Três de abril, madrugada de sexta-feira. A exaustão do dia de trabalho é grande, mas a angústia que pesa no peito é maior. Os pensamentos atormentam a cabeça de Diego (nome fictício). Morte é um deles.
Quando o rapaz percebe que os remédios para dormir não farão efeito, ele liga para o 188. Uma voz calma, simpática e aveludada atende. Ali, no seu quarto, Diego recebeu um sopro de vida.
Não foi o primeiro pedido de socorro. Em novembro do ano passado, ele discou pela primeira vez 188. Um pouco inseguro, pensou em desligar. “Alguma coisa me fez continuar.” Não desistiu, e passou a tarde conversando com o voluntário do outro lado da linha.
O número é o telefone do Centro de Valorização da Vida (CVV). A associação presta apoio emocional — anônimo e gratuito — para qualquer pessoa que esteja com sofrimento mental e previne o suicídio.
Apenas em 2022, mais de 76 mil brasilienses ligaram para o CVV. Em média oito contatos por hora.
O Distrito Federal estampa apenas uma pequena parte do problema de saúde mental no país. São Paulo, com 1 milhão; Minas Gerais, 460 mil; e Rio de Janeiro, 382 mil, estão no pódio da quantidade de ligações.
Porém, se comparado às populações desses estados, a capital aparece na frente de todo o Brasil. A cada 100 mil habitantes do DF, 248 tentaram contato com o CVV. Enquanto em São Paulo, 216.
Efeito pandemia
O diagnóstico de depressão foi dado ainda em 2019. A tristeza vinha a qualquer momento. “Era uma coisa que eu estava tratando com a psicóloga, até que chegou o coronavírus e tive que sair”, relembra Diego de 26 anos.
Em 2020, quando o mundo entrou na pandemia, 3,1 milhões de pessoas buscaram algum acolhimento no CVV. Dois anos depois, o número subiu para 3,9 milhões — aumento de 24%.
Luto, isolamento e medo da morte podem ter impulsionado o agravamento do quadro psicológico da população. Porta-voz da associação, Leila Herédia aponta que a falta de convívio social levou muitas pessoas à solidão.
“As pessoas viveram perdas, não puderam voltar à rotina. Foi um momento de instabilidade que atingiu a todos nós”, afirma.
Se, por um lado, os números desenham o tamanho do sofrimento mental vivido pelos brasilienses, por outro, mostra como a visão para a saúde mental mudou. O debate sobre ansiedade, depressão e formas de lidar com elas estão mais acessíveis na internet.
Para a psicóloga Giselle de Fátima, porém, ainda há um caminho longo para uma discussão do tema. “Muita gente acha que o sofrimento psíquico é frescura ou falta de Deus. A pessoa que sofre disso é rotulada como fraca, que não tem problemas sérios. Mas é um sentimento que deve ter a mesma importância de uma alteração da pressão arterial ou uma febre”, aponta.
Um alívio
Diego já experimentou esse sentimento amargo. Quando ligou para o CVV, encontrou uma voluntária de 60 anos, casada e com três filhos. “Tinha medo de me julgarem, mas ela me entendeu. Também me deu umas ‘patadas’, mas que abriram minha mente”, brinca. “Espero que ela continue ajudando outras pessoas. Nunca vou esquecê-la.”
A psicóloga explica que muitas pessoas têm dificuldade de externalizar sentimentos, com a esperança que o tempo vai curar, que não têm importância ou vergonha. Esse impedimento pode vir da infância ou por fatores culturais.
“Os homens têm muita dificuldade para compartilhar por uma questão social. Ainda temos uma sociedade pautada por papéis sociais muito rígidos.”
Porém, não compartilhar esse sentimento pode trazer efeitos negativos, desde problemas no desenvolvimento profissional a ideias suicidas. “Podemos abraçá-los sendo um bom ouvinte.”
Para fazer parte do grupo, o interessado precisa ter mais de 18 anos e no mínimo, quatro horas disponíveis por semana. Segundo o CVV, ele aprende a ouvir sem julgar, respeitar os problemas do outro e acolher, mas sem dar soluções.
“Depois de muito tempo eu me senti humano, sabe? [Quem precisar] pode ligar no 188. Não é só para quem está para se matar. Eu me sentia mal, e me ajudaram”, diz Diego.