Famosa por ser terra de Chico Mendes, Xapuri passa a batizar empreendimentos pelo país afora

Conhecido internacionalmente como local de nascimento e morte do sindicalista Francisco Alves Mendes Filho, o Chico Mendes, assassinato em dezembro de 1988, o município de Xapuri, no interior do Acre e distante pouco menos de 200 quilômetros da Capital Rio Branco, virou uma espécie de grife e tem seu nome associado a empreendimentos comerciais pelo país a fora. Em São Paulo, por exemplo, no bairro do Brás, um dos mais movimentados pontos de comércio popular do país, há um comércio de roupas chamado “Xapuri”; o mesmo acontece com um restaurante no centro de Belo Horizonte, em Minas Gerais, e com um sítio em Catanduva, no Paraná.

O nome Xapuri seria como eram conhecidos os primeiros habitantes da região, que foram os índios das tribos dos xapurys, mais numerosa e que originou o nome da cidade, além dos catianas e moneteris. O primeiro não-indígena a andar por ali teria sido Manuel Urbano da Encarnação, um prático de embarcações residente na Província do Amazonas, que participou ativamente de incursões de reconhecimento dos Altos Rios, destacadamente o rio Purus. Seu papel como guia de viajantes, tanto nacionais como estrangeiros, ganhou destaque em relatos de viagem e diversos documentos oficiais que contam a história da conquista do Acre.

Nesta condição, Encarnação foi um dos primeiros navegadores dos rios Acre, Purus e, mais tarde, do Juruá, no início da ocupação das terras acreanas por brasileiros, a partir 1861. Foi neste ano em que Manuel Urbano da Encarnação penetrou na bacia do rio Acre, viajando por vinte dias até a nascente do rio Xapuri. A excursão de Manuel Urbano da Encarnação à foz do rio Xapuri, em 1861, foi o início da colonização da região. As terras, onde atualmente se localiza a cidade, eram de propriedade do cearense Manuel Raimundo, seringalista que chegou à região durante o Ciclo da Borracha. Os seringais da região do atual município de Xapuri eram os mais produtivos do planeta, fazendo com que a região se tornasse a principal referência. em termos sociais, culturais e econômicos, do Acre em outras regiões do país e também do mundo.

A fundação de Xapuri deu-se em 1883, logo após a fundação de Volta da Empreza, hoje a Capital Rio Branco. Os primeiros brasileiros e europeus chegaram à região no primeiro Ciclo da borracha, um período de ocupação descontrolada de terras e extração de recursos florestais. A vila de Xapuri no Acre se tornou um dos principais postos de comércio de borracha, e a região era um importante produtor da mesma e castanha do Acre. Até a Revolução Acreana, de 1899 a 1903, o Acre fazia parte da Bolívia, embora a maioria dos novos habitantes fossem brasileiros. Na época da Guerra do Acre, os bolivianos chamavam o local de Mariscal Sucre.

Toda essa importância fez com que a região fosse palco de intensos entraves entre o Acre e Bolívia, país que, de acordo com o Tratado de Ayacucho, era dono das terras do Acre, e os moradores que ali habitavam, sendo grande parte composta por brasileiros, eram oriundos do Nordeste. A Bolívia exigia a saída dos moradores, e passou a enviar tropas para ocupar a região. Em 1902, a região de Xapuri passou a ser integrada ao Território das Colônias, sendo ocupada por autoridades bolivianas, a contragosto da população local. Com o domínio da região e o acordo feito pela Bolívia com um sindicato americano, o Bolivian Syndicate, os habitantes começaram uma revolta contra a Bolívia, sob o comando do militar gaúcho José Plácido de Castro. Plácido e seus homens atacaram a Intendência Boliviana de Xapuri no dia 6 de Agosto de 1902, derrotando as autoridades e exército boliviano. Era o início da Revolução Acreana, que só terminaria quando o Exército Acreano dominaria a Alfândega Boliviana na cidade de Puerto Alonso, atual Porto Acre. Durante a Revolução Acreana (Agosto de 1902 – Janeiro de 1903), Xapuri teve um papel de destaque, pois a vila era o principal reduto do Exército Acreano, formado por seringueiros e ex-combatentes na Revolução Federalista no Rio Grande do Sul, liderados por Plácido. Era a partir da Vila Xapuri que Plácido e seus homens se dirigiam às demais Intendências Bolivianas instaladas na região. A vila também foi palco de intensos combates entre o Exército Boliviano e o Exército Acreano.

Lugar histórico e importante para história de Xapuri está fechado/Foto: ContilNet

No início de 1902, José Plácido de Castro aceitou o convite para liderar a revolta contra a Bolívia. Embora tenha argumentado para atacar imediatamente a guarnição de 230 soldados em Puerto Alonso, Plácido de Castro foi persuadido a primeiro assumir o posto avançado em Xapuri. Ele entrou em Xapuri com 33 homens no início da manhã de 6 de agosto de 1902 e capturou a guarnição boliviana, que estava adormecida, uma vitória sem derramar sangue. Em 7 de agosto de 1902, emitiu um manifesto proclamando que o Acre era independente. Após mais combates, as últimas forças bolivianas se renderam no que agora é Porto Acre, em 24 de janeiro de 1903. Em 22 de março de 1905, Xapuri foi elevada ao status de cidade pelo prefeito interino Capitão Odilon Pratagi Brasiliense. Xapuri foi oficialmente transformada em município em 23 de outubro de 1912. Logo, a infraestrutura foi construída, incluindo casas comerciais e escolas. Por muitos anos, Xapuri era conhecida como a Princesinha do Acre, devido à sua grande riqueza em borracha.

Em Abril de 1903, Xapuri se tornou Capital do Acre Meridional. Nos dias atuais, é uma cidade reverenciada pela grande maioria dos seus moradores, principalmente como berço de personalidades como o médico Adib Jatene, o político Jarbas Passarinho e o jornalista Armando Nogueira, todos já falecidos – além de Chico Mendes, talvez o maior nome da história da cidade.

Foi poro causa do tiro disparado contra o peito de Chico Mendes que Xapuri entrou no mapa do mundo e agora, famosa internacionalmente, comerciantes de vários pontos do país usam seu nome para atrair fregueses. Não é, no entanto, o caso do restaurante de Belo Horizonte, cujos donos dizem ter aberto o comércio com o nome de Xapuri muito antes da tragédia de Chico Mendes. “Foi pela sonoridade do nome”, disse a dona, que sequer conhece o Acre.

No caso do comércio do Bras, cuja fachada foi fotografada pelo jornalista xapuriense Raimari Cardoso, em viagem pela capital paulista, não se sabe quais as ligações dos proprietários com a cidade acreana.

No caso do sítio em Catanduva, interior do Paraná, o proprietário é o repórter-fotográfico Édson Caetano, que viveu no Acre a partir dos anos 80 e que, em 1991, estava em Xapuri como um dos milhares de jornalistas, inclusive do exterior, que cobriam o julgamento do fazendeiro Darly Alves da Silva e de seu filho Darci Pereira – ambos acusados como mandante e executor do assassinato de Chico Mendes. “Vivi bons momentos profissionais naquela cidade. Gosto das pessoas de lá e da sonoridade do nome,. Por isso, quando voltei ao Paraná e aqui abri um sítio, coloquei o nome da cidade acreana”, conta o paranaense Édson Caetano.

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