Em 1965, auge da ditadura militar, Jorge Mautner, um dos artistas mais completos da marcante Música Popular Brasileira, compôs uma música cujo título dizia tudo o que ia pela cabeça dos que se opunha àquele regime de botas e generais fardados e de nenhuma liberdade: “Não, Não , Não”.
Mais que uma musica, aquela música era um grito contra a opressão que, para desgraça nossa, se mostra mais atual do que nunca. A sorte é que artistas como Jorge Mautner, do alto de 80 anos de idade e de jovialidade capaz de resistir até uma pandemia, que não lhe conseguiu calar a voz, sabem que o novo sempre vem.
Por isso, lado da de sua parceria, a jovem cantora Cecília Beraba, regravou o rock “Não, Não , Não”. A música foi composta o país vivia o começo dos “anos de chumbo”, como ficou conhecido o período do regime militar. Era um manifesto contra a opressão em todas as suas esferas e foi o primeiro lançamento de sua extensa carreira musical.
Os versos ressurgem incrivelmente atuais, 56 anos depois de escritos. Quem, diante das barbaridades expressadas pelos políticos nas redes sociais e do aumento da fome e do desemprego no país não tem vontade de gritar? Eis um trecho:
Dói, dói, dói no coração.”
Foi a semelhança dos dias atuais com os tempos sombrios da ditadura militar que estimulou a dupla Mautner/Cecília a regravar o single, que chegará às redes sociais antes do fim de agosto. A música também denuncia a discriminação contra as mulheres e o descaso com a desigualdade social.
“No Brasil, mata-se uma mulher a cada sete horas. Vivemos um horror permanente. A desigualdade não será resolvida enquanto não tivermos uma segunda abolição. Enquanto não houver reforma agraria de verdade para que todo o cidadão brasileiro possa ter sua terrinha, seu dinheiro e principalmente educação, do jardim de infância a universidade, grátis e com alimentação para os estudantes, não adianta nada. Se não for assim, a nação se despedaça” , diz Jorge Mautner.
Ele tinha 24 anos quando a compôs a música, mas já era um escritor reconhecido. Acabara de ganhar o Prêmio Jabuti com o livro “Deus da Chuva e da Morte” e tinha uma coluna no jornal Última Hora, de Samuel Wainer.
Pouco depois dessa estreia musical, Mautner foi enquadrado pelo regime militar na Lei de Segurança Nacional e deixou o Brasil para não ser preso. Morou alguns anos nos Estados Unidos e Europa, onde nasceu sua amizade com Gilberto Gil e Caetano Veloso.
O single “Não Não Não” dá continuidade à parceria artística entre Cecília Beraba e Jorge Mautner, que já resultou no disco “Eterno Meio-Dia”, lançado nas plataformas digitais em março deste ano. O disco reúne onze canções que são frutos da afinidade artística dos dois e da amizade estreitada nos últimos cinco anos. Eles já assinam juntos mais de trinta músicas.
“Não Não Não” foi produzido com os cuidados sanitários que a pandemia exige. Mautner e os músicos gravaram isolados em suas respectivas casas. A capa do single foi feita pelo conceituado cartunista e artista plástico Allan Sieber.
A mixagem e a masterização são de Leo Moreira, guitarras de Glauber Seixas, bateria de Thomas Harres, pianos e sanfona de Antônio Guerra e baixo de Gabriel Loddo.
Veja a letra da música
Não, não, não (Jorge Mautner)