A nebulização com hidroxicloroquina acabou em conflito entre a direção de um hospital no Rio Grande do Sul e uma médica do pronto-socorro da unidade, que decidiu iniciar por conta própria o tratamento experimental e acabou demitida. A história ganhou repercussão nacional no último domingo (21) após o presidente Jair Bolsonaro ligar para a principal rádio do município e prestar solidariedade à médica Eliane Scherer.
A profissional fez o tratamento com nebulização em ao menos seis pacientes do Hospital Nossa Senhora Aparecida, na cidade de Camaquã. Em seu primeiro pronunciamento sobre o caso, numa entrevista à rádio local Acústica FM concedida nesta quarta (24), Eliane mencionou a evolução do quadro de saúde de dois pacientes após efetuar as nebulizações com hidroxicloroquina.
Diante da afirmação de Eliane, a direção do Hospital Nossa Senhora Aparecida comunicou que outros três pacientes submetidos à nebulização de hidroxicloroquina diluída em soro morreram nos últimos dias.
José Almiro Chagas De Alencastro, diretor do hospital, ressaltou em entrevista a ÉPOCA que seria prematuro fazer qualquer tipo de associação entre os óbitos e o tratamento experimental. Acrescentou, no entanto, que a direção do hospital identificou uma “deterioração no quadro de saúde dos pacientes após o uso do medicamento”.
A hidroxicloroquina integra o receituário médico do Hospital Nossa Senhora Aparecida. O que motivou a crise interna foi o uso do remédio de uma forma distinta da indicada pelo fabricante.
Eliane decidiu dar início ao tratamento de nebulização com hidroxicloroquina em pacientes com sintomas de Covid-19 no último dia 9 de março, uma terça-feira.
Antes de iniciar o primeiro procedimento, ela foi alertada por um colega que se tratava de uma medicação com o uso vetado naquela unidade. Por conta própria, ela comprou o medicamento em uma farmácia e, mesmo sem autorização, nebulizou o paciente.
“Montei essa nebulização, sem ajuda de colegas, porque eu quis fazer, eu quis diluir. Nunca pedi para nenhum funcionário preparar a nebulização. Eu que fiz”, disse a médica na entrevista à rádio. Ela relatou ainda a sua versão do diálogo com um enfermeiro do hospital:
– O que tu estás fazendo?
– Estou nebulizando esse paciente com hidroxicloroquina.
– Quem te autorizou a fazer isso? Onde está no protocolo isso?
– Não está no protocolo, mas eu vou fazer. Ele está com falta de ar e eu vou fazer.
De acordo com a médica, mesmo sob protesto do enfermeiro, ela nebulizou o paciente.
Eliane relatou também que, após ser questionada na sequência pelo setor jurídico do hospital, encontrou uma saída: fazer a própria família do paciente comprar a hidroxicloroquina. Desta forma, a substância seria classificada como uma “medicação do paciente”. A médica relatou o diálogo que teve com a mulher do segundo paciente com Covid tratado com nebulização num momento em que o hospital “estava sem vaga na UTI e sem respirador”.
– Estamos fazendo um trabalho (a nebulização com hidroxicloroquina), já está publicado, tem vários colegas usando, até agora nada de intercorrência, e eu gostaria de tentar no teu marido. É um algo a mais, a gente está aqui numa emergência. Tu autorizas, tu compras?
– Compro. Onde é que é?
A médica passou o endereço, prescreveu a receita e a mulher buscou a medicação. Nos dois casos mencionados, Eliane descreveu um alívio imediato dos pacientes ao fim da nebulização.
Na entrevista concedida à rádio Acústica FM, Eliane não comentou especificamente as mortes dos três pacientes posteriormente divulgadas pela direção do hospital Nossa Senhora Aparecida.
O diretor do hospital acrescentou que, seja por uma ação benéfica ou nociva, não há como avaliar o efeito do tratamento experimental com nebulização de hidroxicloroquina sob os cuidados de Eliane Scherer. “Os que se salvaram não estavam em estado crítico. Os que morreram estavam.”