O ex-estudante de Medicina Veterinária da Universidade Federal do Acre (Ufac), Eduardo Sousa de Freitas, que é homem trans, não conseguiu formar junto com sua turma. A informação que teve como possível justificativa para o atraso de seu processo foi um problema com o seu nome social e desconhecimento dos servidores quanto à legislação.
O acreano diz que se sentiu lesado em razão de sua identidade de gênero porque a Ufac chegou a propor a ele, em uma ligação telefônica feita pelo Núcleo de Registro e Controle Acadêmico (Corca), inserir na sua certificação de conclusão de curso e colação de grau o nome do registro civil e não o social.
Eduardo conseguiu finalizar a graduação ainda neste ano. Seus colegas de turma, também concluintes e aptos, conseguiram colar grau na sexta-feira (12), sendo que enviaram o processo na mesma data e até mesmo em data posterior ao envio de Freitas.
O coordenador do curso de Veterinária chegou a assinar a documentação atestando que Eduardo estava apto para a colação.
“Entreguei meu processo junto a outros colegas que formaram na última sexta. Ele foi despachado no último dia 5 de outubro de 2021, constando assinatura do coordenador e a informação de que eu estava apto a colar grau”, informou à reportagem do ContilNet.
“Posteriormente, o processo recebeu confirmação para pedido da minha colação pela Diretora do Nurca, depois seguiu para o Corca, no dia 08 de outubro de 2021. Ao chegar no Corca, o processo parou e, desde então, não houve nenhuma justificativa coerente dos motivos pelos quais eu não pude colar grau”, continuou.
Ao encaminhar um e-mail ao Nurca para obter informações sobre a sua situação, no último dia 3 de novembro, Eduardo conta que obteve a resposta no dia seguinte: “Disseram que meu processo seria analisado. Friso: um mês após ter dado entrada no processo e ele estar parado sem nenhuma justificativa e sem nenhuma pendência”.
O estudante afirma que após receber o e-mail foi até à Ufac com sua namorada para tentar entender tudo o que estava acontecendo.
“Fui recebido por dois servidores do Corca. Ao perguntar sobre o motivo do meu processo estar parado, recebi a resposta de que estavam analisando de acordo com a ordem de chegada na caixa de mensagens. Me perguntaram se eu tinha proposta de emprego e disseram que meu processo seria despachado em breve”, argumentou.
O mais estranho para Eduardo é que ele deu entrada no pedido junto com os demais colegas que já formaram.
“Dei entrada no processo de colação no mesmo período de colegas que colaram grau na sexta-feira (12). Desde o início da pandemia, conforme a Instrução Normativa de Nº 1, de 13 de abril de 2020 da Ufac, os processos de colação de grau são feitos por meio de pedido especial. Nesse sentido, qual seria a justificativa para eu não ter colado grau junto aos meus colegas? Além disso, colegas na mesma situação que a minha colaram grau normalmente”, questionou.
Na sexta (12), quando Eduardo viu todos os seus colegas formando, sem ele, outro e-mail foi enviado pedindo novas justificativas. Nesta quarta-feira (17), Freitas recebeu uma ligação do coordenador de Registros e Controle Acadêmico, para tratarem do assunto.
“Ele disse que “estava com um problema” em relação ao meu diploma e ao uso do meu nome social na colação de grau, que precisariam usar o nome civil em ambos os casos e que só seria possível usar meu nome social mediante a retificação”, contou.
“Contudo, a Universidade dispõe do requerimento para uso do nome social para pessoas transexuais, o qual eu fiz em 18 de novembro de 2020 e passou a ser presente no meu e-mail institucional e no meu portal do aluno no dia 19 de novembro de 2020”, continuou.
O requerimento está de acordo com o DECRETO Nº 8.727, DE 28 DE ABRIL DE 2016, que visa a garantia do uso do nome social por pessoas transexuais.
Também na quarta-feira, Eduardo entrou em contato com o servidor que o ligou pelo WhatsApp: “Informei detalhadamente as suas dúvidas baseando-me no decreto que vale em todo o território nacional desde 2016, imprescindível para órgãos públicos”.
“Nesta quarta (17) recebi em resposta ao e-mail enviado cinco dias atrás, horas depois da ligação, que meu processo seria despachado, e de fato foi (consta no SEI, local onde acompanho o processo), sem nenhuma justificativa que eu havia questionado sobre o que estava acontecendo e por qual motivo não colei grau com meus colegas. Nesse sentido, eu solicito a justificativa por escrito do que houve, estando ciente dos meus direitos legais e da gravidade do acontecido. Até agora aguardo resposta”, frisou.
Eduardo diz que se sente desrespeitado em um dos momentos mais importantes de sua vida. “Sem palavras para tudo isso. É um desrespeito, além de uma violência institucional e transfobia estrutural. Primeiro, fui privado de minha formatura por conta da pandemia, e depois não consegui colocar grau com os meus colegas devido a um problema com meu nome social, que é um direito meu e está previsto em lei. Souberam aplicar o requerimento para inserir meu nome social nas plataformas, mas não sabem como fazer ao final de tudo, quando estou prestes a realizar meu sonho”, concluiu.
Quando questionado sobre qual a expectativa em relação à formatura, o acreano disse que não sabe quando vai conseguir o tão almejado diploma e colação de grau com seu nome social.
A assessoria de comunicação da Ufac foi procurada pela reportagem do ContilNet para comentar o assunto. Em nota, respondeu que “a pessoa somente pode solicitar a alteração do nome civil se os seus documentos de identificação já estiverem retificados”.
Leia a nota na íntegra:
A Resolução do Conselho Universitário (Consu) nº 007, de 02 de fevereiro de 2016, trata sobre a inclusão de nome social de travestis, transexuais e trangêneros nos registros, documentos e atos da vida acadêmica da Universidade Federal do Acre. A partir dela, informamos que o nome social deve constar nos seguintes documentos emitidos pelo Sistema Oficial de Registro e Controle Acadêmico: cadastro de dados e informações de uso social; comunicações internas de uso social; diários de classe, fichas cadastrais, formulários, listas de presença, avaliações e divulgação de notas e na solenidade de colação e no ato de outorga de grau, inclusive o nome social deve constar na ata.
No entanto, os documentos oficiais relativos à conclusão de curso, histórico escolar, certificados, certidões e diplomas de conclusão serão emitidos com o nome civil, ainda com base na resolução acima mencionada. Nesse caso, a pessoa somente pode solicitar a alteração do nome civil se os seus documentos de identificação já estiverem retificados.
Por fim, a Ufac reitera que a resolução anteriormente citada está em conformidade com as legislações vigentes referentes ao assunto, além de reafirmar seu compromisso e respeito com todos, todas e todes. A instituição se dispõe aos devidos esclarecimentos de quem deseja usar o nome social em suas dependências, política em que a universidade é uma das pioneiras.