Pássaro “paulista” viaja 3 mil km e passa o inverno na Floresta Amazônica

Olhando assim, tão inserido no ambiente urbano, onde costuma construir ninhos em pracinhas menores que um estacionamento de supermercado, nem parece que o bem-te-vi-rajado (Myiodynastes maculatus) gosta de passar “as férias” em área de floresta bem longe do barulho dos carros e da agitação da cidade. Mas bem longe mesmo.

Pequeno – mede aproximadamente 22 cm e pesa cerca de 50 gramas – o pássaro desaparece das praças no outono e retorna na primavera. Normalmente para a mesma praça onde estava antes.

Mas para onde ele vai? Foi a pergunta que a ornitóloga Karlla Barbosa, doutora pela Unesp-Rio Claro, queria responder. Um mini-GPS pesando 1 grama e medindo o tamanho de uma moeda de 5 centavos deu algumas respostas.

“Eles normalmente saem daqui quando está terminando o verão, passam o outono e o inverno lá, e voltam na primavera. Chegam na primavera e verão para reproduzir. Eles fogem da temperatura fria”, diz a doutora Karlla Barbosa, coordenadora de projeto na ONG Save Brasil há 5 anos.

O ‘lá’ a que se refere Karlla é a floresta amazônica, na parte mais preservada do bioma.

A descoberta ocorreu após a volta de duas das oito aves marcadas com um rastreador bem pequeno, que armazena as coordenadas por onde a ave esteve.

Após 4 meses, a bióloga conseguiu resgatar duas, uma recolhida na cidade de Rio Claro, no interior paulista, e outra na capital do estado, São Paulo.

A de Rio Claro passou 30 dias viajando e pousou em definitivo na Floresta Nacional da Mulata, no norte do Pará, onde permaneceu por mais de 30 dias, até retornar para casa. A segunda passou férias em Roraima.

Mapa de migração.

“A gente não tinha como saber para onde elas iam, e também ainda não sabemos se elas fazem o mesmo trajeto quando voltam”, diz Karlla. “A bateria dos dois mini-GPS acabaram quando as aves ainda estavam na Amazônia. Por enquanto, só se tem as informações de ida”, explica.

O que mais chama atenção na longa viagem das pequenas aves é que elas não ficam em áreas antropizadas durante o tempo na Amazônia. Ao contrário, escolhem um local bem diferente do ambiente de casa.

“É como se elas realmente tirassem férias disso tudo por 4 meses”, brinca a pesquisadora, que ainda não decidiu se vai transformar esses dados coletados em artigo científico.

A pesquisadora terminou recentemente o doutorado, onde estudou os efeitos da urbanização em aves migratórias.

“Sabemos muito pouco sobre as espécies migratórias brasileiras. O país engatinha nas pesquisas, há um apagão de dados, e olha que estamos falando do grupo mais estudado do país”, afirma.

Karlla segue marcando as aves com anilhas metálica e de plástico, de cor variada na pata esquerda ou direita.

A marcação colorida indica se a ave é macho ou fêmea, onde e quando foi marcada e, principalmente, se a ave é da pesquisadora ou marcação de outro ornitólogo.

“As cores ajudam a diferenciar de longe. Caso não seja meu, não preciso fazer o esforço de capturá-lo”, explica.

O casal de bem-te-vi-rajado tem um filho por vez e cuidam juntos do filhote por 4 meses, até seguirem cada um pro seu canto.

Saem de férias e o que se sabe até agora é que um dos parceiros volta para a casa. O que acontece com o parceiro que saiu com ele para a Amazônia?

Não se sabe. Ele retorna, mas aparentemente ganha o direito de ficar no local antigo quem chegar primeiro.

“Após o retorno ao lar, uma nova formação de par romântico ocorrerá e esse casal cuidará de mais um filho”, explica Karlla, que tem mais de 60 aves marcadas, entre as inúmeras espécies que estuda.

A ornitóloga chama atenção para o fato de que aves urbanas como o bem-te-vi-rajado também dependerem da integridade da floresta amazônica.

“Ele é um mensageiro da Amazônia. Se o local onde ele passa férias for degradado, ele será afetado”, diz.

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