziam filas, desde as madrugadas, em busca de carne bovina ao amanhecer. “Era um Deus-nos-acuda comprar carne para o dia a dia. Imagine para fazer um churrasco”, lembrou o comerciante aposentado Francisco Valdivino da Silva, morador de Rio Branco, de 81 anos, que viveu aqueles tempos difíceis. Era uma época em que o açougueiro era a pessoa mais importante das cidades.
Formado fundamentalmente por extensos seringais na selva, o território acreano não tinha a menor tradição na criação de animais semoventes. Os primeiros que apareceram por aqui foram burros, jumentos e alguns cavalos importados por seringalistas de Belém (PA) e Manaus (AM). As primeiras reses de animais a surgirem no Acre, nos anos 30, foram trazidas pelo fazendeiro boliviano Amadeo Barbosa, hoje nome de avenida em Rio Branco, exatamente em reconhecimento ao seu esforço na alimentação da sociedade acreana com carne de gado cujos animais ele trazia da Bolívia, a pé, tangendo-os por varadores mata a dentro. Mas, apesar do esforço do empresário boliviano, isso não era suficiente para abastecer o mercado e as necessidades continuaram até a formação das primeiras fazendas e o início da pecuária em expansão, a partir dos anos 40.
Foi nesta época que o então governador do Território Federal do Acre, José Guiomard Santos, alarmado com a falta de carne bovina na região que ele deveria governar, resolveu importar gado de Minas Gerais, que eram trazidos – acreditem! – de avião. Consta que Guiomard importou, através de aviões DC 3, da empresa Cruzeiro do Sul, pelo menos 200 vacas e bois para formar a primeira fazenda, que ficava onde é hoje no bairro Sobral.
Mas o precursor da pecuária no Acre, reconhecido por quem vive do negócio de carnes, é Paulo da Silva Maia, um aposentado de 83 anos, morador do bairro Quinze. Nas décadas de 50 e 60, quando o Acre nem sonhava com estradas, tudo era transportado via fluvial, lembra o fazendeiro. Na época, ele já se preocupava com o suprimento da cidade com o gado de corte, trazendo também os animais da Bolívia.
Paulo Maia chegou a tocar, mata a dentro, no estio de Amadeo Barbosa, rebanhos entre 300 a 400 cabeças, desde a cidade boliviana de Santana até o Acre, na região do Abunã, onde hoje é o município de Plácido de Castro. Eram os tempos das chamadas comitivas, integradas por até 14 vaqueiros, em viagens que chegavam a durar até 34 dias, com paradas durante o dia para se alimentar, e alimentar também o rebanho, e a noite, para dormir.
No percurso, ainda no território boliviano, tinham que cruzar dois grandes rios, o Madre de Dios e o Benes. Para isso, amarravam um animal em uma canoa a remo para servir de guia, e iam à frente tocando o berrante para que os outros, um a um, entrassem na água, para travessia que durava até uma hora a nado.
A noite, quando iam dormir, tiravam varas na mata, e faziam um cercado em círculos com as varas amarradas com cipó, para proteger o gado do ataque das onças. Na comitiva, haviam sempre burros de carga, que transportavam alimentos, água e equipamentos necessários para a viagem.
Paulo Maia, já muito conhecido pela bravura nos negócios com animais, desfilava por uma Rio Branco de ruas empeiradas, num cavalo adestrado no melhor estilo dos caubóis do velho oeste norte-americano.
Forte e lúcido, Paulo Maia é casado faz 58 anos com dona esposa Zuleide Beiruth, e tem duas filhas, seis netos(as) e oito bisnetos(as), para os quais conta, sem disfarçar o orgulho, histórias de um tempo em que degustar um bife ou um bom churrasco era privilégio para poucos. Exatamente como acontece nos dias atuais, embora haja carne em abundância nos açougues. O que falta, e para muita gente, é dinheiro.