Foco na Cena: O introspectivo e extraordinário mundo de “Jailan O Invisível”

Na última semana tive a oportunidade de entrevistar Jailan Souza, na minha opinião, um dos maiores artistas acreanos contemporâneos. A arte de Jailan sempre me tocou profundamente, seja por meio de suas tirinhas existencialistas ou sua música poética e lírica. Jailan é sem dúvidas um artista completo. A personalidade única, unida a sua voz branda, faz nossos ouvidos pararem atentamente para ouvi-lo. Tive a oportunidade de conhecê-lo pela primeira vez no colégio IFAC, quando estagiei como professor de literatura pelo PIBID (talvez nem você lembre disso Jailan, mas lembro perfeitamente daqueles dias e época).

Foto: reprodução

A arte de Jailan é visceral. Quando entro em contato com ela, sinto meu estômago tremer. Em lapsos de memória sou capaz de reviver minha adolescência (época pessoalmente tão adoecida), reviver aquela melancolia que me gerou como ser humano e vez ou outra insiste em voltar.  A arte de Jailan faz eu me conectar com a minha essência e humanidade. Com aquela parte que cresci vendo os adultos esconderem, e quando finalmente tornei-me gente grande, decidi deixá-la escancarada para os outros. Obrigado por isso, Jailan. Por me relembrar quem sou, por tocar em meu âmago.

Sem mais delongas, segue abaixo a entrevista com Jailan. Boa leitura.

Jailan, o que é ser artista para você?

“Ser artista é passar um sentimento através daquilo que faz. Para mim, uma formação acadêmica é até útil, mas não é ela que define o artista. Tem gente que se apega tanto com os padrões clássicos que se esquece da sua autonomia, passa a fazer roboticamente apenas o que aprendeu na faculdade e ainda abomina qualquer coisa que fuja demais desses padrões. Isso, sim, é um artista morto. O artista transcende a arte. Já vi grandes artistas em uma sala dando aula de geografia e parecia que o conhecimento dançava balé no quadro. […] Já vi grandes artistas que nunca leram um livro de poesia, mas tudo que falavam era antológico. Todos eles movidos por uma energia única, uma coisa que nenhuma universidade conseguiria fazer brotar da alma. Há uma necessidade que fala mais alto, uma coisa que transcende essas pequenas barreiras do padrão estabelecido, é o sentimento que dá vida ao pincel ferrado, ao pedaço de papelão, ao violão velho e ao emaranhado de tinta sem formas precisas. Quem consegue canalizar esse amor intrínseco, seja qual for a área, é um verdadeiro artista.”

Em sua definição, o que é arte?

“A arte, primeiramente, não é um dom. É apenas um meio de expressão que está aí acessível a todos. Todos podem tocar um instrumento, escrever um poema, fazer uma pintura ou dançar uma música. E ela é para mim um dos meios mais significativos de autoconhecimento e libertação.”

E como funciona o seu processo criativo?

“Geralmente eu tenho uma ideia, aí trabalho nela até conseguir transportá-la ao papel (é assim com as tiras, com as letras das músicas e com os poemas). Não é algo muito específico, porém há toda uma assimilação de conteúdo referencial para poder me ajudar no processo de criação. A melancolia de uma música, o tom ébrio de uma pintura estranha, meio que canalizo tudo isso e naturalmente mando para a minha arte. A minha vida, as minhas memórias, o que eu observo, alguns assuntos do momento, tudo é matéria-prima, quase sempre me aproveito dessas coisas. […] Alguns temas como o racismo também entraram no meu laboratório, após fazer uma parceria mega produtiva com a escritora Hellen Lirtêz sobre alguns casos de injustiça contra a comunidade periférica negra, como as famosas ‘balas perdidas’. De resto, é isso, um processo bastante natural, sem muitas fórmulas mirabolantes.”

Quem é Jailan O Invisível?

“É uma alcunha musical. Na época, quando estava compondo as minhas primeiras canções, não achava muito expressivo somente o meu nome. Fui procurando algo que se adequasse à aura das músicas, então foi aí que encaixei “O Invisível” para se ligar ao tom introspectivo das letras. Até listei alguns pseudônimos, mas o meu nome já é meio diferente, então só foi necessário implementar um adjetivo que soasse bem. Nos últimos meses, compor foi a minha principal válvula de escape. Cantar tem preenchido o meu vazio mais do que desenhar em folhas brancas. As linhas para a minha poesia tem sido as cordas do violão. Naturalmente, o Jailan O Invisível (escrito sem a vírgula por uma questão estética) vai ganhando forma, soando cada vez melhor, e, consequentemente, tornando-se mais notável (o que é um pouco paradoxal, já que ele é “invisível”). Inspirado pelas produções caseiras de Daniel Johnston e (Sandy) Alex G, passei a aceitar mais o fato de não ter muitos recursos e usar do pouco que tenho para fazer bastante. Faço gravações com a câmera do celular, no meu quarto, e usufruo de acordes simples e de uma voz desse tantinho para exprimir minuciosamente sentimentos incômodos, ora meus, ora inventados. Muitas vezes a letra nasce do momento, do processo de criação da própria música, sem partir de algo que presenciei ou senti alguma vez na vida. Não me importo se gostam ou não dessa minha faceta, eu me abraço à minha Weird Music (meu próprio gênero musical).”

Quais as melhores e as piores partes de ser artista no acre? Qual sua opinião sobre a cena?

“O lado ruim é que não tem quase nada aqui e o lado bom é que não tem quase nada aqui. A escassez é uma questão de ponto de vista. A falta de variedade cultural para alguns olhos ousados é a chance de implementar coisas novas no estado. […] O que não facilita é a falta de união da cena, mas não julgo, compreendo as razões individuais de cada um, e é complicado tentar unir ideais diferentes em um único propósito. E na prática tudo é muito mais complicado. Já tentei levar um projeto de tiras para os jornais locais várias vezes e a maioria não me deu resposta até hoje. É difícil apostar no novo porque nem sempre é possível prever se vai dar retorno. É ainda mais complicado quando os únicos meios de comunicação não buscam explorar as margens da nossa cultura. Ainda bem que temos o NAAH/S (Núcleo de Atividades de Altas Habilidades/Superdotação) para identificar jovens talentosos, mas infelizmente propósitos como as do núcleo nem sempre são valorizadas devidamente. É uma pena um estado tão rico permitir a morte de suas riquezas. Ser artista no Acre é uma batalha diária entre esperança e desistência.”

Quais os artistas que mais admira e acompanha dentro da cena artística acreana?

“Boa parte dos meus amigos artistas daqui são quem eu acompanho e admiro. Manuel Bandeira já dizia: “Todo grande verso é um poema completo dentro de um poema”, e essa frase define completamente o Alessandro Gondim. É incrível como ele consegue compor versos tão ágeis e plenos, sem parecer pedante ou elaborado demais, é muito visceral. Ao decorrer dos versos, um poema grandioso vai se formando, cheio de frases autônomas e repletas de sentimento. Adoro o trabalho pulsante da Marleide Carvalho, a qual eu cobro constantemente que me compartilhe seus poemas. Ela traz uma sensibilidade cirúrgica que te toca sem você perceber. Sou um grande fã das canções do Raylan Brayan, muito bem compostas, e me identifico demais com as letras: “Quem vê de longe pode confundir com arrogância, mas é que sou assim, meio calmo, não sou de iniciar conversação”. A música ‘O Costumeiro Início das Artes’ é a minha preferida dele. O caricaturista Daniel Cabral e seu mundo cabralístico são impossíveis de não se notar, o cara é presença. E, para finalizar, o meu mestre Iury Aleson. Esse cara é demais, um escritor empolgado e bastante fora da curva. Traz em sua poesia/prosa uma informalidade quase que desafiadora, nunca vi nenhum poeta fazer do jeito que ele faz. Textos autênticos e de fácil identificação. É o artista e poeta mais autoral que já vi nessa cidade. E as minhas menções honrosas vão para Ueliton Santana, que foi o meu professor de artes, Danilo de S’Acre, Quilrio Farias e Eliana Castela. Grandes artistas!”

Como esta pandemia afetou o seu processo criativo, sua arte e sua identidade como artista?

“Para ser sincero, eu ando bastante deprimido. Essa estagnação repentina me deixou sem esperanças, confuso e entediado. Estou me sentindo vulnerável e bastante explosivo. Não estou me sentindo próximo da minha arte, não fiz quase nada esse ano. E, para piorar, todo esse contexto político DECEPCIONANTE, que nos tira os resquícios de esperança que ainda temos, torna tudo isso ainda mais complicado. As pessoas estão cada vez mais reativas, querendo promover a qualquer custo uma justiça generalizada, que poderia ser útil caso elas mirassem no que deve ser mudado, mas preferem usar dessa disposição toda para cancelar outras pessoas na internet. Alguns amigos agora se encontram tristonhos por terem seus espaços violados por esses cancelamentos fúteis. Por conta disso, acabei me distanciando desse fluxo tóxico de discórdia digital e focando na criação de um blog. Ele já existe e se chama Não ao Sono (naoaosono.blogspot.com), mas não tem nada nele ainda. Estou passando por um processo de mudança e acredito que nada vai ser como antes. Estou com outras influências, outras ideias, só estou esperando o alinhamento dessas coisas. Por mais que eu esteja deslocado, ainda aguardo com fé dias melhores. Jailan Souza ainda será um grande artista, acredite.”

Eu acredito em você, Jailan. Eu acredito.

Hey, pessoal! Essa foi a coluna desta semana. Toda segunda-feira você me encontrará aqui na Arte & Cultura. Não esqueça de compartilhar o link com seus amigos e colegas! Caso queiram trocar e-mails estou disponível em  [email protected]

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