Eram pouco mais de 7 horas da manhã quando o caminhoneiro Sérgio Oliveira chegou para entregar uma carga contendo produtos de limpeza doméstica na unidade da rede Atacadão, em Rio Branco. Depois de sair de São Paulo (SP) e percorrer mais de três mil quilômetros, o profissional estava apreensivo, pois sabia, que mesmo com agendamento marcado para finalmente concluir o serviço, tinha sido alertado pelos colegas de volante dos transtornos que iria enfrentar pela frente.
O primeiro deles se mostrou logo na chegada ao supermercado. Diferente de outras lojas da própria empresa e dos concorrentes, o único Atacadão do Acre não oferece nenhum tipo de estrutura para receber os caminhoneiros vindos de todas as regiões do país enquanto aguardam sua vez na fila de espera.
Todos os veículos ficam estacionados sob o forte sol, em uma rua estreita construída exclusivamente para dar acesso ao depósito do empreendimento localizado às margens da movimentada rodovia BR-364, no bairro Floresta Sul.
Neste período do ano, o Acre enfrenta o auge do verão amazônico. Agosto e setembro são considerados os meses mais quentes do ano. Na maior parte do dia, as temperaturas sempre ficam acima dos 30 graus centígrados, com sensação térmica ultrapassando rotineiramente os 40 graus.
Em condições praticamente desumanas, os caminhoneiros não contam com fácil acesso a banheiros para fazer suas necessidades fisiológicas. Para chegar ao mais próximo é preciso tocar uma campainha e pedir permissão. Porém, do outro lado, quase sempre ninguém atende aos chamados. A única solução é utilizar os sanitários disponíveis aos clientes dentro da loja, que fica distante, ou dependendo da situação, a própria rua acaba sendo utilizada de maneira improvisada.
Pela primeira vez, em 24 anos de profissão, Sérgio viajou acompanhado da esposa e do filho. Enquanto aguardava a vez para descarregar, o caminhoneiro preocupado com o pequeno Enoch colocou um colchão na calçada para que a criança de um ano e meio de idade não sofresse com o intenso calor. Perto dali, várias sacolas com lixo estavam espalhadas pelo chão.
“A gente se sente abandonado nesse lugar. Não queremos luxo, mas apenas o básico. Aqui não temos banheiro ou água gelada, por exemplo. No meu caso, que tenho uma criança pequena, tudo fica mais difícil. Nesse calor, não tem condições dele ficar dentro do caminhão e o jeito é ele ficar deitado aqui fora, que é um pouco mais ventilado”, comenta.
Caminhoneiros relatam espera de até quatro dias para descarregar
Moacir Souza Costa é um dos caminhoneiros mais revoltados com o total descaso do Atacadão. O trabalhador revela que por conta da falta de compromisso da empresa com os agendamentos é tamanha, que já precisou aguardar quatro dias para descarregar o caminhão.
“Cheguei um dia antes do agendamento e no dia do agendamento, eu não fui chamado. Eu e outros caminhoneiros tivemos que fazer confusão para nos chamar. Nisso, se passaram quatro dias. Aqui, ninguém nos dá atenção. Muitas vezes, temos que estar implorando ali no portão para alguém dar uma satisfação”, afirma.
O experiente caminhoneiro aproveitou a oportunidade para fazer um desabafo. “Quando eu fico sabendo que a carga é para o Atacadão, bate um desânimo muito grande. Eu só venho porque eu sou empregado. Se eu fosse dono de caminhão, eu não vinha de jeito nenhum”, enfatizou.
O caminhoneiro Maurício Almeida também diz ter passado pelo mesmo constrangimento. O profissional realiza entregas em outras redes de atacarejo do Brasil e afirma que apenas o Atacadão, empresa do grupo Carrefour e líder nacional em vendas no segmento, registra esse tipo de transtorno, que na maioria das vezes, traz inúmeros prejuízos as empresas transportadoras.
“Sou acostumado a entregar no Assaí e no Mineirão. Lá, eles obedecem o agendamento. A gente chega no dia e horário certo e fazemos a nossa entrega sem problema nenhum. Isso só acontece no Atacadão, que é o pior lugar do Brasil para se descarregar”, declarou.
Nem mesmo as empresas locais são poupadas das dificuldades provocadas pela falta de logística do Atacadão. Funcionários de uma distribuidora de refrigerantes relatam os aborrecimentos para realizar a entrega dos produtos.
“A empresa manda a gente para cá e ficamos aqui aguardando. Tem dias que logo somos chamados, mas muitas vezes já esperamos até seis horas da noite e nada. Como temos horário a cumprir, vamos embora e voltamos no outro dia”, argumenta um trabalhador, que pediu para não ser identificado.
“Produtos em falta no mercado têm prioridade para descarregar”, revela caminhoneiro
Vindo de Cuiabá, no Mato Grosso, o caminhoneiro Edemar Dias também aguardava para realizar a entrega de uma grande carga no Atacadão. Neste caso específico, os produtos eram perecíveis e estavam armazenados em câmara fria.
Devido a essa peculiaridade, o caminhão precisa ficar ligado constantemente. Qualquer imprevisto, como um problema mecânico, pode colocar todos os produtos em risco. Segundo Edemar, a empresa atacadista se utiliza de estratégia injusta em seu setor de descarga.
“Eles falam que o produto em falta no mercado tem prioridade para descarregar. Enquanto isso, nossos caminhões servem como depósito. Se eles não têm espaço, o problema não é nosso”, pontua.
Construção de Centro de Distribuição deve piorar situação
O Atacadão deu início a construção de um Centro de Distribuição em suas dependências. O espaço, que já é bastante limitado, deve agravar ainda mais a situação enfrentada pelos caminhoneiros dentro de alguns meses.
O Centro de Distribuição atenderá, exclusivamente, clientes que compram em grandes quantidades. Por conta disso, o fluxo de veículos pesados deverá aumentar no entorno da loja, tornando o espaço ainda mais disputado e precário.
“Sem esse Centro de Distribuição, a rua já fica cheia de carretas e caminhões, imagina depois que funcionar. A nossa vida aqui vai ficar ainda mais difícil. Estamos aqui para cumprir nossas obrigações, mas, infelizmente, está cada vez mais difícil trabalhar com esse povo”, lamenta.
Cobrança adotada por empresas atacadistas em descargas gera revolta; valor por chegar a R$ 800
A maioria dos atacadistas de Rio Branco adotam um sistema próprio de cobrança para o desembarque de cargas. Estes empreendimentos criaram empresas terceirizadas, que são as responsáveis pela descarga. Ninguém além delas tem autorização para levar as mercadorias dos caminhões até o depósito.
Este método utilizado gera um gasto extra para caminhoneiros autônomos e empresas transportadoras. “Se não for o pessoal deles, nenhuma outra pessoa pode mexer na carga quando a carreta entra no pátio da empresa. Na Gazin, por exemplo, são os próprios funcionários que fazem esse trabalho. Se tiver uma caixa com 100 itens dentro, eles abrem tudo para conferir. Isso acaba demorando muito para a conclusão da entrega”, disse um gerente de empresa transportadora, que preferiu manter o anonimato.
Outra grande reclamação é a falta de uma tabela de preços. O valor cobrado por uma caixa é definido, muitas vezes, no popular “olhômetro”. “Eles vão olhando e dando o preço. Isso é muito ruim porque não temos como ter uma noção do valor que será cobrado. Uma vez tivemos que pagar R$ 800 pela descarga de uma carreta bitrem nossa. Um verdadeiro absurdo”, comenta o gerente.
Apesar de cobrarem pelo serviço, empresas como Gazin, Karina Distribuidora, Mineirão Atacarejo e Atacadão Rio Branco não emitem nota fiscal, mesmo quando solicitada. Por si só, isso se caracteriza como crime tributário. Nestes locais, são fornecidos apenas recibos, sem nenhum valor fiscal. “A gente pede, mas eles dizem simplesmente que não emitem nota fiscal. Onde já se viu isso? Um verdadeiro absurdo”, desabafa.