“Não é tão fácil e simples responder o que é o Acre”, diz presidente do TCE em artigo

Hoje o Acre está em festa. Comemoram-se os 60 anos de sua emancipação política.

Antes de se tornar Estado, o Acre foi um Território Federal caracterizado pela inexistência de autonomia política, administrativa e financeira, além de uma alta rotatividade de dirigentes que iriam, decididamente, marcar a ausência de investimentos em infraestrutura em todas as dimensões da região.

O Estado do Acre propriamente dito nasceu depois de 58 anos de luta do movimento dos autonomistas, em 15 de junho de 1962, através da edição da Lei n. 4.070/1962, aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo Presidente João Goulart.

Neste ano de 2022 também é celebrado o bicentenário da independência do Brasil, que ocorreu em 1822. Mesmo após a independência, nosso país ainda viveria um sistema de escravidão por mais 66 anos, até a promulgação da Lei Áurea em 1888.

Quando o Acre foi transformado em Estado em 1962, a vida dos acreanos ainda girava em torno da economia extrativista da borracha e do setor do comércio, este muito influenciado por imigrantes árabes – os sírio-libaneses. Atualmente, há uma maior diversificação das atividades econômicas, decorrentes do processo natural de mudanças ao longo de seis décadas.

A transformação do Acre em Estado Federativo possibilitou a primeira eleição para governador e a criação da Assembleia Legislativa, que elaborou a primeira Constituição Estadual em 1963. Ainda em 1962, foi eleito o primeiro governador do Estado, o acreano José Augusto de Araújo (PTB), cuja posse deu-se em março do ano seguinte.

Um marco importante que surgiu dentro desse processo de emancipação política foi gestação do embrião da Universidade Federal do Acre, por iniciativa do governo de José Augusto. Devido ao golpe de 1964, o projeto foi implementado por outros atores políticos, com a criação do curso de direito. Dez anos depois, a UFAC foi federalizada.

Nos dias atuais, entende-se que a economia acreana é indissociável da formação histórica de sua sociedade, calcada no ciclo da borracha e no Sistema de Aviamento. É evidente que seu contexto histórico desencadeou inúmeros desdobramentos.

Em 1962, o Acre ainda era predominantemente rural, e somente 26,3% da população vivia nos centros urbanos, de acordo com os dados do Censo Demográfico de 1970. É somente a partir daí que o Acre começa a vivenciar uma acelerada urbanização, fruto da expansão de uma frente que desarticulou a comercialização da borracha.

Portanto, para que possamos compreender com profundidade a formação das cidades acreanas atuais é necessário retomarmos importantes acontecimentos que marcaram a sociedade e a economia acreana.

Não é tão fácil e simples responder o que é o Estado do Acre hoje, com tantos desdobramentos ocorridos nestas seis décadas. O resultado é produto de múltiplos acontecimentos e ações. Seria praticamente impossível fazer uma lista completa de todos os acontecimentos deste longo período, mas é possível relembrar alguns de destaque:

(i) o desmantelamento final dos seringais na década de 1960;

(ii) a atuação do governo Dantas no sentido de acelerar o processo de transferência das terras dos antigos seringais para proprietários oriundos do Centro-Sul do país, no princípio dos anos 1970;

(iii) o início, nesta mesma década, dos violentos conflitos agrários, enfrentado pelo governo seguinte, de Geraldo Mesquita;

(iv) um certo descontrole na administração pública a partir de 1982;

(v) a internalização nos aparelhos do Estado, na segunda metade da década de 1980, da política ambiental, por exigência do Banco Mundial, no processo de implementação do Projeto de Proteção de Meio Ambiente e as Comunidades Indígenas (PMACI), associado ao asfaltamento da BR 364, trecho Porto Velho-Rio Branco;

(vi) um avanço, nas últimas duas décadas, na infraestrutura da cidade de Rio Branco, incluindo certa paisagem habitacional semelhante a outras cidades brasileiras.

Esta lista de acontecimentos não transmite exatamente tudo o que o Acre é hoje, mas são lembranças que podem ser apontadas como ponto de partida para pensarmos no nosso Estado ao longo destes anos. No campo político e social há um vasto rol de incidentes que também são essenciais para observarmos o que é o Acre atualmente.

Para comemorar os 60 anos da emancipação política do Acre, o Governo do Estado do Acre, a Assembleia Legislativa do Estado do Acre e o Tribunal de Contas do Estado no Acre (o qual tenho a honra de presidir) uniram esforços para elaborar um estudo sobre a atual realidade do Acre. Um diagnóstico técnico que levará em conta aspectos demográficos, sociais, econômicos, históricos, regionais e as possibilidades de financiamento do desenvolvimento estadual. O intuito é apresentar uma reflexão sobre o progresso do Estado em seu sexagésimo aniversário.

O Acre completa 60 anos em um momento de transição tecnológica, com a maturação de um novo paradigma produtivo que tem na ciência da informação, no big data, na biotecnologia e na inteligência artificial um futuro produtivo, combinados com a necessidade de contenção e preservação das condições climáticas do planeta.

Portanto, este diagnóstico surge como uma oportunidade para que toda a sociedade acreana possa discutir uma nova inserção da Amazônia e do Acre no contexto da atual realidade econômica, social e ambiental.

Desta forma, é importante entender a dinâmica recente do Acre. Seja decorrente da recessão de 2015/2016 ou da estagnação de 2017/2019 da economia brasileira e seus impactos regionais diferenciados, fato é que a proporção de famílias que vivem na extrema pobreza no Acre, segundo o IBGE, passou de 5,3% para 12,2% neste período. Em 2018, a população acreana dependente do Programa Bolsa Família era de 41%.

Soma-se a isto o desemprego, o subemprego e todas as consequências da recessão. A renda per capita do Estado é 34% menor do que a média nacional. Todos esses dados são anteriores à pandemia que atingiu o mundo em 2020. Assim, não é difícil perceber que a situação muito provavelmente deve ter se agravado neste período, uma vez que a pandemia gerou implicações significativas, tanto a nível regional quanto nos extratos de renda.

O diagnóstico está sendo elaborado pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional – CEDEPLAR, um órgão complementar da Faculdade de Ciências Econômicas da UFMG, um dos centros mais avançados em estudos sobre economia regional do país.

O CEDEPLAR já esteve no Acre no final dos anos 70 e foi quem melhor analisou as migrações internas da região, em um famoso estudo à época financiado pela SUDAM. Tal documento foi responsável por todas as análises que foram feitas do Acre até um período recente.

A elaboração do diagnóstico tem gerado um amplo debate em diversos segmentos da sociedade acreana. O documento será, portanto, um presente aos acreanos, para comemorar os 60 anos de autonomia política do Estado.

Ronald Polanco Ribeiro é economista e Presidente do Tribunal de Contas do Acre (TCE/AC).

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