Pobreza menstrual, o sangue que escorre pelas pernas: que corpos importam no Brasil?
Aproximadamente 1,24 milhão de estudantes não tem acesso a itens de saúde básica no banheiro das escolas e a maioria das pessoas que se encontram em situação de pobreza menstrual são negras (Pesquisa realizada pela SempreLivre e Instituto KYRA em 2018).
A pobreza menstrual é constituída por uma violação aos direitos de pessoas que menstruam, pela falta de acesso a itens básicos para saúde menstrual, higiene e educação acerca da menstruação. A escassez de recursos para higiene menstrual afeta mulheres cisgênero (pessoas que nascem e se identificam com o gênero atribuído ao nascimento), homens trans (pessoas que nascem designadas ao gênero feminino e se identificam como homens) e outras pessoas que menstruam (como pessoas não-binárias e outres).
A falta de absorventes acarreta que pessoas que menstruam precisem utilizar pedaços de tecidos, miolos de pão (comum no sistema prisional brasileiro), jornais e outros materiais insalubres para conter o fluxo de sangue. Essa precariedade traz prejuízos para a saúde física, como infecções urinárias e vaginais, riscos de violências sexuais em banheiros em áreas mal iluminadas. Além disso, a falta de acesso aos direitos menstruais pode resultar em sofrimentos emocionais que dificultam o pleno desenvolvimento das pessoas que menstruam. A ausência de boas condições para cuidar da saúde menstrual podem ocasionar desconfortos, inseguranças e estresse, contribuindo para fenômenos como discriminação e estigmatização. Ademais, prejudica pessoas que menstruam em idade escolar, custando dias letivos perdidos ou evasão do ambiente escolar pela falta de recursos sanitários (UNFPA; UNICEF, 2021).
Aproximadamente 1,24 milhão de estudantes não tem acesso a itens de saúde básica no banheiro das escolas e a maioria das pessoas que se encontram em situação de pobreza menstrual são negras (SEMPRE LIVRE; INSTITUTO KYRA, 2018). Entretanto, os dados e os fatos não são suficientes em um governo que preza pela vida de poucos em detrimento de muites. O Programa de Proteção e Promoção de Saúde Menstrual que previa amparo para a situação de pobreza menstrual, foi sancionado com vetos do Presidente Bolsonaro justo aos artigos que correspondiam a distribuição gratuita de absorventes para estudantes de escolas públicas e pessoas com baixa renda, em situação de rua ou prisões.
O sangue que escorre pelas pernas das pessoas que menstruam, não escorrem nas pernas do homem cisgênero, branco e heterossexual. Pergunto: se escorresse os vetos aconteceriam? A resposta é óbvia. O direito a condições básicas de vida e dignidade são asseguradas pela Constituição da República de 1988, a saúde é um direito social (art. 6º) e a União, os Estados e os Municípios são responsáveis por essa garantia. No mesmo sentido, a Lei 7.210 de 1984 prevê a assistência em saúde para as pessoas presas (Art. 10 e 11).
Contudo, o que se percebe no cotidiano é que as ações de combate à pobreza menstrual no Brasil, acabam sendo realizadas por organizações particulares, o que implica instabilidade na distribuição de itens, cenário que foi intensificado pela Pandemia da Covid-19, período em que as doações diminuíram drasticamente (ASSAD, 2021).
O argumento de que não recursos financeiros para a execução plena do Programa é falaciosa. A falta de engajamento e descaso com a vida de pessoas que menstruam se constitui como um projeto político do atual governo, reflete um problema sistêmico enraizado nas estruturas de nossa sociedade, classista, nutrida por desigualdades sociais, de raça e de gênero. É sabido que a pobreza menstrual afeta diretamente meninas, homens trans e outras pessoas que menstruam, a permanência desse cenário contribui para que essa população tenha seu desempenho escolar afetado, sua saúde física e emocional fragilizada, contribuindo para situações de vulnerabilidade econômica e social. Quem se beneficia desse cenário? Quem se beneficia com a evasão escolar dessa população?
O sangue que escorre pelas pernas das pessoas que menstruam, trazem consigo a denúncia: nesse país alguns (poucos e seletos) corpos importam.
Referências:
ASSAD, B. F. Políticas públicas acerca da pobreza menstrual e sua contribuição para o combate à desigualdade de gênero. Revista Antinomias, v. 2, n. 1, jan./jun., 2021. Disponível em: http://www.antinomias.periodikos.com.br/article/60e39095a9539505a0471774/pdf/antinomias-2-1-140.pd.
FUNDO DE POPULAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (UNFPA); FUNDO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A INFÂNCIA (UNICEF). Pobreza menstrual no brasil: desigualdades e violações de direitos. 2021. Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/media/14456/file/dignidade-menstrual_relatorio-unicef-unfpa_maio2021.pdf.
SEMPRELIVRE; INSTITUTO KYRA. Tamo juntas – milhares de pessoas que menstruam estão em estado de vulnerabilidade. 2018. Disponível em: https://www.semprelivre.com.br/tamo-juntas-milhares-de-pessoas-que-menstruam-estao-em-estado-de-vulnerabilidade.
Para contatar a autora e conhecer mais do seu trabalho, acesse:
@psi.kahuana (https://www.instagram.com/psi.kahuana/). Kahuana Leite é Psicóloga graduada pela Universidade Federal do Acre (2019) e Mestranda em Psicologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Atua em consultório particular no município de Rio Branco/Acre, atendendo adolescentes e adultos.