A denúncia de abuso sexual contra Harry Tadashi Kadomoto, guru de meditação que se tornou popular durante a pandemia, é a terceira apresentada este ano pelo Ministério Público de São Paulo contra líderes religiosos e espirituais, com base em atendimento prestado pelo Projeto Acolhimento de Vítimas, Análise e Resolução de Conflitos (Avarc). O grupo foi criado para dar apoio e atendimento psicológico às vítimas.
Tadashi Kadamoto é acusado por uma ex-paciente e ex-estagiária por abusos sexuais cometidos por sete anos, durante um tratamento e treinamento oferecido pelo instituto que leva seu nome. Ele nega o crime e anunciou, pela internet, que vai suspender suas atividades até o fim do processo.
Em setembro, o Ministério Público também levou à Justiça denúncia contra um dos líderes da umbanda mais populares do país, Heraldo Lopes Guimarães, o Pai Guimarães de Ogum. Ele foi acusado por abusos sexuais praticados contra seis mulheres entre os anos de 2011 e 2014, duas delas menores de idade na época dos fatos.
Guimarães comanda o Templo de Umbanda Estrela Guia, no bairro do Ipiranga (SP), e a Associação Brasileira dos Religiosos de Umbanda, Candomblé e Jurema. O religioso nega as acusações.
Em março passado, a 3ª Promotoria de Justiça Criminal de São Paulo anunciou investigações em torno da congregação religiosa Testemunhas de Jeová por crime sexual. Segundo a denúncia, além abuso sexual contra crianças e adolescentes, a associação também é investigada por tentar constranger as vítimas, impedindo que elas denunciassem os crimes. Oito vitimas foram ouvidas.
A promotora Celeste Leite dos Santos, responsável pela investigação e gestora do Avarc, afirma que mais de um líder da religião está envolvido nos crimes.
Segundo Celeste, até as denúncias envolvendo o caso de João de Deus, em Abadia de Goias, não existia um canal direto do Ministério Público com a sociedade.
— O projeto permite que não haja barreiras para ouvir as vítimas, que podem estar em qualquer lugar do país. Existe 90% de sub notificação nos casos de estupro porque as pessoas não se sentem confortáveis em procurar uma delegacia. Elas querem ser ouvidas sem julgamentos — diz a promotora.
O Avarc eliminou as barreiras territoriais, uma vez que as vítimas podem falar com o Ministério Público em diferentes estados do país. Além disso, elas são acompanhadas por psicólogos, o que permite maior segurança durante os depoimentos.
— As vítimas sentem culpa pelo que aconteceu e imaginam que o promotor é uma pessoa distante, a qual ela não tem acesso.
Celeste afirma que as vítimas, principalmente de abusos sexuais praticados por religiosos ou líderes espirituais, inicialmente não têm consciência de que estão sendo enganadas. Sentem que algo está errado, mas mantém relacionamento com o algoz porque ele exerce poder sobre suas vítimas. Quando conseguem perceber que foram abusadas, sentem culpa e vergonha.
A promotora afirma que mesmo depois que busca ajuda e denuncia, as vítimas ainda precisam de ajuda para alcançar paz interior.
— Precisamos ter políticas públicas que ajudem a vítima, com tratamento de saúde adequado e mecanismos de reparação de dano. Muitas vezes ela tem custos médicos e psicológicos altos e nem sempre consegue arcar com eles. Todas as vítimas precisam de ajuda, e as vítimas de abuso são especialmente vulneráveis — diz Celeste. [Foto de capa: Edilson Dantas/Agência O Globo]