Área de empresária que reivindica vila de Jericoacoara foi ampliada em documentos, diz laudo de cartógrafo

Novo laudo foi encomendado por conselho de moradores da região. Em nota, a Procuradoria-Geral do Estado do Ceará (PGE-CE) disse que vai se manifestar sobre esse novo fato quando forem formalmente notificados

Um novo laudo técnico contratado pelo Conselho Comunitário de Jericoacoara deve embaralhar ainda mais o imbróglio em torno do acordo extrajudicial proposto pela empresária Iracema Correia São Tiago, que reivindica a posse de cerca de 80% de terras na Vila de Jericoacoara.

O documento afirma que houve uma série de alterações nos registros de cartório que levaram o aumento sucessivo do tamanho da propriedade da empresária, e que as terras dela nunca teriam englobado a vila. Conforme o estudo, a área real da fazenda de Iracema não abrange o território da vila, como ela reivindica.

Área de empresária que reivindica vila de Jericoacoara foi ampliada em documentos, diz laudo de cartógrafo. Foto: Reprodução

Em nota, a Procuradoria-Geral do Estado do Ceará (PGE-CE), órgão que conduz o acordo entre Iracema e o estado do Ceará, disse que vai se manifestar sobre esse laudo quando forem formalmente notificados. A PGE-CE disse que ainda não recebeu notificação desse laudo dentro do processo. Quando isso acontecer, “o documento será lido e analisado.”

Iracema Correia diz que, em 1983, seu então marido, José Maria de Morais Machado, adquiriu três terrenos na região: um deles pertencia à companhia Florestal Sobral LTDA; o outro, a um casal que morava na região; e o terceiro, a um morador local. As três propriedades foram unificadas em cartório em 2007, dando origem à fazenda Junco I.

Entenda as versões divergentes:

O que diz a pessoa que reivindica as terras de Jericoacoar: documentos comprovam que a fazenda de posse de Iracema Correia é posse de terreno que abranje a vila de Jericoacoara.
O que diz o laudo encomendado por moradores de Jericoacoara: em dois momentos, na década de 1980 e em 2007, os documentos que tratam do terreno de propriedade de Iracema Correia foi “inexplicavelmente” ampliado. Considerando o tamanho real das terras da empresária, ela não tem posse da região da vila de Jericoacoara

O laudo técnico encomendado pelos moradores e assinado pelo engenheiro cartógrafo Paulo Roberto Thiers diz que, quando as três propriedades que deram origem à fazenda foram compradas em 1983, os registros apontavam que os três terrenos, somados, tinham 362,61 hectares.

Porém, segundo Thiers, alguns dias antes da conclusão das compras, uma série de pedidos de averbação – termo utilizado para registrar em cartórios alterações nas descrições oficiais de uma propriedade – teriam alterado a descrição dos terrenos, aumentando o tamanho que constava no cartório de 362,61 para 441,04 hectares. Este teria sido o primeiro aumento.

As correções que justificaram as averbações foram feitas a partir de uma análise do agrimensor Antônio dos Santos de Oliveira Lima. Ao longo do texto do laudo, porém, o técnico descreve os aumentos como “inexplicáveis”.
O laudo questiona a precisão e a validade das medições, e Paulo Thiers afirma que sistema de medidas e referências usado pelo agrimensor na década de 1980 foi inadequado.

Em 2007, houve a unificação das matrículas (os registros) das três propriedades como uma só. Esses três terrenos deram origem à fazenda Junco I, que seria a propriedade que alcança a Vila de Jericoacoara.

Paulo Thiers afirma que, nesta unificação o tamanho dos terrenos teria aumentado, indo de 441,04 para 924,46 hectares – um aumento de 109%. Este teria sido o segundo aumento, e conforme o laudo teria sido o aumento responsável por colocar a vila dentro da propriedade da empresária.

Os números analisados pelo técnico no laudo, contudo, são diferentes dos que constam no processo da Procuradoria-Geral do Estado (PGE), responsável pela negociação com a empresária Iracema Correia.

Acontece que, para além da diferença de medidas usadas pelo agrimensor na década de 80 e do cartógrafo agora, há uma discrepância na própria referência usada para os cálculos que apontam os aumentos da propriedade. Entenda:

–  O laudo técnico afirma que os três terrenos tiveram alterações no registro na década de 1980, e que com isso eles passaram a ter 441,04 hectares;
– Em 2007, os três terrenos foram unificados para formar a fazenda Junco I e o tamanho teria passado de 441,04 para 924,46 hectares;
– Os documentos apresentados pela defesa no início do processo, porém, dizem que os três terrenos nunca tiveram 441,04 hectares, mas sim tinham 714,28 hectares;
– Somente um dos terrenos da família, adquirido da empresa Florestal Sobral LTDA, teria 494,28 hectares, maior que a soma dos três terrenos feita pelo cartógrafo;
– No laudo técnico recém-apresentado, o terreno adquirido da Florestal Sobral teria apenas 220 hectares. O número de 494,28 hectares não é citado no laudo;
– Os representantes de Iracema apontam que houve, de fato, um aumento da propriedade na unificação dos terrenos em 2007, mas que ela foi de 714,28 para 924,46 hectares, e que tudo foi “devidamente identificado por meio de levantamento topográfico georreferenciado”.

Os representantes jurídicos do Conselho Comunitário confirmaram que pretendem incorporar o novo laudo técnico ao processo de análise de acordo.

Acordo suspenso
No dia 1º de novembro, o acordo entre a Procuradoria-Geral do Estado do Ceará (PGE-CE) foi suspenso por tempo indeterminado. A informação foi confirmada ao g1 por meio de nota enviada pela PGE:

“A PGE-CE informa que, considerando as questões trazidas pela comunidade da Vila de Jericoacoara sobre a cadeia dominial do imóvel, realizará uma série de diligências a fim de ouvir outros órgãos e aprofundar a análise de todos os pontos colocados. O objetivo é garantir a segurança jurídica com relação ao andamento e conclusão do acordo extrajudicial com a proprietária do imóvel. Diante disso, o processo está suspenso por tempo indeterminado até que sejam cumpridas todas as diligências e que todos os órgãos se manifestem sobre a matéria, não restando dúvidas quanto ao legítimo domínio”.

A cadeia dominial à qual a PGE se refere a um estudo da cronologia do terreno, considerado todas as transmissões que aquela área foi repassada a alguém, indo desde a atual proprietária, até o proprietário original.

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