Historiadores e pesquisadores atuais como Elizabeth Bicalho e Leandro Karnal afirmam que o ódio contra as mulheres é o mais antigo da humanidade (unindo o império babilônico ao século XXI) e isso tem implicações consideráveis não apenas nas relações em que essas fazem parte, mas também naquelas em que as performances ligadas à feminilidade acontecem e atravessam os encontros. A exemplo disso, o mundo LGBTQIA+ – e aqui abro espaço para discutir, especificamente, a situação de gays considerades afeminades.
Tenho escutado com muita frequência nesse universo ao qual faço parte, de homens cis gays, algumas falas curiosas e, sobretudo, perigosas (e já digo o porquê) como: “Não curto gays afeminados”; “Não suporto os que usam lip tint”; e/ou “O ‘padrão’ me atrai muito mais”.
Aqui, pontuando tais discursos, me questiono, observando o desenrolar do relógio da história, quais interesses atendemos quando, colonizados em afeto e entrega por uma cultura eurocêntrica, com sementes de morte e expropriação, escolhemos o que nos ditam aqueles que “selecionaram” as identidades que podem existir – para quem podem existir e como devem se relacionar – e as que são relegadas à violência e à preterição. Com o quê ou quem nos relacionamos? O que valoramos em um encontro? O que, culturalmente, nos foi ensinado e introjetado sobre o que é “ideal”? (Judith Butler sabe muito disso e disserta a respeito em suas obras).
Existe um horror ao feminino na homofobia – ideia defendida de forma tão brilhante pela feminista Eve Sedgwick, que para representá-la, apresenta o termo afeminofobia –. Gays não estão isentos disso quando repelem o que foge ao padrão cishéteronormativo. E isso nos faz refletir sobre a necessidade de discutir o que construímos até aqui, o quanto nossa liberdade de viver como queremos precisa ser libertada, descolonizada. Isso não significa que as preferências não existam ou que não são legítimas, mas que elas são dispositivos que, em alguns de seus fragmentos, foram formatadas. Questioná-los é o caminho.
Não existe uma única forma de ser gay porque não existe uma única forma de ser gente. Se defendemos que a pessoa queer deve se encaixar em um binarismo solipsista é porque não aprendemos nada sobre revolução e diferenças e, ao que tudo indica, permanecemos curvados àqueles que insistem em engaiolar voos.
É fato que as identidades e as implicações dos corpos no mundo miram o pertencimento, numa perspectiva de existência embricada. Butler nos afirma que performamos gênero com a finalidade de nos enquadrarmos em ambientes sociais distintos [e não apenas – mas aqui precisaria de algumas laudas para discorrer o assunto]. A questão toda e sobre a qual destino minha discussão é: MINHAS PREFERÊNCIAS SÃO GUIADAS POR QUAIS VOZES?
*Everton Damasceno é psicólogo (CRP-24/03405) e gestalt-terapeuta.