Álcool + frio: entenda o que o combo provoca no nosso corpo e os efeitos da baixa temperatura

Com as temperaturas geladas recordes que várias cidades no Brasil têm registrado, é comum abrir um vinho ou um destilado para tentar se aquecer.

Mas qual o efeito que o álcool tem na regulação e percepção do frio pelo nosso corpo? E o que acontece no nosso organismo quando esfria?

“O álcool é um depressor do sistema nervoso central. A gente às vezes não percebe isso, pelo menos nas primeiras doses”, explica o médico Paulo Zogaib, especialista em Medicina do Esporte do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo.

“Quando ele dá uma ligeira deprimida no cérebro, na verdade ele está deprimindo, ou inibindo, as nossas inibições. Por isso que a gente fica mais alegre, mais comunicativo”, completa. É o que costuma acontecer quando tomamos uma bebida em casa ou em outro ambiente aquecido.

O problema começa quando grandes quantidades de bebida são ingeridas e a pessoa está exposta ao frio, sem proteção, e usa o álcool na tentativa de se aquecer. É algo que pode acontecer, por exemplo, com as pessoas em situação de rua, lembra o médico Carlos Eduardo Pompilio, clínico geral do Hospital Universitário e do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP).

“Por que o álcool alivia os sintomas do frio? Primeiro, o álcool é extremamente calórico – então, você está recebendo uma quantidade de etanol que vai ser convertida em energia pelo fígado”, explica o especialista. 

O segundo ponto, diz Pompilio, é que o álcool provoca a dilatação dos vasos sanguíneos – quando eles deveriam estar contraídos, para preservar o calor do corpo (veja detalhes abaixo).

“O álcool diminui a resposta ao frio, aquele desconforto que a gente tem, então você fica menos desconfortável. Ou seja, passa a tolerar mais o frio. Esse é o perigo. Porque, para tolerar mais o frio, você passa a beber mais, e bebendo mais você vai perdendo a consciência – e você perde a capacidade de reagir ao frio”, completa o médico.

À medida que essa capacidade de reação vai diminuindo, a chance de a pessoa morrer de frio – por hipotermia – aumenta.

“Sua temperatura cai: a tendência é de você ficar torporoso, sonolento, você vai perdendo a capacidade de reagir. Vai perdendo mais calor. Eu cheguei a pegar pacientes com 33ºC, 32ºC [de temperatura corporal], de a gente precisar fazer um buraquinho na barriga e jogar soro quente”, relata Pompilio.

Como o nosso corpo precisa de temperaturas próximas de 37ºC para manter o metabolismo funcionando, ele vai “desligando” aos poucos quando esfria muito.

“O coração passa a bater muito devagar. A pessoa entra em coma, a glicose despenca. Tudo vai parando de funcionar. Às vezes o coração bate tão devagar que você acha que está parado”, completa o médico da USP.

Nesta onda de frio, ao menos duas mortes foram registradas no estado de São Paulo nos últimos dias. Na quarta-feira (18), quando a capital paulista registrou 6,6ºC – temperatura mais baixa para maio desde 1990 –, Isaías de Faria, de 66 anos, faleceu em um centro de convivência municipal depois de passar a madrugada na rua.

No mesmo dia, um homem em situação de rua, que não foi identificado, foi encontrado morto em Mauá, na Grande São Paulo, que registrou mínima de 10ºC.

Efeitos do frio no corpo

A morte por hipotermia é, claro, um efeito extremo que a baixa temperatura pode causar no nosso organismo. Antes disso, o frio traz várias consequências para o corpo. Veja algumas delas abaixo:

  1. Vasos sanguíneos se contraem
  2. Mãos e pés gelados
  3. Pele se arrepia
  4. Tremores
  5. Fome
  6. Sono
  7. Alergias e vírus
  8. Mais xixi
  9. Mais chance de AVC e infarto

1) Vasos sanguíneos se contraem

“Existe uma vasoconstrição [contração dos vasos sanguíneos] dos vasos que vão para a pele – e essa vasoconstrição joga o sangue todo para dentro do organismo. O sangue é quente; na hora que ele circula na pele e ela está exposta ao frio, ele vai perder calor”, explica Carlos Eduardo Pompilio, da USP.

2) Mãos e pés gelados

Além de afastar o sangue da pele, a vasoconstrição também é o motivo pelo qual as mãos e os pés ficam particularmente gelados quando está frio.

“Esse calor da temperatura interna que está no no abdômen, na parte central, quanto mais distante dessa região central, mais difícil vai ser manter a temperatura. Você tem uma circulação mais distante do coração, do centro do corpo”, explica Paulo Zogaib, do Sírio-Libanês.

“Essas regiões naturalmente são mais frias, mais sensíveis – tanto ao frio quanto ao calor. Esse controle térmico fica mais deficiente por causa dessa distância em relação ao centro do corpo”, completa.

3) Pele se arrepia

Zogaib explica que, se pudéssemos ver a pele de forma microscópica quando ela se está arrepiada, daria para notar que ela fica com um aspecto de “corcovinhas”.

“É como se tivesse montanha e vale, montanha e vale. A ideia, aqui, é aumentar a quantidade de ar que tem nesses vales e, com isso, criar como se fosse um coxim, uma camada, para isolar o organismo do meio ambiente. A gente cria uma capinha de ar, esse ar está aquecido pela pele, e aí ele funciona como um isolante para o meio ambiente”, diz.

4) Tremores

A contração muscular envolvida nos tremores faz com que geremos calor – e, assim, nos mantenhamos aquecidos.

“Tremer é uma contração muscular, e toda vez que a gente faz contração muscular, a gente acaba produzindo calor. No frio, a gente tenta não dissipar esse calor – treme, aumenta a temperatura corporal – por causa desse aumento do metabolismo, da contração muscular para tentar manter o calor dentro do corpo”, afirma Zogaib.

5) Fome

O metabolismo mais rápido citado por Zogaib gera não só um aquecimento do corpo e aumento da temperatura corporal, mas, também, mais fome – porque estamos gastando mais energia para manter o corpo aquecido.

“Você tem um comportamento alimentar um pouco diferente – vai buscar coisas mais calóricas, com mais carboidrato, porque você está queimando [energia] a todo momento, então o organismo reage como um todo em busca desse tipo de proteção”, explica Pompilio.

Mas, atenção: isso não significa, necessariamente, que aumente a nossa vontade de comer chocolate, por exemplo.

” A gente tem vontade de comer coisas mais calóricas, mas essa história de chocolate fica muito difícil [dizer], porque a sociedade moderna tem essa exposição a milhões de coisas, de guloseimas”, pondera o médico.

6) Sono

Se você anda mais sonolento que o normal ultimamente, tudo bem: o próprio aumento do metabolismo gera uma necessidade maior de sono. Outra é que o frio é um indutor da sonolência, explica Zogaib.

“Normalmente, quando a gente vai dormir, vai baixando o metabolismo, e essa diminuição da temperatura é que induz ao sono. E a vigília, que é quando a gente acorda, é o contrário: o metabolismo aumenta, aumenta a temperatura, e a gente acaba acordando”, esclarece.

“No frio, você já tem uma diminuição da temperatura, então induz ao sono; com o gasto calórico aumentado e ainda, também, com esse encolhimento – a gente tende a ficar mais quieto, mais parado, mais encolhido –, acaba levando à preguiça, a essa vontade de ficar quieto, e acaba induzindo mais ao sono também”, diz.

7) Alergias, vírus e lábios secos

Alguns fatores contribuem para os lábios secos, alergias e infecção por vírus respiratórios, que se tornam mais frequentes no tempo frio: o ar, seco e frio, e a circulação do sangue.

“O vaso sanguíneo a gente imagina que seja um canudinho de plástico. Na verdade, a parede do vaso é uma malha – quando dilata o vaso, essa malha aumenta também. E, com isso, a gente tem pequenos furinhos nessa malha, que podem extravasar líquido tanto para fora do sangue quanto para dentro do sangue”, explica Paulo Zogaib, do Sírio-Libanês.

“No frio, a gente aumenta a circulação para esquentar o local, mas ao mesmo tempo também aumenta essa esses ‘buraquinhos’ na malha do vaso. E aí começa a extravasar mais líquido para o meio – você tem a formação de secreção. Um vaso do nariz, da mucosa, quando ele vasodilata, também extravasa líquido pra célula: a gente começa a ter o nariz escorrendo”, completa.

Já a secura do ar é algo que irrita as mucosas – porque o ar que está no pulmão precisa estar úmido e quente. Para isso, no caminho entre o nosso nariz e o pulmão, ele vai “roubando” a umidade e o vapor de água das mucosas, como a do nariz e da garganta.

“Normalmente, quando tem frio, o ar está mais seco, então a boca acaba ressecando por causa disso. Por causa do ar seco, a gente fica com o nariz um pouquinho mais congestionado, na tentativa de umidificar o ar que vai para o pulmão, e aí que o nariz entope e a gente acaba respirando mais pela boca. Então a boca seca por essas razões, principalmente”, explica Carlos Eduardo Pompilio, da USP.

Essas reações e irritações nas mucosas, por sua vez, facilitam a infecção por vírus respiratórios.

“A pessoa começa a ter coriza, a espirrar, e isso tudo diminui as defesas do organismo. Então, se tiver algum vírus – o frio facilita a aglomeração das pessoas, irrita um pouco a garganta, as pessoas começam a tossir, então, se tiver algum vírus circulando, isso com certeza aumenta a circulação desse vírus. E aí fica mais fácil de as pessoas pegarem resfriado”, completa Pompilio.

8) Mais xixi

O fato de o sangue acabar indo mais para “dentro” do corpo acaba fazendo com que os rins filtrem mais o sangue, explica Pompilio – produzindo mais urina.

Além disso, no frio, há a inibição do hormônio antidiurético menos transpiração.

“Quando está em temperaturas frias, de 15ºC para baixo, esse hormônio fica inibido, e a gente tende a fazer mais xixi – e o nosso sangue a concentrar, então existe essa resposta fisiológica”, explica.

Mas, atenção: o xixi a mais não pode ser desculpa para beber menos água – pelo contrário. “Você tende a dar uma desidratada por causa do hormônio antidiurético”, lembra o médico.

9) Mais chance de AVC e infarto

“A vasoconstrição faz subir pressão – tem a vasoconstrição cardíaca também. Se tem uma plaquinha ali, alguma coisa, [a pessoa] está fazendo exercício, pode ter uma sobrecarga circulatória, o coração pode não aguentar”, diz Pompilio.

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