Com fibromialgia, professora do interior é obrigada a trabalhar em zona rural e recorre à justiça: “Me sinto lesada”

A professora da zona rural do município de Marechal Thaumaturgo, Auriane da Silva Andrade, de 37 anos, portadora da síndrome de fibromialgia, passa por uma batalha judicial que envolve a condição de saúde dela e a secretaria municipal de educação local. Trata-se de uma decisão da Comarca de Cruzeiro do Sul, emitida no último dia 09, referente ao requerimento de transferência da servidora para as escolas da zona urbana do município que, por sua vez, foi negado.

A escola onde Auriane trabalha, intitulada Mamízia Cruz, fica localizada na Vila Triunfo, baixo rio Juruá, que dura cerca de duas horas de barco até chegar à localidade. Segundo o requerimento da funcionária, ela pede remanejamento em decorrência da síndrome de fibromialgia e transtorno depressivo recorrente, que necessitam de acompanhamento fisioterápico e psicológico de forma semanal, o que, segundo ela, gera desgaste físico, emocional e financeiro, visto que, em média, ela se desloca à sede municipal pelo menos 12 vezes ao mês para fazer o tratamento que não possui na vila onde dá aula.

“Me sinto lesada”, disse. Foto: Reprodução

LOTAÇÃO

Em contato com o ContilNet, Auriane explicou que, antes de levar o caso à Justiça, apresentou à secretaria municipal o requerimento em conjunto com os laudos comprobatórios que atestam a síndrome, desenvolvida após a gravidez. A resposta, dada pelo secretário de educação local, Eclínio Furtado, no dia 06 de maio de 2021, ao pedido da professora, foi de que não haveria a possibilidade de remanejamento da funcionária por falta de vagas.

“Sua lotação fica mantida na escola Mamízia Cruz, tendo em vista que as escolas localizadas na zona urbana não há vagas disponível para a lotação na função de professor, bem como em função correlata, considerando que todas as funções classificadas como exercício de magistério estão devidamente preenchidas pelo processo de gestão democrática ocorrida em 2018, com ingresso a partir de janeiro de 2019”, diz a resposta dada e assinada por escrito, que complementa que “(os tratamentos) ainda podem ser conciliados (com a rotina de trabalho)”.

DECISÃO JUDICIAL

Nesta situação, é válido destacar que a servidora já chegou a atuar nas escolas da zona urbana do município em 2019, de forma temporária. No entanto, a prefeitura a mandou novamente para a vila. “Já era para eu estar na comunidade exercendo minhas funções, mas eu não tendo condição. Eu e minha família moramos lá por oito anos e, na época que eu estava lá, fiz o concurso efetivo e desde 03/11/2014 estou alocada como professora P2, e vinha trabalhando lá por cinco anos. No início da gravidez, tive depressão pós-parto e, como ainda sou portadora de fibromialgia, de lá para cá, mesmo fazendo os tratamentos, tenho piorado muito”, falou.

Ainda de acordo com a reclamante, a advogada que está cuidando do caso afirmou que, muito provavelmente, o juiz baseou a decisão a partir do estatuto do servidor que, dentre os pontos, não resguarda transferência por motivos de saúde. A decisão judicial diz que “o pedido da reclamante não veio fundado em norma expressa que lhe confira remoção diante da situação de fato alegada, aspecto este que inviabiliza o reconhecimento da probabilidade de direito em sede de cognição superficial”.

“EU QUERO SER ASSEGURADA”

Auriane disse que está cada vez mais complicada a questão do deslocamento que considera longo e exaustivo. “Eu vou para o trabalho e quando chego em casa, fico prostrada no chão por não me aguentar de dores no corpo, e a fibromialgia me causa isso. Independente de qualquer movimento que eu faça em excesso, me causa dor. A secretaria alega que não tem vaga e que não podem me colocar em outra função pois não existe base legal para isso. E eu não tenho condições físicas, financeiras e psicológicas para ficar me desgastando e ficando cada dia mais doente”, disse.

A servidora complementa, ainda, que todos os envolvidos conhecem a situação dela e que vai recorrer da decisão, justamente por acreditar que a síndrome é motivo suficiente para que a transferência seja aceita. “É possível, ao meu ver, eles aceitarem, facilmente, minha lotação aqui dentro (da zona urbana). Só os laudos que eu apresentei já seriam o suficiente. A gente fica se perguntando o porquê (de não acatarem ao pedido), e como nós não nos manifestamos politicamente, eu me sinto lesada porque, no meu ponto de vista político, vejo eles como interesseiros, só fazem aquilo que os interessam. Eu não quero ganhar mais, não quero ganhar sem trabalhar, como já ouvi, mas eu quero ser assegurada pois sou portadora de uma síndrome que me debilita muito. Todo mundo aqui é ciente da minha situação. Ninguém pode se dar de inocente nesta história”, complementou.

POSICIONAMENTO DA SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO

O ContilNet procurou a Secretaria Municipal de Educação de Marechal Thaumaturgo acerca da situação, que se posicionou dizendo que o motivo pelo qual a servidora foi realocada novamente na Vila Triunfo foi em decorrência de questões em torno de regularização.

“O que ocorre é que essa professora prestou concurso público em 2014 com vagas exclusivas para zona rural. Ela foi lotada devidamente e em 2019 foi provisoriamente lotada numa escola da zona urbana. Em 2021, a secretaria de educação precisou fazer um processo de regularização de lotação de servidores, tendo em vista que haviam muitas irregularidades”, falou, mostrando o Decreto de nº 089, de 25 de janeiro de 2021, que convocou os profissionais da educação para a regularização do processo de lotação para a continuidade do ano letivo de 2020.

A secretaria complementou, ainda, que em nenhum momento, eles desconsideraram o problema da professora. “Há professores que residem na sede (do município) e que prestam serviço em escolas rurais próximas. Essa professora preferiu ser lotada novamente na escola de origem na Vila Triunfo. Para manter a lotação da mesma e de vários outros professores do mesmo concurso, todos tiveram suas lotações reposicionadas novamente em escolas rurais”, finalizou.

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