A finitude da vida é um daqueles fatos inexoráveis, mas que passamos a maior parte do tempo simplesmente ignorando. Há aqueles que vivem como se o amanhã fosse uma certeza absoluta. Entretanto, como diz o adágio popular, “de certo, somente a morte”.
Mas, peço calma ao querido leitor. O texto, apesar de se referir, logo de cara, à morte, não é um texto negativo ou sem esperanças. Nem se está aqui para defender qualquer perspectiva religiosa sobre o que acontece ou deixa de acontecer após o último suspiro.
Ocorre que a morte traz consigo, além da saudade daqueles que nos deixam, uma série de consequências jurídicas que precisam ser tratadas e estudadas por aqueles que ficam, especialmente no tocante ao patrimônio instituído em vida.
Há duas possibilidades de se relacionar com o patrimônio, seja ele material ou imaterial, mas com algum conteúdo econômico.
A primeira forma, mais comum, sem qualquer planejamento. E, como já disseram, quem não se planeja, qualquer resultado deve ser aceito. Neste caso, o próprio Direito já determina quais os caminhos. Temos aí a necessária abertura de um processo moroso, caro, cheio de percalços, que, não raro, traz consigo diversos dissabores familiares, intrigas quanto à partilha dos bens, denominado inventário.
De acordo com nosso Código Civil, aberta a sucessão, leia-se, com o falecimento do titular dos bens e direitos, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários. Contudo, essa “transmissão desde logo” somente ocorrerá após outro fato inexorável da vida: a tributação por parte do Estado. Não somente isso, os emolumentos dos cartórios e os honorários do advogado são outros “investimentos” necessários para todos aqueles que se apresentem como herdeiros ou legatários.
Por outro lado, a falta de planejamento sucessório pode causar, ainda, diversos “maremotos” financeiros no núcleo familiar. É comum vermos os herdeiros tendo que vender, às pressas, algum imóvel, sem a documentação necessária, apenas com contrato “de gaveta”, para levantamento de recursos para o pagamento dos custos de um inventário. Não se deve esquecer que, em casos assim, o valor do bem acaba sofrendo um deságio.
A situação é ainda pior quando está em jogo a administração de alguma empresa ou qualquer tipo de exploração de atividade econômica organizada. Sem planejamento, com a morte do patriarca ou matriarca, quem estará à frente do negócio que sustentou a família durante anos? Não é difícil se deparar com negócios, antes pujantes e promissores, acabando-se numa disputa familiar infindável.
Diante disso tudo, não é terrorismo afirmar que até 40% de todo o patrimônio deixado por uma pessoa pode ser consumido pelo processo de inventário. Uma tragédia e que pode ser evitada.
De outro lado, temos a possibilidade do planejamento. Esta, sim, em que pese seus ônus, apresenta-se como a via mais desejável, por meio da qual o instituidor, além de fazer valer seus planos mesmo depois de sua morte, acaba trazendo benefícios para além do patrimônio em si.
Com a realidade da morte acentuada durante a pandemia de COVID-19, instrumentos como o testamento, a doação em vida com reserva de usufruto e seguros de vida, passaram a ser buscados como nunca antes visto. Só em relação ao testamento, segundo a Associação Nacional de Notários e Registradores do Brasil – ANOREG, houve um incremento de 40% no registro desse tipo de planejamento sucessório em 2021 em relação ao ano de 2020.
Agora, tem se tornado popular outra ferramenta, que promete ser, também, uma aliada de muitas famílias em termos de planejamento patrimonial. A chamada “holding familiar”, que nada mais é do que a utilização de institutos jurídicos já conhecidos no mundo empresarial e no direito societário, vale-se da constituição de uma pessoa jurídica que serve como uma espécie de cofre para a guarda dos bens da família.
Esse sistema se baseia em três pilares. O primeiro, o planejamento patrimonial, com a organização dos bens de forma racional e, por meio de cláusulas específicas, proporcionando ao patrimônio uma maior proteção, especialmente no tocante a impenhorabilidade (restrição de utilização dos bens como pagamento de dívidas em processos de execução judicial) e à incomunicabilidade (impede que os bens entrem no regime de casamento dos herdeiros, ante à volatilidade das relações conjugais hoje em dia). O segundo pilar é o planejamento tributário. Também por meio de cláusulas específicas e com uma construção de um sistema inteligente, a economia a que se chega, em relação ao inventário, é da ordem de 70 a 90%. Além disso, ainda em vida, o instituidor do patrimônio pode contar com uma economia tributária, a depender de sua atividade econômica e da expertise do profissional responsável pela implantação do sistema de holding. O último pilar, não menos importante, é o planejamento sucessório. Com um sistema de gatilho, que somente funciona com a morte do patriarca ou matriarca, e instrumentos como o acordo de sócios, podem ser garantidas a pacificação do núcleo familiar, a gestão dos bens e a continuidade da eficiência da exploração econômica praticada pelos herdeiros.
Obviamente, nem tudo são flores. A adequação do sistema à realidade da família, as obrigações tributárias, os custos de manutenção do sistema, são questões que devem ser bem analisadas e que apenas um profissional especializado (a área não admite generalistas), que prime pela ética na apresentação de uma holding familiar (sem contos de fadas, mas mostrando os prós e contras), será possível trazer tranquilidade e segurança que se esperam de um bom planejamento patrimonial da família.
Independentemente de qual ferramenta um pai ou mãe se utilize para estes fins, o mais importante é: planeje-se. Ainda que seja o mais simples instrumento de planejamento. Este é mais um ato de amor que você pode fazer, em vida, em favor dos seus entes queridos.
Beto Tapeocy Nogueira é advogado e Procurador do Estado, com atuação em direito sucessório e planejamento patrimonial familiar.
Formado em Direito pela UFAC, possui especialização em Dir. Constitucional e Processo Civil.
Atualmente, cursa LL.M. em Dir. Empresarial pela FGV.
Faz parte do Time Holding Brasil.