Ecos do Silêncio: Ministério Público do Acre aprova lei de combate ao abuso sexual

Dona de um rosto com nariz pequeno, bochechas delineadas, boca bem desenhada e dentição perfeita, ela tinha o que se convencionou chamar de feições harmonizadas. Aos 15 anos de idade, com estatura além da mediana e alta para os padrões das mulheres acreanas, também tinha o corpo perfeito, ornado por cabelos incrivelmente negros e longos, realçando com olhos negros, grandes – uma beleza típica da mulher amazônida.

Enfim, uma moça muito bonita que, por compreender que a própria beleza correspondia aos exigentes padrões das passarelas de modas, sonhava em ser modelo internacional, com dinheiro, casa própria, bom carro, fama e, quem sabe, conhecer o mundo e, mais tarde, quando se aposentasse do mundo da moda, casaria, teria filhos e a própria família – ela costumava repetir isso aos muitos amigos e amigas.

A menina sonhadora e consciente de seus belos atributos físicos adorava fotografias e espelhos. Sempre com a câmera do celular em uso, ela espalhava sua beleza em fotografias aos amigos e amigas através de redes sociais.

Mas os mesmos amigos e amigas, principalmente na escola onde a moça estudava, passaram a perceber que ela, aos poucos, estava se tornando diferente. Ao invés do belo sorriso, que era quase sua marca, passara a ser uma moça triste, fechada e que já não olhava no rosto de quase ninguém, sempre cabisbaixa. Nos intervalos das aulas, preferia se isolar e pouco usava o celular e até havia deixado de usar as redes sociais, coisa muito estranha para uma jovem vaidosa em tempos de rede mundial de computadores e de relações digitais. Também já não usava maquiagem e as roupas já não eram tão coloridas. Andava com o básico, abandonara a vaidade e até deixara de tirar e enviar suas belas fotografias.

A jovem suicidou-se a poucos metros da escola onde estudava/ Reprodução

Até que, em 27 de setembro de 2018, a última fotografia da jovem quem a tirou foram peritos da polícia técnica do Instituto Médico Legal (IML). Seu corpo estava estendido no chão, irreconhecível, esmagado. A bela jovem, Giovana Mendonça de Melo, agora era um cadáver. Naquele dia, ela havia se jogado contra um carro que trafegava em alta velocidade no quilômetro 11 da BR-364, no território do município de Acrelândia, na região do Abunã, interior do Acre. A jovem suicidou-se a poucos metros da escola onde estudava e a quatro quilômetros da residência de seus pais.

A princípio, o caso seria apenas mais um suicídio de uma jovem depressiva, prática comum nos últimos tempos e motivo de preocupações do poder público ao ponto de o mês 09 de cada ano levar o nome de “Setembro Amarelo” e ser período de campanhas de prevenção contra a prática. O inquérito instaurado pela Polícia Civil de Acrelândia, com o acompanhamento da Promotoria de Justiça do município, exatamente para investigar as causas do suicídio da jovem, teria ligações com as mortes dos pais de Giovana: Nelson Luiz Bello, de 58 anos, e Deusilene Vieira, de 55, foram encontrados mortos na residência em que viviam, localizada no quilômetro 7 no Ramal Cumaru, zona rural Acrelândia, cinco meses após o suicídio da filha única de ambos.

A polícia descobriu que as mortes tinham a ver com o suicídio de Giovana porque Nelson Luiz Belo matou a esposa Deusilene a tiros de pistolas e, em seguida, suicidou-se, por enforcamento. Com a esposa morta, ele colocou uma corda no pescoço, subiu numa cadeira e a empurrou com os pés, sendo encontrado pendurado pela corda, levando consigo para o imponderável os segredos do estupro da própria filha, concluiu a polícia técnica.

Respeitado na sociedade de Acrelândia como empresário rural, Nelson Luiz teria cometido o crime de feminicídio seguido de suicídio para evitar a condenação moral ao ser apontado como abusador sexual e causador do suicídio da filha, ocorrido meses antes.

Em janeiro de 2020, outro caso de suicídio de adulto envolvendo abusos de crianças, desta vez em Tarauacá, também interior do Acre. O suicida era pai de uma menina de 10 anos que deu à luz um menino no início do mês de abril de 2020, na Maternidade Bárbara Heliodora, em Rio Branco, no Acre. O bebê nasceu de um parto cesariano e precisou ser encaminhado para a Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTI) da unidade.

A gravidez da criança foi denunciada na época, em Tarauacá, pela então vereadora Janaina Furtado. O pai da menina, que não teve o nome revelado para evitar também a possível identificação da criança, era apontado como o adulto que dormia com a criança numa cama de casal, na companhia de uma outra menor mais nova, e com as quais manteria relações sexuais. A mãe das crianças havia abandonado a casa, localizada num seringal de Jordão, um dos municípios mais isolados do Acre. Um vizinho também era suspeito de abuso. Pai e vizinho foram presos e ouvidos pela polícia. Quatro meses antes de a criança dar a luz ao filho, o pai apareceu morto na cela da delegacia onde estava preso como suspeito, que teria se suicidado.

Os dois casos – o da menina de Acrelândia e o da de Tarauacá -, que já eram capazes de alarmar as sociedades dos dois municípios, chamou ainda mais a atenção do promotor de Justiça Júlio César de Medeiros, um paulistano de Araçatuba, de 35 anos de idade, que integra o Ministério Público do Acre (MPAC) desde 2014. Ele serviu inicialmente na comarca de Manuel Urbano, na região do Purus, e ali travou contato com os primeiros casos de abuso sexual contra vulneráveis. “Em Manuel Urbano, nós denunciamos, em nove meses, muito mais casos do que o que foi denunciado no período de nove anos”, disse o promotor, que depois serviria em Acrelândia e Tarauacá, onde travou contato com aquelas ocorrências trágicas de suicídios depois de abusos contra vulneráveis.

Em 3 anos, AC registra 487 estupros de vulneráveis; 92 só no primeiro semestre de 2021 e o número pode ser maior

O caso de estupro de vulneráveis no Acre é de tal tamanho que, estudos do Núcleo de Apoio Técnico (NAT) do MPAC, revelam que, nos últimos três anos, pelo menos 487 menores, caracterizadas como vulneráveis, foram estupradas no Estado. Os dados mostram que, em 2019, foram 172 casos, com registro de pequena queda em 2020, com 155 casos, e uma espécie de explosão no auge da pandemia do coronavirus, quando as famílias, por imposição das exigências sanitárias, tiveram que permanecer mais tempo em casa. Neste período do primeiro semestre de 2021, já foram registrados 92 casos, sendo que este número já é maior do que aquele registrado no primeiro semestre de 2019, com 91 casos e 61 no igual período de 2020.

O pior é que, segundo o promotor Júlio César de Medeiros, esses números na realidade podem ser bem maiores, já que os registros sobre os casos são quase sempre subnotificados. Ou seja, muito mais meninas podem ter sido abusadas sem que os casos tenham chegado ao conhecimento das autoridades e uma das estratégias é monitorar o nascimento de crianças filhas de mães adolescentes com idades dentro do princípio de que elas são ainda menores vulneráveis.

Promotor Júlio César de Medeiros/ Reprodução

“Ecos do Silêncio”, o projeto que visa dar a voz a quem sofre abusos e não tem coragem de denunciar

Chocado com os números e com as ocorrências trágicas após os abusos, como os casos de Acrelândia e Tarauacá, o promotor decidiu que era necessário fazer alguma coisa além de apenas ficar sentado em seu gabinete à espera de casos concretos para a aplicação a lei. Foi a partir dos casos concretos com os quais travou contatos que ele criou o projeto que chamou de “Ecos do Silêncio” – coincidência ou não, nome de um livro de autoria conjunta de Cassandra Pereira França, Adriana Noemí Franco, Anna Paula Njaime Mendes.

As autoras partem do princípio de que a sexualidade humana é inerentemente traumática, na concepção de Joyce McDougall, uma neozelandesa radicada na França e já falecida que, desde os anos 50, ficou reconhecida internacionalmente por ser uma psicanalista de casos “difíceis” e investigar temas da clínica contemporânea. Ela dizia que “se já não conseguimos alcançar uma narrativa que comporte o sexual freudiano, imagine quando estamos diante dos excessos, do que transborda, do que não tem contorno, representação, do que não tem palavra. A sessão de análise é o lugar de narrar a dor, de transformar a dor. Um sujeito que narra a própria dor, dá continência e existência ao que era apenas silêncio e trevas. No entanto, é preciso ter coragem para ser narrador da própria história, narrador dos excessos vividos, do excesso do sexual e do traumático”. A ser verdadeiro este conceito, a bela Giovana, de Acrelândia, não teve esta coragem.

Por isso, para que seu sacrifício não tenha saído em vão, o Ministério Público do Estado do Acre (MPAC), através do promotor Júlio César de Medeiros, criou o projeto que, além de buscar a punição dos culpados e a prevenção de casos, aborda os casos de adolescentes vítimas de abuso sexual e ou com problemas de saúde mental com origem nos atos dos abusadores.

O projeto tem abrangência estadual e conta com vários parceiros, como o Conselho Tutelar, psicólogos do Creas (Centro de Referência de Assistência Social do Brasil, uma unidade responsável pela oferta de serviços de proteção básica do Sistema Único de Assistência Social, nas áreas de vulnerabilidade e risco social), Assistência Social, psicologia do Nasf (Núcleo Ampliado de Saúde da Família e Atenção Básica, criado pelo Ministério da Saúde em 2008 com o objetivo de apoiar a consolidação da Atenção Básica no Brasil, ampliando as ofertas de saúde na rede de serviços, assim como a resolutividade, a abrangência e o alvo das ações), além de professoras da rede de ensino fundamental e médio, gestoras das escolas, Polícia Militar, Delegacia de Polícia Civil, Centro de Atendimento à Vítima (CAV), órgão do MPAC, e Unidades Básicas de Saúde. O objetivo do projeto é “aprimorar a efetividade da persecução cível e penal, assegurando ainda direitos e garantias a acusados e vítimas” – ou seja, identificar e punir, criminalmente, os molestadores de crianças e adolescentes e estender as punições aos pais, mães e responsáveis que se omitem nas denúncias ou na proteção dessas vítimas, “aprimorando a efetividade da persecução penal em relação ao abuso sexual infantil e, ao mesmo tempo, prevenir problemas de saúde mental nas vítimas”.

O objetivo, segundo a justificativa do projeto, que deve concorrer ao prêmio anual interno do MPAC sobre práticas originais e inovadoras dos membros do Parquet, visa a “diminuição de casos de automutilação ou tentativa de suicídio; e aumento das Notificações ao Conselho Tutelar, visando prevenir crimes de abuso sexual infantil; aumento do número de denúncias oferecidas pelo MP; aumento do número de prisões preventivas de genitores omissos do dever legal de evitar o abuso sexual infantil; aumento das comunicações dos Cartórios ao MP”.

A outra meta é o atendimento psicológico com prevenção a abusos sexuais e prevenção de problemas de saúde mental a fim de evitar o surgimento de mais casos como o de Giovana e de tantos outros que não vêm à público porque as ocorrências são subnotificadas – ou seja, por fatores diversos – medo, vergonha e outros, casos de violações de menores vulneráveis deixem de ser registrados.

O cronograma do projeto informa que seu início deu-se em Manoel Urbano em 2019, aperfeiçoado em Acrelândia em 2020 a 2021 e com continuidade em Tarauacá durante o ano de 2021, as comarcas por onde tem passado o promotor Júlio César Medeiros, na sua luta contra o abuso sexual e à pornografia infanto-juvenil. É o promotor que informa a origem de sua proposta:

“O Projeto Ecos do Silêncio é inspirado em uma importante obra literária que retrata as reverberações do traumatismo sexual, e foi planejado em virtude da instauração do Procedimento Administrativo nº 09.2018.00000738-5, o qual apura as causas de suicídio de uma adolescente em Acrelândia, a qual possivelmente era vítima de abusos sexuais desde a tenra idade. Nessa ambiência, o Projeto envolve uma série de estratégias complexas que visam, ao mesmo tempo, prevenir e combater mais eficazmente tanto o abuso sexual infantil quanto os problemas de saúde mental proveniente desse público-alvo infantojuvenil no município”.

Para o promotor, há a necessidade de prevenção a casos de tentativa de suicídio praticados por vítimas de abuso sexual infantil. Sobre isso, Acrelândia se destaca como um dos municípios com maior índice de suicídio no Estado do Acre. “Trata-se de uma resposta à situação de gravíssima de tentativa de suicídios, automutilações e suicídios, a fim de que o sangue derramado não tenha sido “em vão”, servindo este Projeto de Instrumento a fim de que vidas sejam preservadas, e que jovens vítimas de abuso sexual e com risco de tentativa de suicídio não fiquem “em silêncio”, diz o promotor em sua justificativa do projeto.

Presidente da Aleac, Nicolau Junior e governador Gladson Cameli/Foto: Eduardo Silva

Governo e Aleac dão efetividade à lei proposta pelo MPAC

De acordo Júlio César de Medeiros, “foi verificada a posição do Estado do Acre como destaque negativo nacional no aspecto abuso sexual infantil, razão pela qual é imprescindível a adoção de providências a fim de prevenir tais crimes e, principalmente, garantir a repressão efetiva”. A iniciativa promove seu objetivo estratégico aprimorando a persecução penal a fim de conseguir alto índice de denúncias, prisões e condenações pela prática do estupro de vulnerável, ao estimular Notificações obrigatórias pelas unidades de saúde, cartórios e atuando na defesa dos direitos das crianças e dos adolescentes vítimas de abuso sexual. Isso visa combater a subnotificação excessiva de estupro de vulneráveis, sobretudo, durante a pandemia do coronavírus, em que a sociedade ficou reclusa em suas próprias residências, com aumento da vigilância e controle do estuprador em relação à vítima.

O projeto, que virou lei aprovada pela Assem Legislativa do Estado do Acre (Aleac), torna obrigatória as notificações de abuso sexual, por hospitais, unidades de Saúde e cartórios, além da confecção de Relatórios Psicológicos das vítimas, a fim de aferir a credibilidade da palavra da vítima em juízo, e prevenir suicídios e/ou automutilações. Ou seja, a partir desta lei de inciativa do MPAC, toda vez que uma menor de 14 anos der a luz numa dessas unidades de saúde, o órgão ministerial tem que ser avisado. A lei mereceu elogios do presidente da Aleac, deputado Nicolau Júnior (PP) e também do governador Gladson Cameli (PP) ao sancioná-la. Com sua validação, a nova lei estadual determina aos Cartórios alinhamento à campanha nacional de prevenção à gravidez precoce e ao planejamento familiar.

O promotor Júlio Cesar Medeiros diz que o trabalho começou com o recorde de denúncias oferecidas pelo Ministério Público em Manoel Urbano e em Acrelândia. As denúncias, pela primeira vez, resultaram em prisões de genitores omissos. Para que o projeto e a própria lei tenham eficácia, é necessário, segundo o promotor de Justiça, a manutenção da proatividade e integração com Conselho Tutelar, Unidades Básicas de Saúde, Hospitais e Cartórios, além da necessidade de alinhar, com a Polícia Civil, o indiciamento de genitores omissos. “Por fim, a maior cooperação de todas ocorreu com o Centro de Atendimento à Vítima (CAV) do MNPAC, que deflagrou uma Operação de combate ao abuso sexual infantil em plena pandemia do Covid-19”, disse o promotor.

Promotor Júlio César de Medeiros/ Reprodução

AC teve aumento de 51% de estupro de vulnerável em 2021

ContilNet – Há estatísticas sobre casos de crimes sexuais contra menores no Acre?

Júlio Medeiros – Infelizmente, nosso estado é marcado por altos índices de abuso sexual infantil. Mais especificamente, segundo o Observatório de Análise Criminal do Núcleo de Apoio Técnico do Ministério Público, houve um aumento de 51% de estupro de vulnerável no primeiro semestre de 2021, quando comparado ao mesmo período de 2020, totalizando 92 casos apenas nesse curto período. Apenas para se ter noção, em frequência absoluta, foram 177 casos durante o ano de 2019; e 155 casos de estupro de vulnerável ocorridos em 2020. É óbvio que esse aumento exponencial tem relação direta com o auge da pandemia do Covid-19 no Acre, o qual impôs consequentemente maior rigor no isolamento social. Como resultado, observamos uma verdadeira “pandemia da criminalidade”, sobretudo, em ambiente doméstico.

Outro ponto interessante é que esses delitos sexuais, em regra, são praticados na clandestinidade, geralmente pelo próprio pai ou padrasto, ao passo em que o agressor passou a ter maior controle e vigilância sobre a vítima, durante esse período. Consequentemente, além do aumento exponencial de abusos sexuais durante a pandemia, entendo que houve uma subnotificação excessiva, causando aquilo que se chama de “cifra negra”, que são os crimes praticados que sequer chegam ao conhecimento das autoridades competentes, tais como: Conselho Tutelar, Polícia e Ministério Público.

ContilNet – As pessoas mais violadas por este tipo de crimes são meninas não é?

Júlio Medeiros – Sim, as vítimas do crime de estupro de vulnerável são crianças e adolescentes menores de 14 anos. É importante destacar que esse crime não pode jamais ser tolerado. Temos um caso de estupro de uma criança de 03 anos, em Jordão, e sabemos como é a luta das mulheres indígenas contra essa prática, e neste caso, inclusive, pedimos a condenação do agressor a penas severas. Todavia, é válido frisar que meninos também sofrem abuso sexual, e isso precisa ser melhor apurado, e informado à sociedade, bem como deve ser realizado o primeiro atendimento de forma humanizada, seja na Delegacia de Polícia ou mesmo no momento de se realizar eventual exame no Hospital, a fim de se evitar qualquer comportamento discriminatório.

ContilNet – O senhor escreve em seu projeto sobre um crime ocorrido em Acrelândia em que, em seguida ao suicídio da jovem, o pai se suicidou após, ao que parece, matar a mãe. O senhor poderia falar um pouco sobre este episódio? Quando foi isso e qual conclusão da polícia sobre o caso?

Júlio Medeiros – Esse episódio extremamente grave, em que uma jovem se suicidou, e logo após o pai se suicidou após matar a mãe da jovem a tiros de pistola, chamou muita atenção para um tema que é justamente as reverberações traumáticas advindas de um abuso sexual, e o quanto isso pode ser severo com a saúde mental das vítimas. Neste caso específico, por exemplo, já existia um Inquérito Policial investigando a prática de estupro de vulnerável contra aquela vítima, sem que ainda tivesse sido apontado o autor do crime. Caso similar ocorreu em Tarauacá, onde uma criança de 10 anos engravidou, e diante da possibilidade da realização do exame de DNA, o pai da vítima se suicidou. Esse, inclusive, é o grande diferencial do Projeto “Ecos do Silêncio: Reverberações do Traumatismo Sexual Infantil”, pois ele visa, ao mesmo tempo, combater o abuso sexual infantil e prevenir problemas de saúde mental, com diversas ações e estratégias, sem que nenhuma delas possa ocorrer de forma isolada.

ContilNet – O senhor está concorrendo ao prêmio interno do MPAC. Espera ganhar?

Júlio Medeiros – O objetivo do projeto não é ganhar prêmio, mas sim impactar a sociedade, e defender a integridade das nossas crianças e adolescentes; se ele for premiado, é apenas uma mera consequência, algo supérfluo. O que realmente importa são os resultados em prol dos nossos infantes, pois sabemos e sentimos na pele o quanto é importante preservar uma infância sem traumas sexuais, sem automutilações e sem tentativas de suicídio. Para tanto, as ações do projeto não podem ficar “caladas”, elas devem ter uma abrangência estadual e, sim, que bom se tivesse uma abrangência nacional, porque sabemos como esse tema é caro: são milhares de crianças violentadas em nosso país, todos os anos. Inclusive, há a previsão no projeto do desenvolvimento da campanha “Tudo tem o seu tempo” visando a conscientização das adolescentes sobre gravidez precoce, introduzindo o tema: “Adolescência 1º, gravidez depois”, a fim de realizar um alinhamento institucional à estratégia nacional deflagrada por parte da ministra Damares Alves. Um outro ponto bem importante é divulgar a possibilidade não apenas de denúncia, mas de prisão preventiva de genitores omissos, pois sabemos que os pais das vítimas têm o dever jurídico de impedir o abuso, quando há ciência do crime, e possibilidade de agir, sendo que, para tanto, basta acionar o Conselho Tutelar, a Polícia Civil ou o Ministério Público. Precisamos cobrar com mais rigor as responsabilidades dos pais.

ContilNet – Há projetos semelhantes no país?

Júlio Medeiros – Esse projeto foi inspirado em uma obra literária, e aperfeiçoado com dezenas de ações e estratégias, a partir da análise do caso concreto acima citado, envolvendo o suicídio de uma linda jovem. Não há projeto semelhante, ao menos que tenhamos ciência, que trate no país um problema tão grave com esta amplitude e abordagem específica em relação ao aperfeiçoamento da persecução penal e, ao mesmo, prevenindo problemas de saúde mental, seja com a implantação do CAPS, com a designação de psicólogo para atender as demandas específicas do Conselho Tutelar ou mesmo com a deflagração de Operação de combate ao abuso sexual infantil, e conjunto com o Centro de Apoio à Vítima (CAV) do MP, em pleno auge da pandemia do coronavírus, como, de fato, foi realizada em Acrelândia, em julho de 2020. O que há de semelhante são ações como a implantação de Fichas de Notificações no ambiente escolar, e nas Unidades Básicas de Saúde, o que no nosso projeto ainda foi aperfeiçoado, inclusive, com a aprovação da lei estadual determinando aos Cartórios de todo o Acre que informem o Ministério Público sobre o registro de nascimento por genitores menores de 14 anos, remetendo a Certidão.

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