O que o curso da ômicron no Reino Unido pode indicar sobre a pandemia no Brasil

Quatro semanas após viver uma alarmante explosão de casos de Covid, provocados pela ômicron, o Reino Unido pode já ter superado a pior fase da nova onda exatamente pelo do alto poder de transmissão da variante.

Para especialistas, o curso da ômicron no país europeu pode ser um indicativo de como será o comportamento da variante no Brasil: com um pico de onda muito maior e mais ágil do que as anteriores, mas de menor duração.

Os dados britânicos indicam que, por ser altamente transmissível, a variante já não encontra novas pessoas para contaminar no país pouco mais de um mês depois de ter sido detectada pela primeira vez na África do Sul. O país saltou de 43.250 casos positivos de Covid em 1º de dezembro para 182.891, em 5 de janeiro deste ano —um aumento de mais de quatro vezes.

“O que estamos vendo da ômicron é que provoca um pico de onda maior do que as anteriores, sobe mais rapidamente, mas é mais curta. Isso se deve em grande parte à alta transmissibilidade da variante, que, além de ser muito mais contagiosa, replica 70 vezes mais rápido que a delta”, diz Denise Garrett, médica epidemiologista e vice-presidente do Instituto Sabin de Vacina, dos Estados Unidos.

Ainda que a nova onda de casos provocada pela ômicron indique ser de menor duração, os especialistas alertam que há ainda incertezas sobre seu efeito em outros países, principalmente aqueles como o Brasil que não tem uma política de testagem e vigilância e regras de restrição para reduzir a velocidade da transmissão.

Desde 5 de janeiro, a média móvel de novos casos de Covid no Reino Unido segue em queda, chegando a 156.534 na terça-feira (11) —uma redução de quase 15% em seis dias. A média de internações também segue em diminuição no período, mas a média móvel de óbitos continua em alta.

“Ainda que a ômicron, em geral, leve a casos menos graves porque a cobertura vacinal está alta, ela ainda assim pode provocar sintomas mais graves em algumas pessoas e levar a óbito. Como muita gente é infectada, o número de mortes também sobe, mas esse dado demora mais a aparecer porque o agravamento do quadro leva alguns dias”, diz o pesquisador da Fiocruz, Leonardo Bastos, membro do Observatório Covid-19 BR e especialista em modelagem estatística de doenças infecciosas.

A média móvel de internações no Reino Unido chegou a crescer 63% em sete dias, no início de janeiro, mas reduziu para 29% nesta terça —ou seja, ela segue indicando uma alta, mas desacelerou. Já a média móvel de mortes está em seu maior patamar desde novembro, com novos 239 óbitos por dia.

“Essa alta de óbitos no Reino Unido é reflexo do que aconteceu duas ou três semanas antes. E é o que provavelmente veremos aqui no Brasil, a média de casos já aumentou e a de mortes deve subir nos próximos dias. Não tem motivo para ser diferente aqui”, avalia.

Para os especialistas, olhar para os efeitos da ômicron em outros locais do mundo é um indicativo do que pode acontecer no Brasil, já que o país vive um apagão de números sobre a Covid e não se sabe como está o avanço da variante. Além da instabilidade nos sistemas de notificação do Ministério da Saúde há mais de um mês, após ataques hackers, não há uma política ampla de testagem no Brasil.

“O curso da ômicron em outros países é um indicativo, mas é precipitado dizer que vamos ter o mesmo resultado, já que não adotamos as mesmas medidas de controle. O Reino Unido tem uma política forte de testagem em massa, então pode fazer o rastreamento de contatos, o isolamento correto dos casos confirmados. Aqui, como não há testes, não há controle”, diz a sanitarista Tatiane Moraes, da Fiocruz.

Ainda que a resposta do Reino Unido à Covid seja diferente do Brasil, dados de outros países também corroboram qual pode ser o comportamento da nova variante. Na África do Sul, onde foi detectada pela primeira vez em 25 de novembro, a ômicron provocou uma explosão de casos em um mês, mas os números agora estão em curva de queda.

O país africano saltou de 916 casos diários da doença no dia da detecção da variante para 23.194 casos em 16 de dezembro —um aumento de mais de 25 vezes. Desde então, as infecções seguem em queda, com o registro de 7.564 casos em 10 de janeiro.

Assim como no Reino Unido, o número de óbitos por Covid segue em crescimento na África do Sul. No pico da onda de ômicron, o país tinha 31 mortes por dia pela doença. Em 10 de janeiro, eram 92 óbitos.

“O comportamento previsto é esse mesmo, um aumento de casos em uma velocidade absurda. Muito maior do que vimos com outras variantes. A queda de casos vai ser rápida porque a ômicron não vai mais encontrar pessoas suscetíveis à infecção, a consequência grave é que muitos irão morrer por complicações”, diz Bastos.

Projeções feitas pela Universidade de Washington indicam que o Brasil pode chegar a 1 milhão de infectados no dia 23 de janeiro e a um pico de 1,3 milhão em meados de fevereiro. O cálculo considera também aqueles que serão contaminados, mas não testados, ou seja, infecções que não irão aparecer nos dados oficiais do país.

Nesta quarta (12), o Brasil registrou 88.464 casos de Covid, segundo dados oficiais dos estados coletados pelo consórcio de imprensa. É o maior número de infectados desde julho do ano passado. A média móvel de mortes segue em estabilidade, com 123 óbitos por dia, um crescimento de 7%, em relação há duas semanas.

Os especialistas também destacam que, pelo tamanho territorial e populacional do Brasil, a onda de infecções da ômicron pode ocorrer em ritmos diferentes em cada região.

Bastos destaca o risco de surtos com efeitos mais graves em regiões menos vacinadas, como o Norte. Amapá, Roraima e Acre estão no fim do ranking do país, com menos da metade de sua população com o ciclo completo.

“Para o controle mais rápido dos casos, o que precisamos é diminuir a disseminação viral. Para isso, além de expandir vacinação e uso de mascara, é imprescindível a testagem, com diagnóstico e isolamento precoce dos casos. E isso sem dúvida é algo que não fazemos bem no Brasil”, diz Garrett.

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