Pandemia é segunda chance para sistema educacional do Brasil, diz criador do Pisa

Ainda que a suspensão das aulas presenciais por causa do novo coronavírus tenha impacto negativo na educação, Andreas Schleicher, uma das maiores autoridades em avaliação do ensino do mundo, diz acreditar que a pandemia pode ter trazido uma nova chance ao país.

Para o diretor de educação da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico), depois de um período de acomodação com os resultados educacionais, o Brasil tem a oportunidade de reavivar os investimentos e políticas para a área.

“Com a pandemia, as famílias enxergaram uma face das escolas que muitas vezes ficava escondida: seu papel social, emocional. Acredito que isso possa resultar em um ambiente mais colaborativo entre escola e famílias e, consequentemente, em uma maior cobrança dos pais por melhorias na educação”, disse à reportagem.

A última edição do Pisa, teste internacional de aprendizagem feito pela OCDE, mostrou que o desempenho dos estudantes brasileiros está estagnado há quase uma década. O Brasil ficou em 42º lugar na avaliação de leitura, em 53º em ciências e em 58º em matemática.

Schleicher diz que a principal oportunidade para o país está em aproveitar a volta às aulas para investir em uma escola que não olhe apenas para o aprendizado das disciplinas tradicionais, mas no desenvolvimento socioemocional dos alunos.

Na última edição da prova, a OCDE decidiu avaliar também o pensamento criativo dos estudantes, e o Brasil tampouco saiu-se bem.

Nesta segunda (26), Schleicher participou de um webinário da Fundação Lemann e a Abave (Associação Brasileira de Avaliação Educacional) para discutir sobre o futuro das avaliações educacionais em larga escala.

PERGUNTA – Em fevereiro, o sr. disse à Folha de S.Paulo que o Brasil perdeu seu ímpeto de melhorar a qualidade do ensino. A pandemia agrava ainda mais o cenário educacional do país?

ANDREAS SCHLEICHER – A situação não é tão diferente agora, mas o Brasil ganha uma nova chance de reavivar seu sistema educacional e não pode desperdiçá-la. Apesar de todos os prejuízos com a pandemia, um ganho foi as famílias enxergarem uma face das escolas que muitas vezes ficava escondida: seu papel social, emocional. Acredito que isso possa resultar em um ambiente mais colaborativo entre escola e famílias e, consequentemente, em uma maior cobrança dos pais por melhorias na educação.

É uma oportunidade para o Brasil mudar sua trajetória que, depois de alguns anos de avanço, tinha estagnado.

Outra vantagem é que o Brasil elaborou recentemente seu currículo nacional escolar e ele está muito bem feito. Vai ser importante para organizar os trabalhos na volta às aulas. É claro que vai exigir um trabalho duro e insistente, mas, se essa for a prioridade, há boas perspectivas. Precisamos pensar que a situação das nossas escolas hoje é a da nossa economia e da nossa sociedade de amanhã.

P – O Brasil é um dos países com maior tempo de aulas suspensas, isso não o coloca em situação mais grave que os demais?

AS – Os riscos são óbvios e claros. E, no Brasil, o principal deles é de que os estudantes não continuem sua trajetória escolar, especialmente aqueles de famílias mais pobres que podem ter ficado afastados da vida escolar durante todo esse tempo.

Digo que para o Brasil a situação é mais grave porque já há um grande número de estudantes que não completam toda a trajetória educacional básica. Agora, o risco é que isso se intensifique e possa acontecer com alunos ainda mais jovens.

Para muitos estudantes, a escola é o único lugar de estabilidade. O fechamento delas é muito negativo, mas é preciso esforço para mostrar que a escola continua lá e vai voltar a acolhê-los.

P – No retorno das atividades, as avaliações diagnósticas que existem hoje no país serão suficientes para mapear os déficits de aprendizagem? Vamos ter de repensar essas avaliações?

AS – O Brasil conseguiu construir um sistema robusto e confiável de avaliação, e avaliar é o único caminho para melhorar o nível educacional. O diagnóstico no retorno vai ter um papel fundamental, e precisamos ficar atentos a como serão essas avaliações, se elas vão precisar de ajustes.

P – Muitos especialistas dizem que a escola será diferente após a pandemia. Nos países que já retomaram as aulas, há uma nova escola?

AS – Sim, e a boa notícia é que muitos países conseguiram reabrir de forma segura as suas escolas e aprenderam a lidar com a pandemia. Elas aprenderam a funcionar com as novas regras, com o distanciamento social, com as máscaras. Sem perder o seu papel de socialização, de relação, de acolhimento.

A pandemia escancarou a necessidade de darmos mais importância para o desenvolvimento de habilidades socioemocionais. A crise sanitária mostrou como temos de ensinar as crianças a serem mais resilientes, criativas, corajosas, independentes. Não podemos perder esse aprendizado. Então, estamos vivendo a era de uma nova escola, que não vai ser vista mais só como um espaço de transmissão de conteúdo.

P – A pandemia acelerou mudanças na educação?

AS – Com certeza. Além de ter trazido a urgência para o desenvolvimento dessas habilidades, ela acelerou a inovação tecnológica na educação.

Quanto a esse segundo ponto, porém, é preciso muito cuidado para não deixarmos estudantes e professores para trás. A tecnologia tem sido uma grande aliada do ensino e se aprendeu a utilizá-la de forma positiva, mas ela também acentuou a desigualdade educacional. Estudantes sem acesso a equipamentos e internet ficaram ainda mais excluídos.

Aceleramos uma mudança tecnológica que demoraria anos para ocorrer, mas, antes de seguirmos nessa trajetória, precisamos corrigir as desigualdades e oferecer oportunidades de acesso a todos.

Andreas Schleicher, 56, é diretor de educação da OCDE e foi o criador do Pisa (Programme for International Student Assessment), o maior exame de estudantes do mundo. Nascido na Alemanha, estudou física e depois se formou em matemática e estatística. Antes da OCDE, foi diretor de análises do IEA (International Association for Educational Achievement).

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