Animais do Cerrado podem tomar lugar de fauna florestal em Amazônia degradada

O lobo-guará, que este ano já emplacou sua imagem na nota de R$ 200, pode estrear em outro cenário — desta vez, sem que seus defensores comemorem. Explica-se: a savanização da Floresta Amazônica deve diminuir a população da fauna local e fazer com que animais do vizinho Cerrado, como o guará e o tamanduá-bandeira, invadam as regiões degradadas.

A informação é de um estudo realizado por pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Universidade Estadual Paulista (Unesp) e Universidade de Miami, publicado na revista “Global Change Biology”.

A savanização ocorre quando áreas florestais degradadas adquirem características de savana, com ambiente mais aberto e árvores mais baixas — o Cerrado, aliás, também chamado de savana brasileira. A alteração ocorre em decorrência de mudanças climáticas e desmatamento.

A pesquisa, divulgada pela Agência Bori, analisou a distribuição de 349 espécies de mamíferos na América do Sul, considerando em quais ambientes elas ocorrem. Os autores então utilizaram modelos computacionais de mudanças climáticas e desmatamento para prever quais seriam as alterações nas áreas de distribuição das espécies ao longo do século XXI.

— De acordo com as previsões, praticamente todas as espécies de floresta vão ser encontradas em menos locais — explica um dos autores do estudo, o biólogo Mathias Mistretta Pires, do Laboratório de Estrutura e Dinâmica da Diversidade do Instituto de Biologia da Unicamp.— Por outro lado, as espécies que hoje usam a savana são um pouco mais resistentes e menos vulneráveis às transformações. Então várias podem ampliar sua distribuição.

Refúgios climáticos

Os animais florestais mais ameaçados são os macacos, por serem muito dependentes desse ambiente e não conseguirem atravessar espaços abertos, afirma o biólogo. Esquilos, roedores, arborícolas (que vivem nas árvores), pacas e algumas espécies de veados também podem ser impactados.

— Como há uma previsão de redução muito grande de florestas pelo mundo, principalmente na Amazônia, essas espécies vão ficando confinadas em áreas muito menores — explica Pires. — Em algumas regiões mais frias da Amazônia se prevê o aumento no número dessas espécies, como se elas estivessem migrando para lá. É o que chamamos de refúgios climáticos.

Entre as espécies do Cerrado que terão sua distribuição ampliada de 11% a 30% ao longo do século estão o tamanduá-bandeira e o lobo-guará. O biólogo explica que o aumento desses animais nas regiões que hoje são de florestas amazônicas e atlânticas pode trazer impactos negativos para a fauna local, como a competição por alimento.

Pires destaca que também há previsão de ameaça para os animais do Cerrado: pois apesar de ampliarem sua distribuição, os locais onde ocorrem hoje também podem deixar de existir no futuro.

— O Brasil central, principal região do Cerrado, vai passar por mudanças muito extremas no clima, além da mudança no uso do solo, então o bioma está muito ameaçado. O que deve acontecer é um deslocamento das espécies de savana, sendo extintas localmente onde ocorrem hoje — afirma o biólogo.

Preservação e corredores florestais

O professor e pesquisador da Unicamp explica que a região do Cerrado é muito visada para agricultura e pecuária, e há previsão de períodos de seca cada vez mais longos e intensos. Já nas áreas florestais, há problemas como a grilagem de terras, extração de madeira, queimadas e transformação em áreas de cultivo de gado.

Ele defende, portanto, que o primeiro  passo necessário é cuidar melhor dos biomas brasileiros:

— Sabemos que a floresta e o Cerrado têm suas particularidades, sua importância na regulação do clima e suas próprias riquezas naturais, com uma infinidade de espécies de plantas e animais. Não é uma estratégia inteligente substituir tudo por duas espécies: grama e gado.

Além disso, o biólogo ressalta a importância de garantir corredores florestais, que permitam que as espécies possam migrar entre diferentes áreas e encontrar ambientes adequados:

— Às vezes há uma região em que a floresta vai ser mantida, mas os animais não conseguem chegar até lá porque há desmatamento entre as áreas. Precisamos garantir que eles possam se movimentar em direção aos ambientes mais adequados, o que pode ser feito com reflorestamento e preservando os corredores. [Foto de capa: Florian Plaucheur/AFP]

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