A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) rebateu, ontem, acusações dos desenvolvedores da vacina Sputnik V de ter espalhado “informações falsas e imprecisas intencionalmente” sobre o imunizante russo. O órgão enfatizou que a indicação da presença de adenovírus replicante no fármaco constava em documentos entregues pelos próprios fabricantes. Essa foi a principal justificativa usada pela agência para negar o pedido de importação do imunizante, na última segunda-feira. No entanto o Fundo Russo de Investimento Direto (RDIF) e o Instituto Gamaleya alegam que não foram encontrados adenovírus competentes para replicação no imunizante, como apontado pelo órgão brasileiro.
“Vamos apresentar a prova de que a Anvisa atuou com documentos enviados pelo próprio desenvolvedor, no qual este identificou a definição da presença do adenovírus replicante. Não há nessa instituição, Agência de Nacional de Vigilância Sanitária, nenhuma pessoa que tenha qualquer interesse ou júbilo em negar a importação de qualquer vacina”, afirmou o diretor-presidente do órgão, Antonio Barra Torres. Ele explicou que a Anvisa não se utiliza de laboratórios e faz uma análise documental com base em documentos enviados pelo próprio desenvolvedor.
Em uma apresentação, o gerente-geral de medicamentos e produtos biológicos do órgão, Gustavo Mendes, disse que a empresa atesta no próprio dossiê que o processo de fabricação das partículas RAD5-SCOV2 pode produzir partículas replicantes — aquelas que vão se espalhar pelo corpo, o que não é esperado para uma vacina.
De acordo com Mendes, a Sputnik V é composta por dois tipos de adenovírus, mas a empresa só apresentou a justificativa de não replicação para um deles. Depois de expor documentos enviados pelos desenvolvedores, o gerente também exibiu um vídeo de uma reunião com os representantes do laboratório russo, realizada em 23 de março.
Na mídia, uma especialista da Anvisa questiona à empresa russa o motivo pelo qual, uma vez que detectaram o adenovírus replicante durante a elaboração do imunizante, não voltaram ao início dos estudos e optaram por tecnologias sem efeitos homólogos. “Qual é a justificativa que vocês têm para seguir com esse desenvolvimento de uma vacina que será usada em pessoas saudáveis?”, perguntou.
Em resposta, os representantes do laboratório disseram que, “para a produção da vacina, usaram uma linha de células caracterizada que pode ter seus defeitos”. Eles concordaram com os fiscais da Anvisa de que podiam ter recomeçado o processo usando uma nova substância, mas que isso “ocuparia muito tempo”, então, optaram pela mesma substância que usaram no início.
Segundo Mendes, as justificativas não contemplam os pontos apresentados pelos técnicos da Anvisa. “São questões que envolvem a presença desse adenovírus replicante e de que forma ele pode impactar na nossa saúde”, ressaltou.
Credibilidade
No começo do pronunciamento, Barra Torres criticou as acusações feitas pelos fabricantes do imunizante russo. Segundo ele, a queixa do RDIF e do Instituto Gamaleya “impacta na confiança e na credibilidade da autoridade sanitária do Estado brasileiro”.
Por isso, segundo ele, a agência se posicionou de forma mais “firme” desta vez. “A decisão hoje (ontem) foi um pouco mais firme e expressiva porque o país foi achincalhado no exterior, acusado de veicular mentira, de gerar fake news, de agir sob pressões de potências estrangeiras. (…) Penso que tenha sido uma primeira reação adequada em função do ataque que foi feito a um país, um Estado, que tem primado por trabalhar dentro de normas corretas e acatadas internacionalmente”, disparou.
Torres afirmou que a Anvisa mantém as portas abertas para avaliar novos estudos e informações. “O desenvolvimento é complexo e é de absoluta normalidade a necessidade de ajustes, portanto, a Anvisa, no cumprimento do seu dever, está sempre receptiva para avaliar novos estudos e informações que podem ser enviadas no processo de autorização do uso emergencial ou em pedidos de importação”, emendou.
Ameaça de processo
Os desenvolvedores anunciaram que vão processar a Anvisa por difamação. Em uma série de postagens, os produtores acusam a agência brasileira de ter espalhado “informações falsas e imprecisas intencionalmente”. “Após a admissão do regulador brasileiro Anvisa de que não testou a vacina Sputnik V, a Sputnik V está iniciando um processo judicial de difamação no Brasil contra a Anvisa por espalhar informações falsas e imprecisas intencionalmente”, diz um trecho.