Conheça o Portsmouth FC, o maior clube “comprado” pela torcida da Inglaterra

Já pensou ver seu time conquistando a Copa do Brasil e em apenas dois anos acompanhar não apenas o rebaixamento para a segundona, mas a ameaça de falência e fechamento do time? Foi mais ou menos isso que aconteceu com os torcedores do Portsmouth FC, tradicional equipe da Inglaterra, em 2008.
Neste ano o clube ganhou seu último grande título vencendo a FA Cup, equivalente à nossa Copa do Brasil, com direito à vitória sobre o Manchester United de Rooney, Tevez e Cristiano Ronaldo dentro do Old Trafford. Mas, com o perdão do clichê “reverso”, depois da bonança veio a tempestade. E que tempestade. Uma verdadeira enchente.
A dívida acumulada em mais de £60 milhões (R$ 300 milhões) fez com que a rigorosa Football League Association, entidade que rege o futebol profissional inglês, chegar a ameaçar o clube em fechar as portas, assim como aconteceu com os britânicos Glasgow Rangers, que mudou a grafia do nome original e começou do zero na última divisão escocesa.
Vários dirigentes foram envolvidos em denuncias de corrupção dentro e fora do clube, resultando inclusive em prisões, como no caso de ex-dono Vladimir Antonov. A torcida agiu rápido, e logo no início da temporada 2009-2010, já prevendo que a situação iria ficar insustentável, resolveu criar um plano de emergência com a criação do “Pompey Supporters Trust”, entidade sem fins lucrativos, formada por torcedores descontentes com a situação do clube na época.
As conversas para a criação do PST iniciaram em setembro, sendo o dia 23 de dezembro de 2009 a data oficial de inauguração. A partir deste período, doações cada vez maiores foram feitas ao clube através de seus fãs, que começavam a ganhar espaço internamente, forçando a saída de mandatários, como o saudita Ali AL-Faraj. O primeiro rebaixamento veio na temporada seguinte, para a Championship (segundona), curiosamente seguida de uma nova final da FA Cup, em Wembley, desta vez perdida para o Chelsea de Drogba e Frank Lampard.
Na temporada 2012-2013, a situação foi ainda mais agravada com um novo rebaixamento, voltando à disputa a League One (terceira divisão) após quase 40 anos. Com o fortalecimento do Pompey Supporters Trust, a torcida já preparava o momento exato para agir de fato.
A situação era tão grave que além das deduções, iniciando os torneios com até 20 pontos negativos, ainda foi obrigado há ficar vários anos sem poder contratar atletas. Insatisfeitos, eles forçaram a saída do dirigente Balram Chainrai, mega empresário chinês, que recusava vender o clube para a sua própria torcida. Foi necessária a intervenção da justiça, até que em nove de abril de 2014, pontualmente às 10:30 da manhã, o clube alcançaria uma marca histórica, se tornado um dos principais times comprados pela sua torcida no mundo, sendo o maior do tipo no país.
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Exemplos como esse não faltam no futebol inglês, como o caso do Wimbledon FC, que após entrar em falência e deixar de existir, foi retomado por seus torcedores em 2002 com o nome AFC Wimbledon, iniciando sua nova história na última divisão do futebol profissional da Inglaterra. Tive a oportunidade de visitar o clube mês passado e vi de perto todo o empenho de seus fãs em reerguer o clube do coração. A equipe está disputando as semifinais da League Two, com boas chances de conseguir o acesso.
No dia 13 de abril de 2016, formalizei um acordo com o clube para divulgar o Portsmouth FC no Brasil, e o primeiro membro do PST que conheci foi Colin Farmery, porta voz e um dos fundadores do projeto. O PST possui poderes totais dentro do clube, conseguindo em 2014 quitar o débito com credores e ex-jogadores.
Na sala de reuniões do clube, Colin me dava às boas vindas e mostrava com orgulho a Taça da FA Cup de 2008. “Você vê como é linda (a taça)? Queremos troféus como esse de volta ao clube”, disse Farmery, mostrando também as duas taças da primeira divisão de 49 e 50. Ele foi um dos pouco mais de 2.000 torcedores que doaram cerca de £1.000 para a compra em definitiva do Portsmouth FC no valor de £2,5 milhões. Quase 20.000 torcedores contribuem ativamente com o plano atualmente.
O empenho para quitar as dívidas também foi seguido de cautela pelos membros do PST. Como forma de evitar os casos de corrupção e abuso de poder do passado, cada decisão precisa ser aprovada pelo conselho, formado pela própria torcida, destituindo qualquer membro de poder absoluto. “O poder pode sempre subir a cabeça do ser humano, mas na nossa administração o egocentrismo e a corrupção não tem vez”, afirma categoricamente Farmery.

Depois desse primeiro contato, pude conhecer o estádio Fratton Park no dia 16 de abril, na derrota para o Plymouth pela League Two. Cheguei ao local com uma hora de antecedência para sentir aquela atmosfera única, de pessoas realmente envolvidas com um time de futebol, que lotam todos os jogos do Pompey na sua casa, seja em qual divisão ou campeonato o time estiver. Comecei meu passeio na tradicional porta de entrada, na espremida Fratton Road, e dei várias voltas ao redor dele para ver de perto as pessoas que contribuíam, em menor ou maior escala, para que o clube não fosse extinto. A torcida é uma das mais barulhentas da Inglaterra e vi isso na prática.
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Foram oito jogos ao todo seguindo o Portsmouth FC, nos jogos no Fratton e nas outras cidades, com o apoio do clube. Fiz uma série de matérias sobre estes jogos e momentos para meus parceiros de mídia, e algumas dessas reportagens podem ser encontradas no meu blog (http://arquibancadafclube.blogspot.co.uk/). Nas longas viagens que fazia no ônibus junto com os torcedores, que duravam em média cinco horas, ouvi relatos genuínos de amor pelo clube.
Um deles foi Paul Allen, torcedor assíduo do time desde a década de 70. “Acompanho esse clube desde que era um ‘bambino’, e já passamos por altos e baixos. Apesar de estarmos na quarta divisão, todos reconhecem o empenho do Pompey Supporters Trust, e acreditamos num futuro melhor”, diz Allen, que fez a gentileza de trocar comigo a camisa do Pompey por uma do Vasco da Gama que havia trazido para a Inglaterra. Conheci também Paul Banks, que possuí a casa temática do Portsmouth, e Stephen Tovey, que guiava as excursões nos “away games”, e muitos outros que me inspiraram a acreditar num futuro melhor para o futebol.

Tive a oportunidade de ver jogos em diferentes países nesta temporada, de clubes como PSG, Manchester United, Ajax, Liverpool e Rangers, e posso afirmar que fiquei decepcionado com o que vi. Não estou falando do que acontece dentro de campo, mas fora dele. Mesmo no mítico Anfield Road, com atmosfera tão comentada, não fiquei impressionado. Após o bonito “You’ll never walk alone” antes da bola rolar, o que vi foram longos silêncios durante o jogo contra o Augsburg pela Liga Europa.
Até o treinador Klopp chamava a torcida para apoiar o time em algumas ocasiões. A impressão que eu tive desses grandes times foram uma torcida repleta de turistas, clubes feitos para o comércio, visando apenas o lucro. Sempre que vejo os jogos de times ingleses pela TV tomo um susto, pois vejo torcidas cantando à plenos pulmões, mas dentro do estádio é totalmente diferente.
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No Fratton Park ou qualquer outro estádio em que fui nesta League Two, acompanhei uma torcida de verdade, que chegava a soar mais alto que a torcida dos adversários fora de casa. Hoje o Pompey Supporters Trust conta com planos a partir de £5 libras mensais, e todos os torcedores que entrevistei nos 35 dias em que estive na cidade colaboraram de alguma forma com o programa. Conheci o simpático Ian MacInes, designado como presidente do movimento desde 2013, durante a viagem à cidade de Hartlepool, aonde o time jogaria pela quarta divisão.
O simpático mandatário disse que os planos de retomada das grandes conquistas demandaria tempo, e o planejamento não será interrompido pelo que acontece dentro de campo. “Vamos seguir com nossos planos, sempre com as contas em dia e pagando os funcionários corretamente”, disse McInnes, que individualmente doo mais de £1 milhão para o Portsmouth.
Vender o clube para sheiks do Quatar ou empresários americanos, como fizeram alguns clubes ingleses, está fora de cogitação. As metas futuras são à volta da equipe para a Premier League e a construção de um novo estádio.
– Assim como Charles Dickens, é motivo de orgulho da cidade
O escudo do clube também é o mesmo do emblema da cidade, e isso não é por acaso.
Após cada resultado, positivo ou negativo, é visível o impacto do Pompey nos moradores do município, mesmo os que nem gostam de futebol. Ele representa a cidade e também é motivo de orgulho, assim como o escritor Charles Dickens (que nasceu em Portsmouth) e o fato do município ser sede da marinha real inglesa. No último domingo (15), o time se despediu da temporada após perder por 1 a 0 para o Plymouth, nas semifinais dos playoffs da League Two.
Se vencesse, voltaria a disputar um jogo em Wembley após oito anos, na final do torneio. Mas a derrocada veio no último minuto da prorrogação, com o gol de cabeça de Peter Hartley. Fiquei triste por não poder cobrir um jogo em Wembley ainda este ano, e pelo desolamento na torcida adversária. Saí da cabine de imprensa no segundo tempo para acompanhar de perto, num sol escaldante de primavera, a torcida do Pompey, que lotava os quase dois mil lugares no setor visitante.
 Eles são os donos do time, os que decidem as diretrizes e mudaram sua história. Eles também choram e sorriem, dependendo do momento do Portsmouth, desde 1898, data de fundação do clube, muito antes do Pompey Supporters Trust ser criado. São eles também que verão bravamente a equipe iniciar a temporada 2016-2017 no quarto ano seguido na League Two, lotando o estádio em todos os jogos no Fratton Park e em qualquer espaço destinado para em estádios de times adversários.
Para mais informações sobre o PST (http://www.pompeytrust.com/)
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